| Plataforma de petróleo realiza operação de 'flaring' (queima de controle) na costa do Congo — Foto: Stephane Lesbats/WikiCommons/CC |
Às vésperas da COP 30, Programa de Meio Ambiente das Nações Unidas que corte de emissões atrasou demais e será inevitável remover carbono do ar para cumprir meta do Acordo de ParisPor Rafael Garcia
O Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) reconheceu pela primeira vez que as promessas de corte de emissões de CO2 avançaram muito pouco, o planeta vai exceder a meta de aquecimento de 1,5°C, e será preciso remover carbono do ar para esfriar a atmosfera caso países queiram cumprir as metas do Acordo do Paris para o clima neste século.
Esta é a principal mensagem da edição de 2025 do Emissions Gap Report (Relatório da Lacuna de Emissões), o estudo que essa divisão da ONU realiza anualmente para balizar as negociações climáticas. O objetivo do Pnuma, um órgão consultivo, é estimular a Convenção do Clima da ONU, um órgão deliberativo, a avançar na agenda de combate ao aquecimento global.
Se o cenário geopolítico já não é favorável para a ocorrência de grandes avanços na COP 30, a conferência do clima de Belém, o Emissions Gap Report coloca ainda mais pressão sobre os negociadores ao lhes mostrar o quão real é o risco de Paris fracassar.
O Pnuma resiste a dizer, porém, que o estouro da meta de 1,5° C (o "overshoot", no jargão da área) representa necessariamente um fracasso. Se essa quebra de limite puder ser revertida, de preferência rapidamente e sem chegar aos 2,0°C, o mundo ainda conseguiria se resfriar de novo até o objetivo original neste século.
— O Acordo de Paris não é muito específico sobre aceitar ou não o overshoot, mas a maior parte das interpretações do texto indicam que sim — afirmou ao GLOBO a cientista dinamarquesa Anne Olhoff, que coordenou o relatório do Pnuma.
Matematicamente, e contando com alguma alguma sorte dentro da margem de erro, ainda seria possível tentar segurar a chegada aos 1,5° C, mas a própria pesquisadora reconhece que na prática isso não é mais possível.
— Na ausência das ações estritas que esses cenários melhores exigiam que tomássemos, incluindo a de reduzir as emissões entre 2020 a 2025, esses cenários não são mais possíveis de serem atingidos — afirmou.
Essa notícia não chega a ser novidade para a comunidade acadêmica, sobretudo após um ano em que a temperatura global já esteve 1,5° C acima da marca de referência, mesmo que a média da década não tenha chegado a tanto. Com o Pnuma anunciando oficialmente que o overshoot é inevitável, porém, essa realidade adquire um peso político maior.
O planeta deve estourar a meta, em primeiro lugar, porque os países não têm feito promessas de cortes de emissão de gases-estufa profundos o bastante. Em segundo lugar, poucos deles agiram o bastante para cumprir as promessas que fizeram nos últimos dez anos, o período em que Paris esteve em vigor.
O Emissions Gap Report faz as estimativas a partir dos compromissos oficiais dos países para o clima contidas nos documentos chamados de Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs), que estão aquém da ambição esperada.
Levando tem conta todas as promessas colocadas na mesa até agora, que cenário que o planeta encara é um aumento de aumento de 2,3°C a 2,5°C. Se levarmos em conta que as promessas não estão em vias de serem cumpridas, esse número chegará a 2,8°C antes de 2100.
O Pnuma reconhece que houve algum progresso. Quando essa mesma análise foi feita no ano passado a realidade que estávamos encarando era de um aumento de até 3,1°C, o que significa uma melhora de 0,3°C na perspectiva.
"Entretanto, uma parcela de 0,1°C dessa melhora se deve a aprimoramentos de metodologia, e a iminente saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris deve cancelar outros 0,1°C do progresso", afirmou no prefácio do relatório Inger Andersen, diretora executiva do Pnuma. "Isso significa que as novas promessas praticamente nem mexeram o ponteiro."
A maior parte dos países entregou apenas NDCs para o período até 2030. A rodada de documentos que está sendo cobrada dos países da UNFCCC neste ano é relativa ao período de 2030-2035.
Além da falta de ambição, o cenário na Convenção do Clima transparece um desinteresse, porque dois terços dos países nem sequer entregaram suas NDCs. No estudo do Pnuma deste ano, emissões da China e da União Europeia foram calculadas com base em apresentações extraoficiais.
Com o overshoot agora oficialmente declarado inevitável, o Pnuma reitera que serão cruciais os esforços para que ele dure o mínimo possível. Cada ano de atraso torna a economia fóssil mais inflexível, os custos de adaptação mais elevados e elevará a necessidade de tirar carbono do ar. A remoção de CO2 é uma tarefa para a qual só existe hoje uma tecnologia com bom custo-benefício: o plantio de florestas, que faz isso de maneira relativamente lenta.
O Emissions Gap Report põe boa parte de seu foco nos países do G20, o grupo das 20 maiores economias do mundo, que respondem sozinhos por 77% das emissões globais. A maior parte do progresso que foi feito por este grupo grupo está contido nas NDCs do Brasil, que promete zerar o desmatamento nesta década, e dos EUA, que promete cortar mais de 60% das emissões até 2035. Mesmo esses compromissos, porém, estão ainda desalinhadas com os objetivos de Paris, e a NDC americana se torna letra morta assim que o país desembarcar oficialmente de Paris, em janeiro próximo.
Abismo de emissões
Quando se leva em conta todos os países do mundo, a "lacuna" de emissões anuais à qual o relatório do Pnuma se refere ainda é do tamanho de um abismo.
Para conseguirmos chegar a 2100 ainda com menos de 1,5°C de acréscimo, precisaríamos estar em 2035 emitindo entre 22 bilhões e 23 bilhões de toneladas de CO2 a menos do que o que está previsto nas promessas. Isso representa "uma China" e "um EUA" a mais de emissões além do limite.
Segundo Olhoff, mesmo que uma nova rodada de NDCs não esteja prevista para acontecer durante a COP 30, o melhor que os negociadores em Belém podem fazer para começar a reverter esta situação é recolocar o assunto na pauta.
— Nós precisamos que a COP 30 entregue uma resposta às NDCs insuficientes, e vejo que a presidência da COP está muito focada nisso — afirma a cientista. — Se queremos transformar as COPs em COPs de ação, então precisamos analisar como podemos facilitar e acelerar a implementação de soluções que nós já temos.
O presidente da COP 30, André Corrêa do Lago, agradeceu ao Pnuma pelo relatório.
— É importantíssimo a gente ter dados corretos, que sejam os mais próximos da realidade, mesmo que eles não tragam as noticias que a gente prefere — disse ao GLOBO. — Nesse momento a prioridade é ação, Temos que atuar porque sabemos que não temos muito tempo e não chegamos em 2025 onde poderíamos ter chegado.
Ainda não está claro, porém, como a questão da lacuna nas NDCs poderá ser tratada em Belém.
— O tratamento disso na COP é uma questão delicada, porque isso não está agenda da COP. Mas esse relatório é um tema importantíssimo e vai ter que ser considerado — disse Corrêa do Lago.
Fonte: O Globo

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