Ocupação das margens do rio, em Barra Mansa: mata ciliar tem a função de controlar o processo de erosão - Custódio Coimbra / Custodio Coimbra |
Topo de morro desmatado na região Sul Fluminense: baixos investimentos e alta degradação ambiental - Custódio Coimbra |
Total equivale a 147 vezes o Parque Nacional da Tijuca; custo da restauração pode chegar a R$ 1,06 bilhão até 2035
por Emanuel Alencar
RIO - Dinâmica consagrada na segunda metade do século XIX no Vale do Paraíba, a plantação de café morro acima, com prejuízo à Mata Atlântica, deixou marca profunda de degradação em reservas cruciais de água para Rio, São Paulo e Minas Gerais. Do alto da Serra da Bocaina a São João da Barra, passando pela captação da Cedae, no Guandu, na Baixada Fluminense, paisagens áridas revelam uma preocupante situação que exigirá investimentos inéditos para ser revertida. De acordo com estudos da Associação Pró-Gestão das Águas da Bacia Hidrográfica do Rio Paraíba do Sul (Agevap), o déficit de cobertura de vegetal para cumprir o que determina o Código Florestal é de 583.070 hectares, o equivalente a 147 vezes o tamanho do Parque Nacional da Tijuca. E o custo para restaurar toda essa área, segundo cálculos da ONG Instituto Terra de Preservação Ambiental (ITPA), é de R$ 1,06 bilhão até 2035 — média de R$ 53 milhões por ano, valor a ser dividido pelos três estados.
A convite do ITPA, O GLOBO sobrevoou trechos do Paraíba do Sul e flagrou cabeças de gado e até uma casa ao lado do pequeno fragmento de floresta, de onde brotam as águas que, morro abaixo, vão formar a represa de Paraibuna, a maior do sistema, ponto de partida da saga do Paraíba do Sul. O local da nascente fica na cidade de Areias (SP), uma zona de amortecimento do Parque Nacional da Serra da Bocaina.
A degradação do verde é tema da quarta e última reportagem da série “O rio da cobiça”. O passivo florestal citado nesta reportagem tem como parâmetro o requisito da reserva legal, ou seja, a obrigação de destinar 20% das propriedades rurais privadas à Mata Atlântica.
Uma janela de oportunidades surge, porém, desse gigantesco universo degradado: a cadeia do reflorestamento pode gerar um emprego a cada 4 hectares recuperados. Isso significaria, apenas no Estado do Rio — cujo déficit chega a 142.338 hectares —, oportunidades de emprego para 35.500 pessoas.
— Um número significativo até para dar conta da falta de emprego que teremos com o término das obras de infraestrutura dos Jogos Olímpicos — analisa o engenheiro florestal e diretor do ITPA, Maurício Ruiz.
A ONG coordena a maior ação de pagamentos por serviços ambientais do Estado do Rio. O modelo tem como base o pagamento a proprietários rurais responsáveis pela manutenção das florestas em pé — e a consequente produção de recursos hídricos — pelos consumidores finais. A lógica do sistema é simples: mais floresta é igual a mais qualidade e quantidade de água. Equação que pode ser confirmada em diversos estudos, mundo afora, lembra o engenheiro florestal Ricardo Valcarcel, coordenador do Laboratório de Manejo de Bacias Hidrográficas da Universidade Federal Rural do Rio. Das décadas de 1960 a 1970, o Canadá chegou à conclusão de que se preservasse 12,6% de suas matas de pequenas bacias hidrográficas de topos de morros, estaria garantindo um ganho de água de 85%. A manutenção de áreas verdes nas beiras de rios também é fundamental para controlar o processo erosivo, que gera assoreamento, ainda mais em tempos de escassez recorde de chuvas.
— Todo mundo alardeia a crise de São Paulo, mas eles possuem vários reservatórios de água. O Rio, não. Dependemos bastante de Funil (em Itatiaia). Há duas formas de se fazer armazenamento de água para tempos de crise. Uma é com reservatórios. A outra é garantir a cobertura vegetal de áreas estratégias. Estamos andando na contramão nos dois quesitos — lamenta Ricardo Valcarcel.
Apesar do quadro dramático, há pelo menos uma tendência positiva na bacia do Paraíba do Sul: as lavouras e pecuárias vêm registrando queda significativa de rentabilidade nos últimos anos, o que significa que a pressão por áreas já florestadas está diminuindo.
— Temos que tentar transformar o reflorestamento em oportunidade de ganhar dinheiro. A atividade tem que render mais do que o sitiante colocar uma vaca para pastar a cada dez hectares. A própria legislação é inadequada. A lei aplicada a ferro e fogo não favorece avanços. Uma alternativa interessante é consorciar as reservas legais, com algum tipo de produção. O Código Florestal permite uma abertura neste sentido, o que não deixa de ser um avanço — detalha Valcarcel.
Maurício Ruiz acrescenta que faltam investimentos focados nas ações de reflorestamento:
— As receitas dos comitês de bacia deveriam ser integralmente investidas na recuperação florestal da bacia, por meio de restauração florestal e programas de pagamentos por serviços ambientais que geram renda ao produtor. Os investimentos em saneamento devem vir de outras fontes, pois são muito altos e já existem fontes de financiamento específicas nos estados e na união — defende.
Há de fato uma aplicação bastante tímida de recursos em restauração provenientes do Fundo Estadual de Recursos Hídricos (FUNDRHI), gerido pelo Inea. Desde 2009, foram efetivamente investidos R$ 6,46 milhões em projetos na área. As ações aprovadas — mas ainda não formalizadas — chegam R$ 21,39 milhões. Em saneamento, os investimentos são significativamente maiores, neste mesmo intervalo de tempo: R$ 56,75 milhões já aplicados e outros R$ 61,27 milhões em projetos.
Enquanto medidas mais contundentes não saem do papel, um estudo do Instituto Estadual do Ambiente (Inea) indica que a bacia do Guandu, abastecida por uma transposição do Paraíba do Sul, pode estar 99% comprometida — sem qualquer reserva emergencial para novas outorgas — até 2030. O alerta, incluído em nota técnica enviada à Agência Nacional de Águas (ANA), em março, foi assinado pela presidente do Inea, Isaura Fraga. A projeção inclui o uso de reservas da Cedae que devem ser utilizadas para garantir o abastecimento da Baixada Fluminense nos próximos anos. O Plano Estadual de Recursos Hídricos, elaborado desde 2011 mas divulgado este ano, já aponta para 73,6% de comprometimento atual da bacia do Guandu.
Dos 61,3 mil quilômetros quadrados de toda a bacia do Paraíba do Sul, há apenas 43% de remanescentes florestais, 40% de campos e pastagens, 10% de áreas agrícolas e 5% de áreas urbanas, região onde vivem cerca de 6,3 milhões de pessoas e concentra a maior parte da produção industrial, agrícola e prestadora de serviços do país. O restante (2%) diz respeito aos corpos hídricos e às áreas não classificadas. Os dados são de relatório recente da Agevap. Em toda a região, estão instituídas 332 unidades de conservação.
O chefe do Parque Nacional da Serra da Bocaina, Francisco Livino, reconhece que a região onde estão concentradas as nascentes do Paraitinga, que forma o Paraíba do Sul, carece de ações de regularização fundiária.
— Nas áreas de Cunha, Areias e São José do Barreiro, observamos ações de manutenção de posse, sitiantes que ocupam terrenos para evitar sair algum dia. São áreas muito antigas, antigas ocupações coloniais. O próprio governo incentivou a ocupação por posseiros, no passado. Sofre com uma pecuária associada à prática de queimadas. Se a gente conseguir fazer a regularização fundiária e os focos de incêndio, podemos avançar. Essas terras públicas, mas de domínio privado, são ocupadas por 32 famílias.
Fonte: O Globo
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