Embarcação transporta os sedimentos dragados do fundo da Baía de Guanabara para descarte no mar, na área de bota-fora indicada pelo IneaAgência O Globo / Fernando de Moraes |
Renata Leite
Órgão, que suspendeu licenciamentos, aponta irregularidades na gestão ambiental dos rejeitos
Até 2015, estão previstos para serem lançados no litoral do Rio pelo menos 7,8 milhões de metros cúbicos de sedimentos retirados do fundo da Baía de Guanabara, principalmente na Zona Portuária, concentrados ao longo de décadas de despejo de lixo e esgoto industrial e doméstico in natura. O volume daria para encher quase três estádios do Maracanã. De acordo com o Instituto Estadual do Ambiente (Inea), que libera licenças de dragagem da baía, todo o material é tratado antes de ser despejado, mas pescadores se queixam da diminuição dos cardumes e do aumento do lixo no mar. Mais de 70% do volume total já foram descartados. O Ministério Público (MP) estadual, que desde 2004 acompanha esse processo por meio de um inquérito civil, exigiu, em dezembro, que o Inea interrompa a emissão de novas licenças e propôs a elaboração de um termo de ajustamento de conduta (TAC).
Descarte pode pôr em risco patrimônio das Cagarras
Liderados pela promotora Rosani Gomes, da 5 Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva de Meio Ambiente, técnicos do MP constataram irregularidades na gestão ambiental dos descartes. As dragagens são feitas para desassorear áreas por onde passam embarcações ou para recuperação do local. Num primeiro momento, o lodo era despejado num ponto chamado de C, a dez quilômetros da entrada da baía e a cerca de oito das Ilhas Cagarras. Em abril de 2010, o arquipélago passou a ser parte de uma unidade de proteção integral, com a criação do primeiro e até hoje único monumento natural marinho do Brasil. Com isso, o Inea moveu o bota-fora 3,8 quilômetros mar adentro, criando o ponto de descarte D.
— Ao tomar posse, a equipe de gestão do Monumento Natural das Ilhas Cagarras explicou que o ponto C interferiria no arquipélago, devido às correntes marítimas. Com apoio do Instituto Nacional de Pesquisas Hidroviárias (INPH), definimos um novo ponto — diz a diretora de Licenciamento do Inea, Ana Cristina Henney.
A alteração fez com que as obras de dragagem do Canal do Fundão, ainda em execução pela Secretaria do Ambiente, ficassem R$ 12 milhões mais caras, como enfatizou a presidente do Inea, Marilene Ramos. O $, inevitavelmente, criará áreas de exclusão de pesca, reconheceu Ana Cristina:
— Temos que colocar esses sedimentos em algum lugar. Estamos estudando um ponto que atrapalhe o mínimo a atividade pesqueira, mas que também garanta que o material vai chegar $á. Se definirmos um local de descarte muito distante, ele não vai ser respeitado pelas empresas. Só se colocássemos fiscais ao longo de todo o percurso, o que é inviável.
Desde a manifestação do MP, o Inea interrompeu a liberação de novas licenças. Muitas empresas do setor náutico já manifestaram interesse em dragar as áreas portuárias onde trabalham. A promotoria questiona ainda a continuidade do despejo de sedimentos no ponto D, que deveria ser apenas emergencial, enquanto o Inea definisse um novo local para descarte. De acordo com a presidente do Inea, o recurso para que o INPH realize estudos já foi aprovado.
— Temos que aguardar os estudos técnicos. Também estamos estudando a possibilidade de as empresas interessadas em realizar dragagens assinarem um termo de cooperação técnica para haver sinergia nos estudos ambientais — disse Marilene.
Enquanto isso, diariamente, toneladas de sedimentos são despejados no ponto D. Marcos Freitas, da Coppe/UFRJ, acompanhou descartes realizados entre fevereiro de 2010 e setembro de 2011 pela Secretaria Especial de Portos. No período, foram lançados, no ponto C, 4 milhões de metros cúbicos de sedimentos. Para o especialista, não há razão para preocupação, já que o material tóxico vem sendo separado, isolado em recipientes e usado em aterros. O fundo da baía apresenta grande concentração de metais pesados.
— Para as Cagarras, acredito ser muito mais prejudicial o despejo de esgoto pelo emissário submarino. Nossas análises mostraram que o material dragado sedimentou no fundo do oceano, formando um monte de um metro de altura. Ali, o mar tem 34 metros de profundidade. Encontramos sedimentos em regiões a, no máximo, cinco quilômetros do ponto de bota-fora, e com menos de dez centímetros de altura — afirmou Freitas.
Para os pescadores, é inquestionável a degradação ambiental proveniente do despejo. Otto Sobral, da colônia de pescadores Z-8 (Itaipu), pratica mergulhos na região e diz que a água em grande parte do entorno se tornou turva. Além disso, sítios de pesca foram destruídos. Segundo ele, um parcel (formação rochosa que atrai muitos peixes por causa da existência de algas e corais) foi soterrado.
— Existe uma gruta embaixo da Ilha Redonda que tinha água cristalina. Hoje, a água é completamente turva, não se enxerga mais nada. A renovação do pescado já não ocorre mais.
Redes saem do mar com lama, dizem pescadores
José Manoel Rebouças, vice-presidente da colônia de pescadores Z-13 (de Copacabana ao Recreio), contou que as redes saem de dentro d'água com muito lixo e, por vezes, com uma lama preta e grudenta.
— Esfregamos as redes na areia, mas essa lama não sai. O plástico que passou a vir nas redes também é diferente daquele que vem da terra. Ele parece velho, gasto. Além disso, encontramos pedaços de televisões, computadores, itens muito pesados para terem sido levados até tão longe pela correnteza. Temos certeza de que esses materiais estão sendo trazidos junto com os sedimentos.
O Instituto Chico Mentes (ICMBio) vem acompanhando as denúncias de degradação ambiental por causa do despejo do material dragado e também procura colaborar com o trabalho do MP, segundo informou a chefe do Monumento Natural Ilhas Cagarras, Fabiana Bicudo:
— Como a licença ambiental para estes empreendimentos foi emitida anteriormente à criação do monumento, em 2010, o correto seria a realização de um licenciamento corretivo. Assim, o ICMBio poderia solicitar estudos técnicos que avaliassem a granulometria e dispersão destes sedimentos nas atuais áreas de descarte e analisar locais mais adequados. O empreendedor também ficaria responsável por um programa de monitoramento.
Biólogo da Unirio, Carlos Augusto Figueiredo explica que o ideal seria despejar o lodo num fundo de areia, nunca sobre um parcel, para alterar o mínimo o ecossistema. Já Fernando de Moraes, Biólogo Marinho da UFRJ, concorda que deveriam ter sido feitos mais estudos em relação ao fundo dos pontos de descarte.
Fonte: O Globo, Rio, 22 de janeiro de 2012
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