sexta-feira, 19 de janeiro de 2018

Na Amazônia, floresta paga o preço pela crise vivida pelo país



Estrada e desmatamento próximo ao Rio Madeira, Rondônia. Foto de Axel Grael. (Fonte)

Imagem da NASA mostra desmatamento ao longo de estradas na Amazônia brasileira.



Abílio Ikeziri viu a fumaça que subia da cidade amazônica de Humaitá (AM) antes de dar-se conta da multidão furiosa. Garimpeiros ilegais estavam queimando o escritório local do Ibama em retaliação à destruição dos botes que usavam para dragar os rios da região em busca de ouro.

Ikeziri, funcionário do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMbio), órgão responsável pelos parques nacionais no país, achou que seu escritório poderia ser o próximo a arder em chamas e deu a ordem para que fosse evacuado no momento em que o bando apontava na esquina. “Um homem começou a bater em nosso carro, então puxei minha arma”, diz Ikeziri. O atacante recuou, e Ikeziri conseguiu escapar em segurança, mas não antes de os garimpeiros incendiarem também seu escritório.

O ataque ocorreu em outubro. Semanas depois os danos ainda estão claramente visíveis. As instalações do Ibama e do ICMBio são apenas estruturas escurecidas pelo fogo. Os veículos, não passam de destroços carbonizados.

Cercada por reservas florestais e próxima à ligação entre duas rodovias, Humaitá é um portão de entrada para o Amazonas. Até agora, o chamado “arco do desmatamento”, uma frente que se estende pelo limite sul da Amazônia, do litoral até a Bolívia, e corta o maior país pela metade, poupou boa parte do Estado.

Agora, no entanto, em razão das incertezas políticas depois do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, em 2016, e com o Brasil diante de suas eleições mais imprevisíveis em décadas, a floresta amazônica se torna mais vulnerável.


"...com o Brasil diante de suas eleições mais imprevisíveis em décadas, a floresta amazônica se torna mais vulnerável".


Até 95% do desmatamento na região é ilegal, impulsionado por garimpeiros, pecuaristas e pequenas propriedades rurais irregulares, bem como pelas novas áreas de incursão abertas por projetos de infraestrutura como estradas e represas. Cerca de 80% das áreas desmatadas tornam-se pastos, de acordo com as autoridades ambientais. Embora o desmatamento no Brasil continue muito menor que no pico registrado em 2004, quando uma área maior do que a Macedônia foi dizimada, a área atingida vem aumentando de 2012 para cá.

“O arco do desmatamento é uma zona de guerra. Piorou nos últimos dez anos e vai continuar piorando”, diz Áquilas Mascarenhas, fiscal do ICMBio e chefe da Floresta Nacional de Jamari, em Rondônia.

Críticos sustentam que as incertezas fortaleceram elementos conservadores no Congresso, em particular os ruralistas – políticos que representam os interesses dos produtores rurais em tempos nos quais o desejo insaciável da China por comida torna o Brasil uma potência agrícola cada vez mais forte. Isso quer dizer que a eleição geral de outubro não é importante apenas para o futuro do Brasil, mas também para o da maior floresta tropical do mundo, um dos principais baluartes contra as mudanças climáticas na Terra, de acordo com os ativistas. O mundo vai observar de perto a eleição, particularmente depois que 2017 entrou para a história do clima como o segundo ano mais quente já registrado, quando partes do gelo ártico diminuíram para suas menores áreas históricas, furacões rasgaram o Caribe e incêndios assolaram a Califórnia.





“Os atores [ilegais] na Amazônia praticamente conseguem sentir a fragilidade e aproveitam ao máximo esses momentos, o que resulta em surtos repentinos de desflorestamento”, diz Saulo Rodrigues Filho, da Universidade de Brasília (UnB), autor de um estudo no qual concluiu que incertezas políticas tendem a aumentar o desmatamento. Os anos de 2018 e 2019 vão ser anos perigosos para a Amazônia, diz.

Até 2012, o Brasil parecia encaminhado a cumprir tanto seu compromisso internacional contra as mudanças climáticas, de acabar com o desmatamento ilegal até 2030, quanto sua meta nacional, de reduzir o desmatamento a menos de 3,9 mil quilômetros quadrados por ano até 2020.

Entre 2004 e 2012, graças a árduos esforços de fiscalização, o país diminuiu o índice de desmatamento em 83%, para 4,571 mil quilômetros quadrados, segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Depois de 2012, o corte da floresta voltou a subir e chegou a 7,9 mil quilômetros quadrados entre agosto de 2015 e julho de 2016. Em 2017, caiu 16%, sob influência da recessão econômica e de uma ofensiva do Ibama, mas ainda continua alto em relação a 2012.

“Não há motivo para crer que em três anos o Brasil vai conseguir reduzir o desflorestamento de algo entre mais de 6 mil e 8 mil quilômetros quadrados para 3,9 mil quilômetros quadrados”, diz o cientista especializado em clima Carlos Nobre. “O desafio vai ser ainda maior para 2030, a menos que haja uma clara mudança na política ambiental, e isso só vai ficar claro quando soubermos quem vai ser eleito em 2018.”

As primeiras pesquisas mostram que os dois candidatos na liderança são o político de ultradireita Jair Bolsonaro e o ex-presidente esquerdista Luiz Inácio Lula da Silva, que pode pegar quase dez anos de prisão, caso a Justiça recuse a apelação de sua defesa contra uma condenação por corrupção. Analistas esperam que outros candidatos se destaquem. Seja quem for o vencedor, provavelmente vai se deparar com um Congresso fragmentado, no qual frentes conservadoras exercem influência desproporcional, especialmente diante do declínio relativo do Partido dos Trabalhadores, de Lula.

Entre essas forças estão a bancada ruralista, composta por 228 parlamentares, que domina 44% da Câmara e mais de 25% do Senado. Combinadas, as duas outras bancadas conservadoras multipartidárias (a chamada bancada da bala, favorável a um maior rigor na segurança pública, de 299 parlamentares, e a evangélica, de 199), com as quais forma o bloco conhecido como “boi, bala e bíblia”, tem uma força admirável no Congresso.

“A frente [rural] é poderosa”, diz Confúcio Aires Moura, governador de Rondônia, que já foi parlamentar da bancada ruralista. “Argumentar com a frente parlamentar agrícola é perder tempo.”

No Congresso, o setor rural tem influência bem além de seu peso em uma sociedade que é 86% urbana. O motivo é simples. A agricultura é a estrela da economia brasileira. O agronegócio, que nos anos 70 era importador líquido de grãos, hoje contribui para 42% das exportações, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

No terceiro trimestre de 2017, o agronegócio teve expansão de 9,1% em comparação ao mesmo período do ano anterior, o que ajudou o Brasil a se recuperar de sua pior recessão na história. Atualmente, o país é o maior produtor de açúcar, suco de laranja, frango e café, além de estar entre os primeiros em soja e carne bovina, entre outras commodities.

“O Brasil tem potencial para ser a China da agricultura”, diz Luis Antonio Franciscatto Covatti, deputado ruralista pelo Rio Grande do Sul, em uma analogia com o domínio chinês na área industrial.


"Núcleo conservador formado pelas bancadas ruralista, evangélica e da bala domina o Congresso"

A ascensão dos ruralistas não passou despercebida pelo presidente Michel Temer. Acusado de corrupção em maio de 2017, Temer sobreviveu, em parte com a ajuda dos ruralistas, a duas votações no Congresso para decidir se deveria ir a julgamento. Críticos dizem que, em troca, ele aprovou ou tentou aprovar uma série de leis nos últimos 18 meses que, segundo ativistas, favorecem agricultores e mineradores – e que levam ao desmatamento.

Uma das mais controversas é a MP 759, que permite a ocupantes irregulares de terras do governo obter títulos de propriedade com desconto. Promotores a apelidaram de “lei da grilagem” e dizem que vai encorajar mais invasões de terras públicas na Amazônia. O governo sustenta que a lei ajuda a defender trabalhadores sem-terra de poucos recursos.

Temer também tentou reduzir a dimensão das áreas de proteção e facilitar o processo de concessão de licenças ambientais, além de propostas para enfraquecer o direito dos índios e abrir territórios indígenas para a mineração e o agronegócio, segundo o Zero Deforestation Working Group, que inclui entidades como o World Wide Fund for Nature, o Greenpeace e a Nature Conservancy. O Brasil tem 10 milhões de hectares de terra abandonada que poderiam ser usados para produção agrícola, sem necessidade de mais desmatamento, segundo o grupo.

“Estamos sofrendo muita pressão dos ruralistas”, diz uma alta autoridade do Ministério do Meio Ambiente. “Estamos vivendo uma ditadura parlamentar.”

Temer não consegui tudo o que queria. Diante da mobilização generalizada da população e grupos conservacionistas, ele se viu obrigado a recuar na tentativa de alterar os limites da reserva florestal de Jamanxim (PA).

Em sua defesa, o governo destaca a queda no desmatamento em 2017. Funcionários do Ibama e do Ministério do Meio Ambiente reconhecem os esforços do ministro, José Sarney Filho, para trabalhar nos bastidores contra as medidas defendidas p elo Congresso. “A melhor forma para podermos alcançar nossos objetivos é conseguir conscientizar as pessoas de que a floresta vale mais em pé do que derrubada”, diz Sarney Filho.

Os ruralistas, por sua vez, dizem ser contra o desmatamento ilegal e que os críticos são ambientalistas de sofá. “Muitas pessoas se dizem ambientalistas, mas moram em apartamentos, com televisores e internet”, diz Nilson Leitão, líder da bancada, que quer abrir as reservas indígenas à agricultura e mineração. Quem preserva as nascentes de rios, a floresta […] é o produtor”, acrescenta.

De volta à Amazônia, a luta contra os crimes ambientais continua. Iram Mendes, do ICMBio, salta do carro, com a arma em mãos, acompanhado de cinco policiais de operações especiais de elite, equipados com armas automáticas.
“Estamos vivendo uma ditadura parlamentar”, afirma um funcionário do Ministério do Meio Ambiente"

O alvo é uma mina de cassiterita suspeita de ser ilegal no limite da Floresta Nacional do Jamari, em Rondônia. A mina, de aspecto provisório, com lonas esticadas, criou um imenso lamaçal e devastou um córrego perto do parque. O supervisor da mina mostra a Mendes uma licença ambiental, mas uma leitura de GPS indica que a mina deveria estar a 2 quilômetros dali. “Envie-me toda a documentação”, diz Mendes ao supervisor, ameaçando abrir uma investigação.

Apesar da demonstração de força, agentes de preservação na linha de frente como Mendes têm uma postura pessimista e reclamam da falta de recursos. Em Rondônia e nos Estados próximos, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) conta apenas com apenas 30 fiscais para cobrir 4 milhões de hectares de parques. Um estudo sobre o Ibama feito pela Controladoria-Geral da União mostrou que entre 2010 e 2016, o número de agentes de campo do órgão caiu 26%, para 965.

Os criminosos, por outro lado, são altamente organizados, bem armados e motivados, especialmente os lenhadores ilegais.

“Temos vários políticos que são financiados pelo setor madeireiro, isso é um fato”, diz Daniel Azevedo Lôbo, procurador público, em Rondônia. Ele diz que o Brasil precisa de uma Lava-Jato do ambiente, referindo-se à investigação da corrupção política que sacudiu o país nos últimos quatro anos.

Promotores e autoridades também reclamam que mesmo quando as agências federais fiscalizam, os governos locais e estaduais frequentemente intervêm para ajudar os criminosos.

Depois do incidente em Humaitá, o governo do Amazonas concedeu licenças de operação a alguns dos garimpeiros envolvidos, em uma tentativa de legalizar suas atividades, sob o argumento de que a cidade depende da mineração. Promotores federais estão indiciando os garimpeiros e conseguiram uma medida judicial contra a concessão dessas licenças.

Pesquisas de opinião pública indicam que a maioria dos brasileiros apoia os esforços de conservação. A maior parte dos agentes na linha de frente, entretanto, diz que se a eleição não colocar em cena políticos dispostos a assumir uma linha mais dura contra o desmatamento, o futuro vai ser sombrio no longo prazo.

“Enquanto houver floresta, as pessoas não vão parar de derrubá-la”, diz Auro Neubauer, chefe da divisão técnica do Ibama, que estava no escritório em Humaitá, quando o prédio foi incendiado. Ele escapou com um guarda de segurança, que disparou tiros para o ar. “Hoje, a política [de conservação] é como tentar secar gelo com uma toalha. Estamos apenas retardando o processo. Vai continuar derretendo até não sobrar nada.”

Por: Joe Leahy e Andres Schipani
Fonte original: Valor Econômico

Fonte: Portal Amazônia



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LEIA MATÉRIA ORIGINAL DO FINANCIAL TIMES: Brazil: Rainforest pays the price for the country’s crisis


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