Local do vazaento da Chevron, no Campo de Frade. Fonte: O Globo. |
O Brasil não está preparado para evitar ou conter vazamentos de petróleo: o investimento em tecnologia preventiva é exíguo e o Plano Nacional de Contingência, embora previsto em lei, nunca saiu do papel. Para especialistas, o derrame de óleo da americana Chevron deve servir como alerta para corrigir o despreparo, tanto de empresas como dos órgãos de controle, visando aos desafios do pré-sal.
— Governo e empresas têm dado ênfase na pesquisa de prospecção de petróleo e pouco se tem avançado no desenvolvimento de tecnologia preventiva. Precisamos de robôs, sensores e outros equipamentos que consigam identificar vazamentos com precisão, de modo a permitir uma rápida reposta — diz o historiador ambiental Aristides Soffiati, do núcleo de estudos socioambientais da UFF de Campos.
É preciso criar um comitê independente de diagnóstico
O vazamento da Chevron no campo do Frade, na Bacia de Campos, é um exemplo desse despreparo. Segundo fontes ouvidas pelo GLOBO que acompanham a investigação, o robô da empresa tinha capacidade limitada de atuação a uma profundidade de 1.200 metros. Por isso, ela teve de recorrer à Petrobras, sócia minoritária do Frade e operadora de um campo vizinho, para identificar a fonte do vazamento com precisão. Foi a estatal que emprestou à petrolífera americana equipamentos mais modernos para que ela pudesse pôr em prática seu plano de contenção.
O desencontro de informações sobre a extensão do vazamento — a Agência Nacional do Petróleo chegou a estimar que o derrame era cinco vezes maior que o divulgado pela Chevron — é outro indício de despreparo. Para Segen Estefen, diretor de tecnologia e inovação da Coppe/UFRJ, os órgãos reguladores devem ter um comitê independente de diagnóstico, para não depender dos números fornecidos pela empresa responsável pelo acidente.
— Não é preciso que a ANP ou o Ibama tenham os equipamentos de monitoramento. Mas eles devem eleger previamente uma empresa independente capaz de fazer o diagnóstico e acioná-la nesses casos — afirma Estefen.
Os especialistas esperam que o acidente da Chevron seja um divisor de águas para se avançar na regulação, num momento em que, com o pré-sal, o país caminha para a exploração em águas cada vez mais profundas. Eles lembram que a legislação brasileira de controle de poluição por óleo existente só foi desenhada a partir de um dos piores acidentes já registrados no Rio: o derrame de mais de um milhão de litros de petróleo na Baía de Guanabara, após o rompimento de um oleoduto da Petrobras, em 2000.
Desde então, houve alguns avanços, reconhece a procuradora federal Telma Malheiros, que implementou e chefiou por quatro anos a coordenação de óleo e gás do Ibama, responsável pelo licenciamento ambiental no setor. Um deles é a exigência de um Plano Emergencial Individual (PEI) — desenvolvido pela concessionária para cada unidade ou instalação — entre os pré-requisitos para obtenção da licença. O Plano Nacional de Contingência e a avaliação ambiental estratégica, no entanto, ficaram apenas no papel.
Pressão de empresas emperra fiscalização
O plano nacional, explica Telma, é um planejamento detalhado da atuação de cada um dos órgãos que devem ser envolvidos em caso de vazamento de óleo. Cabe à Marinha, por exemplo, interditar o tráfego de embarcações nos arredores do local do acidente. À ANP cabe o acompanhamento operacional da contenção. Os ministérios da Pesca e do Turismo, bem como o Ibama, também devem ter suas atuações detalhadas, pois o derrame pode comprometer a atividade pesqueira e turística. Um grupo de trabalho chegou a ser montado em 2010, após o mega-acidente da BP no Golfo do México, mas a inércia das autoridades impediu que ele fosse à frente.
Já a avaliação ambiental estratégica é o mapeamento das áreas segundo sua vulnerabilidade. Por meio dela, definem-se as áreas de exclusão e aquelas onde o controle deve ser mais rígido, devido à sensibilidade dos ecossistemas. Telma recorda que, recentemente, o Ibama indeferiu o licenciamento para exploração de petróleo em Abrolhos, requisitado pela Fairfield, e para exploração na Bacia de Camamu-Almada (BA), pedido pela americana El Paso. No primeiro caso por causa da importância ambiental do ecossistema. No segundo caso, por causa da relevância turística da região.
— Essas áreas não deveriam sequer terem sido licitadas pela ANP — diz Telma.
O biofísico José Luiz Bacelar Leão, que era consultor do Ibama na época em que a instituição estava desenhando o atual marco regulatório, frisa que as leis e decretos não saíram do papel "por falta de vontade política" e por pressão das empresas.
— Investir em emergência é sempre uma despesa a mais. É tradição no nosso país evitar esse tipo de desembolso, e a ANP acaba trabalhando em prol das empresas.
Fonte: O Globo
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