Voluntários atuam para conter o incêndio na Chapada dos Veadeiros, em Goiás: falta de agentes e de recursos dificultam fiscalização no país - Eraldo Peres / AP |
por Jussara Soares e Luiza Souto
Orçamento para áreas de conservação deve ser 52% menor no ano que vem.
SÃO PAULO — O incêndio na Chapada dos Veadeiros, em Goiás, e os ataques às sedes de órgãos ambientais federais em Humaitá, no Amazonas, expõem a fragilidade da segurança e fiscalização nas unidades de conservação no país. Nos 324 parques, florestas e reservas administrados pelo Instituto Chico Mendes (ICMBio), há 1.679 agentes para vistoriar 794 mil quilômetros quadrados, ou 10% do território nacional. É como se cada servidor tivesse que tomar conta, sozinho, de uma área de 470 quilômetros quadrados, aproximadamente o tamanho de Florianópolis, em Santa Catarina, ou Belo Horizonte, em Minas Gerais.
A situação pode ficar ainda pior, já que o orçamento previsto para o órgão no ano que vem representa menos da metade do dinheiro reservado para este ano. Enquanto em 2017 o orçamento previa R$ 1,3 bilhão, em 2018 serão R$ 589 milhões. A verba é utilizada para pagar combustível, equipamentos e contratar guarda armada para as unidades. Por falta de verba, escritórios de unidades de conservação no norte do país têm perdido a vigilância armada e contratado porteiros.
Mesmo áreas que já tiveram queimadas não recebem reforço de pessoal. Levantamento feito pelo GLOBO em 20 parques nacionais atingidos por incêndio nos últimos 12 meses revela que nenhum deles recebeu investimento para aumentar o número de funcionários responsáveis por gestão e fiscalização. Três desses locais continuam sem nenhum profissional para cuidar de seus territórios, como o Parque Nacional dos Campos Ferruginosos, que teve 10% de sua área de 79 mil hectares devastados em setembro.
O Sistema de Parques Nacionais dos Estados Unidos, considerado modelo de gestão ambiental, em comparação, tem 22 mil profissionais para uma área de 340 mil quilômetros quadrados. Embora a área de conservação dos Estados Unidos seja quase a metade da brasileira, o número de funcionários é 13 vezes maior. Lá, há um servidor para cada 15 quilômetros quadrados.
Além do déficit de funcionários, os parques também reclamam do número insuficiente de viaturas e da falta de verbas para programas de educação ambiental, vistos como fundamentais para melhorar o relacionamento com a comunidade. Segundo o próprio ICM-Bio, 90% das queimadas são causadas por ação humana, algumas vezes provocadas por latifundiários, madeireiros e garimpeiros.
— O incêndio não é só resultado de causa natural, é falta também de agentes para trabalhar na prevenção, já que boa parte dessas queimadas tem como origem ações intencionais — diz Nicélio Acácio da Silva, presidente da Ascema, entidade que reúne profissionais do Instituto Chico Mendes (ICM-Bio) e do Ibama.
APENAS DOIS FUNCIONÁRIOS
Segundo ele, o número atual de funcionários é suficiente apenas para o país não sofrer um “colapso” ambiental.
Mais de metade das unidades de conservação, segundo a associação, tem dois ou menos funcionários, que se desdobram para dar conta do atendimento ao público, trabalho administrativo, educação ambiental e fiscalização. As unidades contam ainda com 1.352 colaboradores temporários, que atuam em funções como serviços gerais, vigilância e atendimento ao turista, mas não ocupam posições estratégicas, como gestão e fiscalização.
Para Ângela Kuczach, diretora executiva da ONG Rede Nacional Pró Unidades de Conservação, o Brasil ainda não conhece a importância das áreas protegidas.
— Muitas vezes as áreas de proteção são vistas como entrave para o interesse de quem vive no entorno — disse Ângela. — Ao deixarmos de investir (nas áreas de conservação), deixamos de ganhar com benefícios que elas nos trazem.
O ICM-Bio diz que tem 1.179 cargos vagos e tem pedido ao Ministério do Planejamento a realização de concurso público. O instituto informou que o número de áreas atingidas pelos incêndios em todo o país caiu quase 7% em relação ao ano passado. A diminuição, segundo órgão, no entanto, se deve à implantação de 2,4 mil quilômetros de aceiros, faixas aberta no meio da mata para evitar que o fogo se alastre.
SEM SEGURANÇA
Unidades de conservação em áreas de conflito de terra ou longe de centros urbanos ficam com poucos ou nenhum funcionário pela falta de incentivo financeiro, estrutura e segurança, dizem agentes do ICM-Bio ouvidos pelo GLOBO.
— Em áreas da Amazônia, mais isoladas, com ação dos madeireiros, há ameaça à integridade física do trabalhadores — afirma Andrei Cardoso, do ICM-Bio no Pará.
O Parque Nacional do Mapinguari, em Rondônia, por exemplo, tem quatro pessoas para 17 mil quilômetros quadrados. Já o Parque Nacional de Brasília, com 420 mil quilômetros quadrados, tem 27.
Quando há grandes operações, há reforço da Polícia Federal. Depois, porém, os agentes dizem que ficam sozinhos.
— Ficamos visados por quem se considera dono das terras. A cidade é pequena. Nossos filhos estudam junto com o filho do garimpeiro e do latifundiário — diz Willian Fernandes, também do Pará
Fonte: O Globo
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