sábado, 28 de junho de 2025

RELATO SOBRE A SB62 (PRE-COP30), REALIZADA EM BONN, NA ALEMANHA

Uma das salas de negociações da SB62. Fonte: Iclei

Plenário principal da SB62. Foto Axel Grael.


Estive recentemente na Alemanha, participando da Conferência de Bonn - SB62 (62ª Sessão dos Órgãos Subsidiários da UNFCCC), que aconteceu de 16 a 26 de junho na antiga capital alemã. 

As Conferências SB acontecem ordinariamente, a cada ano, sempre no mês de junho, promovidas pelos principais órgãos subsidiários da UNFCCC: o Órgão Subsidiário de Implementação - SBI, responsável pela implementação prática das decisões da Convenção, do Protocolo de Quioto e do Acordo de Paris, e o Órgão Subsidiário de Assessoramento Científico e Tecnológico - SBSTA. Estes eventos são momentos preparatórios para as respectivas COPs e são realizados em Bonn, pois a cidade sedia vários órgãos da ONU, dentre eles a UN Climate Change, o secretariado que apoia a Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima - UNFCCC (as siglas acabam sendo sempre usadas em inglês). 

No caso da SB62, o interesse foi ainda maior pois é considerada uma "pré-COP30" - a próxima conferência das partes, que se realizará em Belém, Pará, em novembro de 2025. Há uma especial expectativa em torno da COP30, pois poderá destravar a agenda climática, com a apresentação das novas NDCs, que renovarão os compromissos dos países, firmados há 10 anos em Paris, mas não cumpridos. Com as novas NDCs, espera-se obter, enfim, a aceleração das medidas de implementação. Portanto, a COP30 poderá ser um marco importante da agenda climática, como foram o Protocolo de Quioto e o Acordo de Paris. 

Participei das agendas da primeira semana do evento, como Consultor Estratégico de Sustentabilidade e Clima, da Prefeitura de Niterói, e como membro do Comitê Executivo Global (GExCom), onde sou responsável pelo Portfólio de Mudanças Climáticas, e Comitê Regional da América do Sul (RExCom) do ICLEI - Governos Locais pela Sustentabilidade. O ICLEI reúne mais de 2.500 cidades e governos locais no mundo, atuando em mais de 125 países.

O ICLEI, que também tem sede em Bonn, organizou mais uma vez o evento Daring Cities, reunindo cidades e governos locais para fortalecer o protagonismo dos governos subnacionais na agenda climática.

Foto: Felipe Werneck/OC

Dificuldades e avanços

Na etapa de preparação para a COP30, as prioridades do Brasil em Bonn eram: (1) produzir textos viáveis diplomaticamente para aprovação em Belém sobre transição justa, (2) adaptação e (3) o chamado Global Stocktake - GST, o Balanço Global. Trata-se de uma forma de estimular o aumento da ambição dos países nas suas metas nacionais, as NDCs. "É ele que trata, por exemplo, da eliminação gradual dos combustíveis fósseis (tema hoje maldito nas negociações) e no fim do desmatamento até 2030" (Observatório do Clima).

Por sua vez, o grande objetivo da SB62 era resolver pendências importantes da COP29, em Baku (Azerbaijão), principalmente relacionadas ao financiamento das ações de adaptação e mitigação climáticas, além de aprovar documentos que encaminhem decisões na COP30, em Belém. 

Embaixador Corrêa do Lago e Ana Toni. Foto: Rafa Neddermeyer/COP30 Brasil Amazônia/PR

O embaixador André Corrêa do Lago e a economista e cientista política Ana Toni, respectivamente, presidente e a diretora executiva da COP30, tiveram uma atuação determinante para a superação dos impasses e garantia de resultados que encaminhem decisões para o evento em Belém. Os dois líderes brasileiros enfatizaram a todo momento a necessidade de enfatizar a implementação das ações: Ana Toni repetia o seu mantra: "Implementar, implementar, implementar!" Também causou muito impacto o chamamento para a utilização do conceito expresso na tradicional expressão brasileira: "mutirão". Precisamos de um mutirão mundial contra as mudanças climáticas! O termo caiu no gosto dos negociadores e participantes dos debates.

Com o intuito de mobilizar as ações necessárias para o sucesso da COP30, a Presidência publicou quatro cartas à comunidade internacional. Leia os conteúdos das cartas do embaixador Corrêa do Lago:

Primeira Carta da Presidência (10 de março de 2025)
Segunda Carta da Presidência (8 de maio de 2025)
Terceira Carta da Presidência (23 de maio de 2025)
Quarta Carta da Presidência (20 de junho de 2025)

Para que se entenda o nível de dificuldades, os dois primeiros dias da conferência foram perdidos numa longa discussão sobre a agenda do trabalhos, o que postergou o início dos debates em pelo menos dois dias! Tal fato aconteceu motivado pela ação de um grupo de países, coordenados pela Arábia Saudita, Bolívia, China e Índia, que tentaram forçar a rediscussão do financiamento climático, considerando que o resultado de Baku (cujo objetivo era justamente definir as responsabilidades e metas financeiras) foi considerado frustrante. A COP29 aprovou a chamada NCQG (New Collective Quantified Goal for Climate Finance) que definiu a meta de financiamento em US$ 300 bilhões/ano em 2035, o que triplicou a meta então vigente, que era de US$ 100 bilhões anuais, mas decepcionou os países em desenvolvimento e a sociedade civil que lutou pela meta de US$ 1,3 trilhão.

O Brasil tem evitado a inclusão de qualquer novo tema na agenda da COP30 para não desviar o foco dos seus temas que já são muito desafiantes, enquanto os países ricos, que segundo o Acordo de Paris deverão tomar a iniciativa de aportar a maior parte dos recursos - sempre resistiram contra o tema. Por isso, os países desenvolvidos trabalharam contra a demanda, enquanto o grupo de países que retornaram o assunto na SB62, passaram a ser chamados nos bastidores, de forma pejorativa, de "like-minded developing countries” - LMDC (um trocadilho: "países em desenvolvimento com ideias semelhantes" x "países em desenvolvimento em busca de 'likes'"). 

Segundo o relato do Observatório do Clima ("Brasil evita fracasso em Bonn"), "a Bolívia propôs um novo item de agenda para discutir o artigo 9.1 do Acordo de Paris (que fala sobre essa responsabilidade) e outro para debater o que os países em desenvolvimento chamam de “medidas unilaterais” de comércio (como a taxa de ajuste de fronteira de carbono da Europa)". A Europa não reconheceu essa argumentação. Chegou-se, enfim, a um acordo: "Em troca, as “medidas unilaterais” e as discussões do 9.1 foram encaminhadas na forma de um rodapé na agenda e mais consultas ficaram de ser feitas daqui até a COP30 sobre os dois assuntos".

Delegação do ICLEI na SB62, em Bonn.

Os países do LMDC e a coalizão de países árabes foram contra qualquer tipo de imposição de métricas obrigatórias que pudessem implicar novos encargos legais. O grupo LMDC defende o princípio das responsabilidades comuns, porém diferenciadas, e pressiona para que os países desenvolvidos arquem com a maior parte das ações de mitigação e do financiamento climático. Em contraste, pequenos Estados insulares (AOSIS), países latino-americanos e desenvolvidos defenderam a inclusão de metas mais ambiciosas com parâmetros mensuráveis. (Pedro Côrtes/CNN Brasil). Neste tema, o documento segue para Belém com duas versões para futura decisão em novembro.

Quanto à Transição Justa, temática fortemente defendida pela sociedade civil, foi construído um texto promissor para Belém, uma vez superada um conflito com a Bolívia, que tentou incluir na última hora um texto que admitia que os países em desenvolvimento pudessem aumentar o seu consumo de combustíveis fósseis.

O tema da Adaptação foi um dos últimos a obter um acordo. O Observatório do Clima descreveu o processo da seguinte forma:

"Na quinta-feira, dia 26, final da conferência, as negociações travaram por conta do terceiro elemento prioritário para o Brasil: adaptação. A COP30 é o lugar onde precisam ser adotados os indicadores para a Meta Global de Adaptação negociada em Dubai em 2023. Uma série de outras decisões relacionadas à adaptação já haviam sido adotadas em Bonn, mas o texto sobre os indicadores – uma série de recomendações a serem enviadas aos especialistas encarregados de fechar a lista – travou na barreira de sempre: dinheiro. Quais são os critérios corretos de meios de implementação (ou seja, financiamento) para avaliar as medidas de adaptação? Recursos domésticos e ajuda ao desenvolvimento podem ser computados como dinheiro para adaptação? Os países ricos tentaram manobrar para, também aqui, livrar-se de responsabilidade. O Grupo Sur, integrado por Brasil, Paraguai, Uruguai e Equador, contra-atacou com propostas em nome de todo o G77, o grupo de 130 nações em desenvolvimento, enquanto a presidência brasileira manobrava nos bastidores para destravar o tema".

Participantes do evento Daring Cities, organizado pelo ICLEI. Arquivo ICLEI.

Daring Cities: cidades e mudanças climáticas

Vimos com motivação o avanço da mobilização e do protagonismo dos governos subnacionais. O evento Daring Cities e outros momentos na agenda para o debate sobre cidades e clima foram muito proveitosos. Em vários momentos, a nossa agenda foi prestigiada pela presença do Presidência da COP30 e outros representantes do governo federal brasileiro. Tive a oportunidade de fazer a fala de encerramento do Daring Cities e resumir os temas e conclusões das diversas mesas.

Veja mais aqui no relato do evento no site do ICLEI.

Axel Grael

Engenheiro florestal
Prefeito de Niterói (2021-2024)
Membro do Conselho Executivo Global do ICLEI
Consultor Estratégico para Sustentabilidade e Clima
Doutorando em Arquitetura e Urbanismo (PPGAU/UFF)


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