O jornalismo, o esporte e o Rio de Janeiro perderam o Rogério Daflon. Nos deixou muito cedo, vítima de um atropelamento. Uma perda lamentável. Eu e meus familiares somos muito gratos a ele por ter escrito a obra "Bons Ventos - A trajetória vencedora da família Schmidt Grael", que produziu com muita competência, dedicação, paciência e carinho pela trajetória da minha família.
Lembro de boas conversas com Rogério sobre esporte, meio ambiente, política. Era uma figura interessante: conseguia se indignar com o que estava errado, mas sem perder a forma cândida de ser.
Obrigado por tudo, amigo. Com certeza você vai encontrar as melhores pautas lá em cima.
Axel Grael
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Rogério Daflon foi repórter de esportes, política, arquitetura, urbanismo e meio ambiente Foto: Reprodução |
Repórter teve carreira pautada pela ética, pelo jornalismo crítico e pela gentileza nas palavras e nas ações
RIO - A primeira palavra que vem à cabeça de qualquer pessoa que tenha convivido ou trabalhado com o jornalista Rogério Daflon é gentileza. Uma característica que marcou a vida e a obra deste carioca que conseguiu reunir em uma só profissão tantas paixões: foi repórter de esportes, política, arquitetura, urbanismo e meio ambiente.
Dono de um estilo afiado, divertido e sempre contestador, Daflon começou a carreira na antiga TVE. De lá, percorreu grandes redações, como as revistas "Placar", "Época", "Veja-Rio" e "Isto é" e os jornais O GLOBO, "O Dia" e "Jornal do Brasil". Especialista e mestre em planejamento urbano pelo Ippur/UFRJ, venceu a 1ª edição do Prêmio ISWA em Florença com a série de reportagens "Desleixo sustentável", do GLOBO, que fez ao lado de Emanuel Alencar sobre a gestão do lixo no Rio de Janeiro .
— Era uma figura única, uma pessoa extremamente ética, contundente, mas doce. Uma pessoa indignada diante de injustiças sociais. Um grande amigo, excelente jornalista, um cara que me ensinou a ter uma visão mais ampla da questão ambiental. A gente tinha planos de dar aulas conjuntas, unindo a questão ambiental à urbana, que ele conhecia com profundidade — lembra Emanuel Alencar.
Um dos grandes amigos e parceiros de trabalho, o jornalista Tulio Brandão destacou a pessoa idealista, que se mantinha firme em suas convicções:
— Dafla era um amigo, antes de tudo. Um amigo daqueles plenos, que são capazes de transformar, com elegância, aqueles com quem ele convivia. Era um cara doce e sereno. Era, ao mesmo tempo, um jornalista de posições firmes. Manteve-se firme em todo o caminho, em todas as redações por onde passou. Algumas vezes pagou pela firmeza, mas nunca se arrependeu. Era um exemplo para todos nós.
Uma de suas grandes contribuições, com suas reportagens, foi estimular a discussão sobre a cidade:
— Ele era irremediavelmente apaixonado por cidades, e, em especial, pelo Rio. Tive o privilégio de estar com ele em muitas resenhas sobre as ruas, os grandes marcos arquitetônicos, as favelas, a evolução urbana, as soluções para o futuro. Contava histórias da cidade como se estivesse falando sobre um grande amor. Sem dúvida, o melhor jornalista setorista de urbanismo do Rio — diz Tulio.
Colega de editoria, no GLOBO, Paulo Marqueiro aponta outra característica marcante do jornalista que acompanhava de perto grandes projetos urbanísticos:
— Ele era um repórter obstinado pela notícia. Certa vez, para conseguir uma entrevista, ficou horas sentando num banquinho num estacionamento, esperando a chegada do então presidente do Instituto Pereira Passos (IPP) Ricardo Henriques. Acabou convencendo-o a falar. E dali saiu uma grande reportagem sobre as "ex-favelas" do Rio.
Uma persistência, que, segundo Tadeu Aguiar, que chefiou Daflon durante o tempo em que ele trabalhou na editoria de Esportes do GLOBO, sempre fez dele um repórter na essência da palavra:
— Ele desconfiava das primeiras versões de uma notícia. Era persistente. Tinha a desconfiança saudável dos bons jornalistas, sempre questionando respostas prontas ou fatos consumados. Era um repórter obstinado, do tipo capaz de esperar 12, 15 horas até conseguir a informação.
Entre os livros que escreveu estão "Bons Ventos - A trajetória vencedora da família Schmidt Grael"; ''Heroísmo sem limites'', junto com João Máximo, e ''Rioativo: Geografia social do esporte'', com Felipe Awi:
— Tanto neste trabalho como nos anos em que trabalhamos juntos no Esporte do GLOBO, Daflon foi sempre generoso, democrático, levava a sua opinião em conta mesmo que discordasse totalmente dela. Nunca concebeu a nossa profissão sem o idealismo que a maioria de nós tem na faculdade e vai perdendo ao longo do tempo. Para ele, o jornalismo tinha que ser crítico, questionador, com a obrigação moral de fugir dos clichês.
Uma outra característica do botafoguense que começou na profissão cobrindo esportes era a inquietação:
— O Daflon repórter era inquieto, procurava o desconforto que o levaria a entregar um trabalho melhor. Se não estivesse satisfeito, pedia o boné e ia tentar a sorte em outra coisa. Foi assim que deixou o Esporte e se reinventou estudando e cobrindo urbanismo e arquitetura. Muito duro perdê-lo. Um grande cara, um grande jornalista — contou Felipe Awi.
O iatista Toben Grael, retratado por Daflon em livro, recorda que Daflon era um excelente entrevistador:
— Eu o conheci no esporte. Logo depois, ele nos contatou para fazer o livro e aí convivemos bastante com ele. Era uma pessoa simples, excelente jornalista e excelente entrevistador. Fazia outro nível de jornalismo, interessado em matérias construtivas e não em sensacionalismo. É uma pena perdê-lo tão cedo.
Para Aydano André Motta, Daflon deixa como legado a generosidade e sua defesa da justiça e do bem estar. Segundo ele, Daflon era "uma ilha de doçura e generosidade" que fará muita falta.
— Despojado, costumava deixar para trás objetos pessoais, como chave, celular etc, no caminho de casa para o trabalho. Os amigos faziam troça — e ele ria junto, na felicidade de estar entre as pessoas que amava — lembra o repórter que, por muitos anos, trabalhou ao seu lado no GLOBO.— Reencontrei o Daflon na Casa Pública, endereço do jornalismo independente da melhor qualidade, ele como free-lancer, potencializando seu jeito ético de trabalhar. Construiu reportagens de impacto, com o mesmo senso de justiça que pautou sua vida toda. Nos encontros no casarão da Rua Dona Mariana, a conversa serena, bem-humorada, pacata era um prazer que agora terá lugar cativo na parede da memória. Nesses tempos tão esquisitos e infames, o querido Daflon fará falta demais.
Rogério Daflon morreu às 8h40m desta terça-feira, dia 16, aos 55 anos, em consequência de atropelamento ocorrido na noite do último dia 7. Deixa dois filhos.
— Fomos todos atropelados. Estamos no chão e está difícil levantar. Os amigos, quase todos jornalistas, sentem a falta de um colega guerreiro, obstinado, que vivia a essência do jornalismo em detrimento até da própria vida pessoal. Muitas vezes não entendia essa obsessão do Rogério pela missão jornalística, a de representar a verdade, a de defender os menos protegidos pelo sistema... Quando quase todos comemoravam as obras faraônicas da cidade na esteira das Olimpíadas e da Copa do Mundo, ele produzia matérias sobre os bastidores corruptos destas falsas boas notícias. O preço que ele sempre pagou por ser um questionador foi alto. Mas hoje, vendo as homenagens e lendo sobre sua trajetória, só tenho orgulho de tudo, dimensiono seu valor, e é isso que estou passando para nossos filhos, Beatriz e Felipe. Assim, vamos nos reerguer — disse a jornalista Luciana Neiva, ex-mulher de Daflon e mãe de seus dois filhos.
O velório de Daflon será na próxima quinta-feira, na Associação Brasileira de Imprensa (ABI), de 9h às 14h. Os detalhes sobre o sepultamento ainda não foram definidos.
Fonte: O Globo
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