A vegetação nativa do Cerrado está sendo rapidamente convertida em fazendas de gado e plantio. Imagem cedida por Barry Sinervo/UCSC. |
A perda de árvores amazônicas pode aumentar a temperatura local em 1,45°C
por James Fair en 11 Julho 2019 | Translated by Lyliah Rossi
- Um novo estudo de modelagem descobriu que o irrestrito desmatamento da Amazônia brasileira e do cerrado pode resultar na perda de 606.000 quilômetros quadrados de floresta até 2050, levando a aumentos nas temperaturas locais de até 1,45°C, além de aumentos globais de temperatura.
- Sob um modelo de aplicação do Código Florestal do Brasil, os pesquisadores preveem que o desmatamento seria limitado a 79.000 quilômetros quadrados, com reflorestamento ocorrendo em mais de 110.000 quilômetros quadrados, levando a um aumento médio local de apenas 0,2°C.
- Pesquisadores dizem que a perda das árvores deve ser interrompida e o programa de reflorestamento começou a proteger as pessoas e a vida selvagem, e a reduzir o aquecimento regional.
- Répteis e anfíbios em especial ficariam vulneráveis a aumentos de temperatura desencadeados pelo desmatamento e perda de umidade.
Sabe-se que a queima de combustíveis fósseis e o desmatamento levam à emissão de dióxido de carbono, elevando as temperaturas em todo o mundo. Menos conhecido é o fato de que a remoção de cobertura das árvores está contribuindo para o aumento das temperaturas em um nível local – por enquanto.
Em um novo estudo publicado no jornal de acesso aberto PLOS ONE, cientistas da Universidade Estadual do Rio de Janeiro e da Universidade da Califórnia, Santa Cruz (UCSC), descobriram que o aumento da temperatura na vizinhança imediata de um área desmatada poderia chegar a 1,45 graus Celsius até 2050 em áreas tropicais como a bacia amazônica ou no cerrado.
“Todos estão familiarizados com o quão quente é nas cidades em comparação com um ambiente florestal, e isso é porque a energia é absorvida e, em seguida, gera radiação infravermelha que aquece o ambiente. O mesmo acontece se você desmata”, explicou o coautor do estudo Barry Sinervo do Departamento de Ecologia e Biologia Evolutiva da UCSC em uma entrevista com a Mongabay.
Os impactos do desmatamento na temperatura local. Imagem cedida por Barry Sinervo/UCSC. |
O estudo explora como o efeito albedo (superfícies mais claras refletem o calor e as mais escuras o absorvem) e a perda de evapotranspiração (a água da terra, das árvores e das plantas volta para a atmosfera) podem conduzir ao aquecimento em escala local em áreas tropicais desmatadas. Em contrapartida, a perda de cobertura vegetativa em florestas boreais subárticas tem pouco impacto nas temperaturas locais.
“Mostramos que o aquecimento naqueles habitats [tropicais] desmatados pode ter um efeito em uma escala local”, disse Sinervo. “E isso significa que, mesmo se a floresta está intacta, está ficando mais quente por causa do desmatamento que está ocorrendo em torno dela.”
Os pesquisadores utilizaram dados recém-lançados sobre cobertura florestal, taxas de evapotranspiração, reflexo da luz solar e temperaturas superficiais da terra para desenvolver um modelo baseado em suas interrelações. Eles então determinaram o que poderia acontecer a respeito do calor em cenários previstos ao longo dos próximos 30 anos.
No primeiro cenário, estima-se que 606.000 quilômetros quadrados da floresta poderiam ser perdidos até 2050, conduzindo aos aumentos locais de temperatura de até 1,45°C, com um aumento médio de 0,11°C.
No cenário do Código Florestal, os pesquisadores preveem que o desmatamento seria limitado a 79.000 quilômetros quadrados até 2050, com reflorestamento ocorrendo em mais de 110.000 quilômetros quadrados, levando a uma média local de aumento de apenas 0,2°C.
Sinervo contou à Mongabay que os futuros aumentos de temperatura poderiam ser ainda maiores do que os previstos pelo estudo. “Nós só fizemos cálculos com base em 50% de desmatamento versus o Código Florestal”, disse ele. “Se aumentarmos os números (75% de desmatamento) – embora isso não esteja no estudo, eu fiz alguns cálculos – pode-se ter um aumento local de 2°C.”
Ele também apontou que isto está de acordo com os previstos aumentos de temperatura global de até 2°C. “Isso nos dá 2 + 2, que é 4°C de aquecimento contando a mudança climática [global] e o desmatamento [local], e este é um número muito alto para se considerar.”
O estudo deixa claro que grandes aumentos de temperatura local podem escalar as taxas de mortalidade humana, juntamente com a demanda por eletricidade, reduzindo os rendimentos agrícolas e a biodiversidade.
Guarino Colli, um zoólogo da Universidade de Brasília estudando populações de lagartos no cerrado, disse à Mongabay que os répteis são especialmente sensíveis às mudanças de temperatura porque não produzem seu próprio calor através do metabolismo, e também porque o sexo biológico dos jovens em alguns grupos – tartarugas de água doce e crocodilos, mais notavelmente – depende da temperatura de incubação.
O contraste drástico entre a vegetação nativa e as terras degradadas visto no cerrado. A savana do Brasil está atualmente passando por um rápido desmatamento. Imagem cedida por Barry Sinervo/UCSC. |
Se as temperaturas locais aumentam abruptamente, especialmente ao meio-dia, ele explicou, muitos répteis tropicais terão tempo disponível reduzido para forragear, acasalar e reproduzir.
“A maioria das pessoas pensam que [animais] vão superaquecer e morrer, mas o impacto é mais sutil”, disse ele. “[Em vez disso,] o período de atividade é reduzido, mas isso pode ter consequências profundas em termos de sucesso reprodutivo e recrutamento.”
Colli postulou que esse efeito térmico pode ser replicado em outros grupos taxonômicos, como insetos, que são bem menos estudados. “O que estamos falando a respeito de lagartos é apenas um fragmento do que pode acontecer a comunidades inteiras”, disse ele.
Há evidências de populações de lagartos locais desaparecendo como resultado de temperaturas crescentes no México. Um artigo publicado por Sinervo e seus colegas na Science em 2010 descobriu que 12% das 200 populações de lagartos locais tinham deixado de existir, e os pesquisadores foram capazes de demonstrar que essa perda foi devido às temperaturas crescentes.
Uma comparação de mudanças projetadas na temperatura local relacionadas ao desmatamento em florestas tropicais, temperadas e boreais. Imagem cedida por Barry Sinervo/UCSC. |
Ainda não é possível dizer se e quantas espécies podem ser extintas devido a aumentos de temperatura local e mudanças de umidade na Amazônia, no cerrado e outros ambientes tropicais.
Colli ressaltou que, com seu atual Código Florestal, o Brasil tem fortes leis ambientais: “Na Amazônia, sob o código, você não pode [nunca] cortar mais de 80% [da vegetação nativa em terras privadas, e a percentagem permitida é muitas vezes significativamente menor], e se isso fosse controlado, teríamos uma situação [ambiental] muito melhor”, disse ele. “O estudo do PLOS ONE mostra um modelo de típico de “negócios” versus o Código Florestal, mas o [modelo] de Código Florestal deve ser um de negócios, porque é isso que a lei diz.” No entanto, qual será a posição da administração de direita do Bolsonaro sobre o Código Florestal permanece em questão; o governo já anunciou uma grande desregulamentação ambiental.
Sinervo disse que um programa de reflorestamento ativo é crucial para desajustar os impactos dos aumentos de temperatura globais. Estima-se que há 20 milhões de quilômetros quadrados de terra disponível para reflorestamento em todo o mundo, mas os compromissos globais atuais são de restaurar apenas 3,5 milhões de quilômetros quadrados até 2030.
Florestas já cobriram cerca de 40% da superfície terrestre e perdemos cerca de um quarto da cobertura até hoje – transformando o número inicial em cerca de 30% – com grande parte dessa perda tendo ocorrido nos últimos 300 anos. Se as florestas forem ser efetivamente utilizadas como um meio de sequestrar carbono e manter as temperaturas locais baixas nos trópicos, então o mundo deve reverter a sua tendência de corte de árvores de 3 séculos de duração.
Citação:
Prevedello JA, Winck GR, Weber MM, Nichols E, Sinervo B (2019) Impacts of forestation and deforestation on local temperature across the globe. PLoS ONE 14(3): e0213368. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0213368
Fonte: Mongabay
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