segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Por um investimento social transformador


Andre Degenszajn*

O investimento social é definido pelo GIFE como o aporte voluntário de recursos privados para ações de interesse público. A questão fundamental, portanto, é estabelecida pela relação público-privado, que define tanto o investimento social, como o próprio GIFE. Fundado no início da década de 1990, o GIFE emerge no contexto de intenso crescimento da sociedade civil brasileira, que em 10 anos triplicou de tamanho (FASFIL 2010). Muitas organizações e associações foram estabelecidas nesses anos, após a abertura democrática e a promulgação da Constituição de 1988, contribuindo para o fortalecimento da infraestrutura da sociedade civil no país.

Ao mesmo tempo, nessa década também ganhava força o movimento pela responsabilidade social das empresas, em um contexto em que o setor privado refletia sobre o seu papel no desenvolvimento do país. A estruturação do campo do investimento social articulada à responsabilidade social das empresas é bastante característica da composição do GIFE, que tem cerca de 70% de seus associados de origem empresarial. Apesar de não representar a totalidade de investidores sociais brasileiros – o GIFE reúne atualmente cerca de 140 entidades – esse grupo é muito representativo do conjunto de investidores do país.

Apesar de ainda pequeno comparado ao percentual de organizações empresariais, vem crescendo a participação de investidores de origem familiar e independente. Os primeiros, impulsionados principalmente pela abertura de capital de algumas empresas e também pela tendência de institucionalização de investimentos familiares. Os investidores independentes têm se desenvolvido fundamentalmente pelo reconhecimento da necessidade de criação de instituições que tenham capacidade de investir na sustentabilidade financeira (e política) do campo de defesa de direitos.

Entre os principais elementos que caracterizam o setor, talvez o mais significativa seja a alta concentração de investimentos em educação. Mais de 80% dos associados do GIFE investem no tema, muitos deles como principal área de atuação. Esse é também o campo em que o investimento é mais consolidado, com experiências relevantes de articulação com políticas públicas no intuito de dar escala a tecnologias sociais desenvolvidas por investidores privados.

Há diversos fatores que podem explicar essa alta concentração do investimento social em educação. Há, de início, um amplo consenso na sociedade de que o investimento em educação seja provavelmente o principal fator para estimular o desenvolvimento do país. Ele tem operado como um gargalo que segura tanto o desenvolvimento econômico e social, quanto a manutenção de altos índices de desigualdade. Nesse sentido, é um campo em que há aceitação pública que prescinde de uma justificação de prioridade. Além disso, há ainda um argumento mais utilitário, talvez menos relevante, de que o investimento em educação pode representar uma economia para as próprias empresas, que, na medida em que há trabalhadores com melhor formação no mercado, elas não precisam investir seus próprios recursos na qualificação dos funcionários.

Outro aspecto marcante do investimento é o baixo percentual de recursos que são destinados a financiar organizações da sociedade civil – o que no contexto anglo-saxão define-se como grantmaking. Se nos Estados Unidos essa é a principal estratégia de atuação das fundações, no Brasil apenas 29% dos recursos, que em 2012 totalizaram R$ 2,35 bilhões, são investidos em doação (Censo GIFE 2012). Isso significa, na prática, que esse conjunto de organizações tem contribuído pouco para o fortalecimento das organizações da sociedade civil (OSC). Ao mesmo tempo, é verdade que há um montante significativo de recursos transferidos às OSC, mas boa parte no contexto de contratação como prestadoras de serviço, o que também não assegura seu fortalecimento.

Ainda na caracterização do campo, muito em função da concentração de investidores empresariais, cerca de 60% dos associados do GIFE investem, não de forma exclusiva, em ações vinculadas ao seu negócio (no caso das empresas) ou ao negócio de suas mantenedoras (institutos e fundações). Essa é uma tendência que tem ganhado força, tanto pelo reconhecimento do papel que o investimento social cumpre na construção da reputação da empresa, como, e principalmente, por sua relevância para o próprio negócio. Esse valor manifesta-se, por exemplo, na construção da licença social para operar, situação na qual a empresa necessita desenvolver um relacionamento sustentável com as comunidades impactadas pelo negócio. Nesse contexto, a empresa negocia com a comunidade as condições para a sua atuação, viabilizando o próprio negócio e buscando construir um legado social positivo.

Essa tendência confirma uma mudança relevante no paradigma que orientou a criação de institutos e fundações empresariais na década de 1990. A premissa então vigente era a de que as empresas deveriam distanciar sua ação social dos negócios, de tal forma que o interesse privado (levado adiante pela empresa) não “contaminasse” o sentido público da atuação dos institutos (seus “braços sociais”). As empresas se transformaram e, principalmente, a sociedade mudou a sua percepção e sua capacidade de controle social sobre a atuação das empresas. A noção de que os negócios poderiam ser conduzidos as usual, desde que houvesse alguma boa ação social, não se sustenta. A empresa passa a ser cobrada por uma maior coerência na sua atuação. Esse movimento abre espaço a uma ressignificação do papel do investimento social, seja conduzido por um instituto ou por uma área dentro da empresa.

Nesse novo contexto, o investimento social empresarial não apenas deve ser capaz de identificar áreas sociais em que pode gerar impactos relevantes, mas também potencializar a sua atuação contribuindo para a gestão dos investimentos sociais compulsórios da empresa e no próprio relacionamento com as comunidades impactadas pelo negócio.

Esse é um papel desafiador para as empresas, pois instaura-se uma relação complexa entre um ator forte, organizado, com recursos, e uma comunidade muitas vezes desarticulada e com demandas sociais básicas. Essa situação, se adotarmos um olhar precipitado, pode parecer favorável à empresa, que enfrentará menos controle social e poderá impor seus interesses com mais facilidade. No entanto, essa dinâmica de poder extremamente desigual favorece a construção de relações clientelistas e de favorecimento, o que no médio ou longo prazo poderá operar contra os interesses da empresa – e certamente contra os interesses na sociedade.

Se a empresa está disposta a construir uma relação de confiança e transparência com a sociedade, ela precisa de organizações forte e autônomas operando nos contextos em que atua. Organizações que sejam capazes de articular de maneira legitima os interesses da comunidade e dialogar abertamente com a empresa. O reconhecimento e a exposição das contradições inerentes à operação de uma empresa, seja diante do desafio da sustentabilidade ou de uma relação equilibrada com a sociedade, são fundamentais para a construção das bases de um relacionamento de confiança.

Uma atuação responsável da empresa e um investimento social transformador passam pelo investimento na construção de uma sociedade civil forte, autônoma e sustentável.

* Andre Degenszajn é secretário-geral do GIFE

Fonte: redeGIFE




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