terça-feira, 3 de novembro de 2015

Inventário revelará biodiversidade e desmatamento do Cerrado



Pôr do sol em Bonito, no Mato Grosso do Sul: apesar de ocupar uma grande área no Centro do país, o Cerrado não tem instrumentos modernos para monitoramento de biodiversidade e desmatamento - André Coelho



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Atualização de informações sobre o bioma permitirá o estudo das emissões de poluentes

RIO - Entre a Amazônia, a menina dos olhos da população mundial, e a Mata Atlântica, onde moram mais de 70% dos brasileiros, está um bioma tão importante quanto abandonado. Nos dois milhões de quilômetros quadrados do Cerrado — uma área maior do que toda a Europa Ocidental —, o índice de desmatamento e o número de espécies exclusivas não passam de estimativas atrasadas e subestimadas. Estas lacunas, no entanto, podem começar a ser preenchidas a partir dos próximos meses. O primeiro passo foi dado na semana passada, quando o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e o Serviço Florestal Brasileiro (SFB) anunciaram um investimento de US$ 16,5 milhões na criação de um inventário e de um sistema de informações sobre a diversidade ecológica e os usos da terra na região.

Além do censo e do catálogo das espécies, espera-se que a medida contribua para que o governo federal cumpra uma promessa antiga — implementar no bioma um sistema de monitoramento do desmatamento em tempo real, aos moldes da tecnologia já disponível na Amazônia. O último diagnóstico oficial da devastação do Cerrado foi realizado entre 2009 e 2010, e apontava que 6,2 mil quilômetros quadrados de vegetação deram lugar a queimadas, pastagens e ao agronegócio.

— Durante muito tempo, o Cerrado foi visto como um ecossistema pouco nobre no imaginário popular brasileiro, porque ele não tem a exuberância das florestas. A nossa savana é desvalorizada — lamenta Rodrigo Medeiros, vice-presidente da Conservação Internacional no Brasil. — O monitoramento defasado limita o planejamento de estratégias para atacar o desmatamento. Por enquanto, apenas 8% do bioma estão inseridos em unidades de conservação. O governo comprometeu-se em aumentar este índice para 17%. A redução drástica da devastação da Amazônia pode ser repetida no Cerrado.

Especialista sênior em mudança do clima do BID no Brasil, Thiago Mendes ressalta que a aparência simplória do bioma o empurrou para o segundo plano. O investimento em um inventário — que já se justificava apenas pela ausência de dados científicos — ganhou recentemente uma nova necessidade. Como berço de alguns dos principais rios do país, autoridades e ambientalistas tentam entender como as frequentes estiagens afetam a região.

— O Cerrado nunca foi abraçado pela sociedade como a Amazônia. Sua defesa é menos popular, e acredito que isso afetou o seu gerenciamento — avalia. — Mas passamos por uma crise hídrica e precisamos manter nossas hidrelétricas. Sem isso, o desenvolvimento econômico do país corre risco. Então, proteger o Cerrado não é apenas uma reivindicação ambiental, mas também uma medida necessária para assegurar nossa produtividade.

Mendes alerta para uma antiga interpretação equivocada sobre o papel do Cerrado. Há mais de 70 anos o bioma é visto como um amplo espaço subdesenvolvido e de vegetação rasteira, que poderia ser removida sem qualquer dano a diversas atividades econômicas.

No entanto, a instalação de hidrelétricas, a pecuária e culturas como soja, milho e algodão estão passando por cima de mais de 12 mil espécies de plantas, sendo 44% endêmicas. Pelo menos 1.200 espécies de aves, répteis e mamíferos também estão vulneráveis devido à falta de políticas ambientais.

— O Brasil tem mais de 50 milhões de hectares de pastagens degradadas, sendo que 70% delas estão no Cerrado — destaca Mendes. — É uma área mal aproveitada. Existem mecanismos para melhorarmos a nossa produtividade e abrir novos negócios sem aumentar a devastação.

— A agricultura é importante não só do ponto de vista econômico, como também de segurança alimentar. Queremos ser os maiores produtores de soja do mundo às custas da destruição dos ecossistemas? — questiona Medeiros.

Os novos dados sobre as espécies ameaçadas de extinção e os diferentes usos da terra virão acompanhados por estimativas dos estoques florestais de carbono. Assim, será possível saber qual é a influência do Cerrado na emissão de poluentes provenientes do Brasil.

Diretor-executivo do Instituto Internacional para Sustentabilidade, Bernardo Baeta Neves Strassburg coordenou estudos cujos resultados demonstraram que erradicar o desmatamento em biomas florestais, entre eles a Amazônia, não é suficiente para anular as emissões de gases-estufa. Segundo ele, é preciso estender a ação a regiões menos exuberantes, como o Cerrado.

Os coordenadores do projeto pretendem conferir a emissão de poluentes do bioma no biênio 2015-2016.

— Até 55% das emissões de carbono que haviam sido erradicadas das florestas podem ser compensadas pelo aumento da liberação de gases-estufa em outros biomas, como o Cerrado — revela Strassburg, que também é professor do Departamento de Geografia e Meio Ambiente da PUC-Rio. — Por isso, não adianta concentrar todas as políticas de conservação na floresta amazônica. É preciso estudar também o Cerrado. Infelizmente, falta financiamento para pesquisas científicas na região.

NOVA ATIVIDADE, VELHA DÍVIDA
Strassburg acredita que a busca por plantas medicinais será um mercado promissor no Cerrado nos próximos anos.

— A nova Lei de Acesso ao Patrimônio Genético poderá levar à descoberta de novos compostos para a produção de fármacos — revela. — Por enquanto, porém, temos que lidar com um bioma completamente exposto a atividades clandestinas. Dois terços do Cerrado podem ser devastados sem que estes atos sejam considerados criminosos.

O BID também especula que o novo serviço fornecerá dados socioeconômicos sobre o uso local de produtos e serviços das florestas por populações rurais, assim como sua percepção sobre a importância desses recursos no Cerrado.

— Temos uma imensa dívida social com o sertanejo, um povo que não teve as condições adequadas para se desenvolver — afirma Medeiros. — O cultivo não pode ser socialmente excludente. Precisa levar em consideração os pequenos e médios agricultores, além das grandes empresas do agronegócio.

Fonte: O Globo Sustentabilidade



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