domingo, 10 de março de 2019

FLORESTAS SECUNDÁRIAS: Uma segunda chance para as matas



Ao impedir o acesso ao gado, cerca permitiu a regeneração da floresta na região de Piracicaba, interior paulistaPedro Brancalion / USP


Rede internacional de ecólogos amplia conhecimento sobre as florestas secundárias, formadas em áreas degradadas

Um dos principais meios de recuperar a diversidade das florestas derrubadas é permitir que elas se regenerem sozinhas. Assim surgem as florestas secundárias, em áreas onde houve corte da vegetação nativa que foram abandonadas por não servirem mais à agricultura ou ao pasto, entre outros usos. O processo natural em que sementes de florestas nativas ao redor são levadas pelo vento e por animais até a área desmatada, onde também germinam sementes já presentes no solo, foi estudado por uma rede internacional de ecólogos da América Latina, dos Estados Unidos e da Europa. Os resultados foram publicados hoje (06/03) na revista Science Advances.

Os pesquisadores concentraram a atenção no desenvolvimento das florestas tropicais, o ecossistema mais biodiverso do mundo com cerca de 96% de todas as espécies de árvores. A rede fez um inventário das árvores de 1.800 trechos de florestas localizadas em 56 áreas de estudo de 10 países da América Latina. Comparando dados coletados ao longo de décadas por pesquisadores locais sobre florestas secundárias de diferentes idades e sobre aquelas que servem de fonte para a sua formação, o estudo mostrou que pode levar 50 anos para que a riqueza de espécies encontrada em florestas maduras bem preservadas se recupere. Em 20 anos de regeneração, o número de espécies foi recuperado em 80%. Apesar da quantidade animadora, apenas 34% delas são as mesmas encontradas nas florestas maduras ou primárias.

“Apesar de as florestas regenerantes recuperarem rapidamente boa parte das espécies, pode levar séculos até que sua composição seja reestabelecida, isto é, venha a ter as mesmas espécies da mata original – e não se sabe se isso um dia será possível, porque nem sempre se tem ideia da real diversidade que existia em muitas áreas desmatadas”, alerta o engenheiro-agrônomo Pedro Brancalion, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq-USP), coautor do artigo. “Por um lado, os resultados são animadores porque é importante ter uma floresta rica em diversidade cuja estrutura tenha um funcionamento completo como ecossistema, já que isso representa uma recuperação de biomassa e a consequente absorção de carbono da atmosfera. Mas a perda da composição original pode significar a perda de potenciais que jamais conheceremos”, pondera.

O fato de a floresta poder se restabelecer em áreas desmatadas é conhecido: a maior parte da cobertura florestal do mundo é secundária. Para Brancalion, a importância da colaboração entre os pesquisadores está na ampliação do conhecimento sobre como isso ocorre, já que essas matas não se regeneram imediatamente após o desmatamento. “Algumas áreas permanecem sob cultivo por centenas de anos, como algumas estudadas na Mata Atlântica, enquanto outras são abandonadas após cinco ou seis anos de uso do solo, como as da Amazônia”, exemplifica. “Diversos fatores podem favorecer ou prejudicar esse processo de recuperação, como a abundância de floresta nativa na proximidade dessa área que possa servir de fonte de sementes de espécies.”

Entre as principais questões estudadas, conta o pesquisador, estão como esse processo ocorre em diferentes condições e se as florestas secundárias têm o mesmo valor das primárias em termos de conservação. “Com isso, será possível compreender melhor o real prejuízo do desmatamento e qual a capacidade que temos de recuperar danos causados pelo homem”, explica.

Para a bióloga brasileira Catarina Jakovac, em estágio de pós-doutorado no Departamento de Ecologia e Manejo Florestal da Universidade de Wageningen, na Holanda, e também coautora do estudo, o conhecimento sobre os dados coletados é especialmente relevante para a realidade brasileira, cujo passivo ambiental é de aproximadamente 20 milhões de hectares. “Nesse cenário se tem apostado na regeneração natural como forma de restaurar a baixo custo e com qualidade ecológica. Trata-se de um importante alerta aos tomadores de decisão e técnicos para a necessidade de se manejar a regeneração natural introduzindo espécies que dificilmente se estabeleceriam sozinhas.”

De acordo com o estudo, para promover a restauração efetiva da biodiversidade esse manejo da regeneração natural deve acontecer principalmente em paisagens com pouca cobertura florestal, como a maior parte da Mata Atlântica e as áreas dentro do arco do desmatamento na Amazônia, que são também aquelas com maior necessidade de restauração.

Projetos

1. Avaliação multiescala de impactos ambientais em paisagem agrícola (nº 11/06782-5); Modalidade Auxílio à Pesquisa – Regular; Pesquisadora responsável Katia Maria Paschoaletto Micchi de Barros Ferraz (USP); Investimento R$ 77.521,58.
2. Cronossequência e efeito da paisagem na sucessão secundária de florestas tropicais (nº 14/14503-7); Modalidade Bolsa de doutorado; Pesquisador responsável Pedro Henrique Santin Brancalion (USP); Bolsista Ricardo Gomes César; Investimento R$ 151.745,33.

Artigo científico

ROZENDAAL, D. M. A. et al. Biodiversity recovery of Neotropical secondary forests. Science Advances. on-line. 6 mar. 2019.

Fonte: Revista Pesquisa FAPESP



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