segunda-feira, 23 de abril de 2012

Código Florestal: Cientistas alertam sobre graves danos de texto de Piau ao País


Desmatamento na Amazônia. Foto Mongabay.

Às vésperas de o Código Florestal ser colocado em votação na Câmara dos Deputados, cientistas alertam sobre os graves problemas que o relatório substitutivo do deputado Paulo Piau (PMDB-MG), divulgado na quinta-feira (19), pode trazer para o Brasil. É consenso de membros do grupo de trabalho (GT) da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), que estuda o Código Florestal, ouvidos pelo Jornal da Ciência, de que o texto de Piau tem cunho político e não contempla embasamentos técnico-científicos. O relatório está previsto para ir à votação amanhã (24) na Câmara. Na prática, o parecer do relator do Código Florestal modifica o texto aprovado pelo Senado Federal, em dezembro.


Ainda que tenha preferência na votação, o relatório substitutivo de Piau pode ser rejeitado em favor do projeto original, o aprovado pelos senadores e que tem o apoio do governo.

Pesquisador da Embrapa Florestal e membro do grupo de trabalho da SBPC, Sergio Ahrens destaca que o ponto mais preocupante, dentre as 21 propostas apresentadas pelo relator do Código Florestal, é o que exclui a obrigação de produtos rurais de preservar 15 metros de áreas (as chamadas Áreas de Preservação Permanente - APPs) às margens de rios com até 10 metros de largura. Essa medida já havia sido aprovada na Câmara dos Deputados, em maio de 2001, e no Senado Federal.

"Fiquei frustrado com algumas propostas de alteração (do Código Florestal) colocadas pelo relator no substitutivo", disse o pesquisador da Embrapa Florestal, ao fazer a leitura do texto de Piau.

Retrocesso - Por considerar polêmicas as propostas de Piau, deputados da bancada petista acreditam que a votação do Código Florestal será adiada, mesmo diante de pressões políticas e da bancada ruralista. O líder do PT na Câmara, deputado Jilmar Tatto (SP), já declarou que o partido poderá obstruir a votação do texto, considerando que o relatório "é um retrocesso".

Coordenador do grupo de trabalho e diretor da SBPC, José Antônio Aleixo da Silva destaca que as alterações de Piau em seu texto retorna, na maioria das vezes, o aprovado na Câmara dos Deputados "que pouco tem de ciência e tecnologia para adequação de uma agricultura pujante que mantenha a sustentabilidade ambiental". Sem querer entrar em detalhes, o cientista Ladislau Skorupa, que atua na área de Botânica e Engenharia Florestal, com ênfase em Recuperação de Áreas Degradadas e integra o GT que estuda o Código Florestal, concorda que a decisão do relator é mais inclinada a decisões políticas do que técnico-científicas.

"Agora, com esse relatório do deputado Paulo Piau, muita coisa volta ao que saiu da Câmara dos Deputados, talvez por apostarem que aprovam por conta da maioria da bancada ruralista. Como no Congresso Nacional até o impossível é possível, vamos esperar para ver o que vai ser aprovado nessa nova votação. Seja lá o que for, vai sobrar para a presidente Dilma", avalia Aleixo, também professor associado do departamento de Ciência Florestal da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

Apesar de destacar que o documento do Senado "é sem dúvidas bem melhor" do que o anterior, aprovado na Câmara, Aleixo lembra que ainda existem muitas partes a serem corrigidas no texto aprovado pelos senadores. Nesse caso, ele cita as recomendações que constam de vários documentos publicados pelo grupo de trabalho da SBPC em parceria com a Academia Brasileira de Ciências (ABC).

"Só consideraram o que lhe era conveniente a grupos dentro do Congresso. Fomos chamados várias vezes para apresentar nossas conclusões no Senado e o fizemos, mas infelizmente, pouco foi adicionado ao documento", analisa Aleixo da Silva.

Horror - Reforçando tais posições, o agrônomo Celso Manzatto, chefe da Embrapa Meio Ambiente, chamou de "horroroso" o texto de Piau. Manzatto, também membro do GT da SBPC, concorda que a proposta de Piau piora a versão aprovada no Senado Federal que, segundo avalia, "já estava ruim" para o País. Nesse contexto, Manzatto reiterou, por exemplo, a importância de manter a faixa de 15 metros de Áreas de Preservação Permanente para rios com até 10 metros de largura, conforme defende o grupo de trabalho dos cientistas.

Em outra frente, Xico Graziano, ex-secretário do Meio Ambiente (2007-2010) e de Agricultura de São Paulo, disse que o texto aprovado no Senado Federal "era um bom meio termo entre as duas posições" (ruralistas e ambientalistas).

Rejeição do governo - Ao divulgar o substantivo, Piau admitiu que seu texto não é consensual e tem a rejeição do governo. Ao excluir a faixa de 15 metros de APPs às margens de córregos com até 10 metros de largura, Piau sugeriu a publicação de um decreto ou Medida Provisória (MP) estipulando o limite de preservação de áreas. Deputados que apoiam as propostas de Piau declaram que o governo poderia estabelecer uma faixa mínima de sete metros, considerando que o texto aprovado no Senado Federal " rouba" muitas áreas de pequenas propriedades.

Consequências graves - O pesquisador da Embrapa Florestal, Sergio Ahrens, que considera "gravíssimas" as propostas de mudanças do Código Florestal apresentadas pelo relator, alerta que a retirada da recuperação da faixa de 15 metros para cursos de água de 10 metros de largura do texto pode trazer "graves consequências" para produtores rurais localizados nessas áreas. Ou seja, ameaça a vida humana que reside próxima a essas áreas pela incidência de fenômenos naturais, como inundações e ocorrência de eventos climáticos extremos.

"Esse é o ponto que mais preocupa, pelas implicações e consequências em termos de segurança de vida humana, de patrimônio e de perda de solo, fora os benefícios ambientais (permitidos pela recuperação de 15 metros de áreas) como formação de um mínimo de vegetação para fluxo de biodiversidade ao longo de todas as bacias geográficas do País", destacou Ahrens, para emendar: "As pessoas vão se sentir confortáveis (nessas áreas) e vão construir, até mesmo, residências às margens de cursos d água e o rio transborda e leva tudo. Isso preocupa muito", alertou.

Outras mudanças - Outra preocupação dos pesquisadores é com a liberação da concessão de crédito agrícola a produtores rurais que não promoverem a regularização ambiental em cinco anos, proibição que constava do texto aprovado pelos senadores. Outro item excluído por Piau é o que dividia os produtores rurais em categorias para receber incentivos. Trocando em miúdos, as duas medidas atendem aos anseios de ruralistas.

O relator do Código Florestal na Câmara dos Deputados excluiu do texto aprovado pelos senadores, também, a definição de APPs nas cidades, que previa que áreas de expansão urbana deveriam prever 20 metros quadrados de vegetação por habitante. Nesse caso, Piau alegou que tal medida encareceria os terrenos, principalmente os destinados a programas sociais. Piau ignorou ainda as regras de proteção para plantas em extinção.

Outra medida que preocupa os cientistas é a que exclui do texto do Senado o capítulo sobre o uso de salgados e apicuns (biomas costeiros). Nesse caso, Piau manteve apenas os parágrafos relativos à regularização de atividades produtivas iniciadas até 22 de julho de 2008 e à ampliação da ocupação dos biomas, regras que deverão constar do zoneamento ecológico-econômico (ZEE) realizado pelos estados.

Estudos científicos - Desde o ano passado, cientistas vêm alertando sobre eventuais danos que o Código Florestal pode provocar no País caso os aspectos técnico-cientificos não sejam contemplados. No estudo mais recente, divulgado em meados de fevereiro, os cientistas avisaram que todas as áreas de preservação permanente nas margens de cursos d'água e nascentes devem ser preservadas e, quando degradadas, devem ter sua vegetação integralmente restaurada.

"As APPs de margens de cursos d'água devem continuar a ser demarcadas, como foram até hoje, a partir do nível mais alto da cheia do rio", destaca o documento produzido pela SBPC e ABC disponível em http://www.sbpcnet.org.br/site/arquivos/carta_aberta.pdf

Viviane Monteiro - Jornal da Ciência

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Fonte: Jornal da Ciência

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