terça-feira, 27 de março de 2012

Estadão: "Em 20 anos, despoluição da Baía de Guanabara vira esgoto"


Maquete que representa a Baía de Guanabara com águas turvas e poluídas. Felipe Rau/AE


Anunciado com pompa durante a Rio-92, programa já torrou US$ 1,17 bilhão e a baía continua imunda

21 de março de 2012, 3h 07

Felipe Werneck - O Estado de S.Paulo

RIO - Anunciado há vinte anos, durante a Eco-92, o Programa de Despoluição da Baía de Guanabara começou a ser executado em 1995, foi prorrogado oficialmente sete vezes e continua inacabado. Hoje, apenas um terço de todo o esgoto gerado nos quinze municípios do entorno é tratado. Um dos maiores símbolos da beleza natural do Rio no passado, a baía recebe em média 10 mil litros por segundo de esgoto sem tratamento, apesar da promessa de despoluição.

Nenhuma das quatro estações construídas ao longo do projeto, que ficou conhecido pela sigla PDBG, está operando plenamente. O programa passou por seis governos desde a assinatura do contrato com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), em 1994. Inicialmente, a previsão para conclusão da primeira fase de obras era de cinco anos, chegando a 51% de esgoto tratado. Além do fiasco e do atraso, há questionamentos sobre a qualidade do tratamento. Outra crítica comum é de que tenha havido um desvio do conceito original, mais amplo. Na prática, ficou restrito ao saneamento básico, sem um plano ambiental.

O PDBG já consumiu US$ 1,17 bilhão em recursos do BID, da Agência de Cooperação Internacional do Japão (JICA) e do Governo do Estado. O primeiro desembolso ocorreu no fim de 1994, ano de implantação do Plano Real, e o dólar teve grande variação no período do contrato: chegou a valer R$ 4 em 2002.

Até hoje o esgoto não chega na estação de tratamento de São Gonçalo, inaugurada no fim do governo Marcello Alencar (1995-1998). Faltaram as redes. A estação da Pavuna, projetada para tratar 1.500 litros por segundo, recebe menos de 200. Na de Sarapuí, com a mesma capacidade, são tratados de 600 a 900 litros/segundo. A maior delas, a de Alegria, projetada para 5.000 l/s, opera com metade disso.

As estações da Pavuna, de Sarapuí e de Alegria foram inauguradas no governo de Anthony Garotinho (1999-2002), e o atual governador, Sérgio Cabral Filho, reinaugurou as duas últimas, com tratamento secundário.

No contrato, estavam previstos 1.248 km de redes coletoras de esgoto e 178 mil ligações domiciliares. Foram executados apenas 603 km de redes e 54 mil ligações até novembro de 2006, segundo o último relatório do BID. De acordo com a Companhia Estadual de Águas e Esgotos (Cedae), foram instalados 697 km de redes coletoras desde 2007, início da atual gestão - o número de ligações domiciliares, também pedido pela reportagem, não foi informado.

“Os principais problemas do PDBG foram a falta de transparência, a falta de articulação com os municípios, a falta de regulação da Cedae e, principalmente, uma fraude cavalar, que foi fazer as estações sem a rede”, afirma o secretário de Ambiente do Rio, Carlos Minc. Autor de uma série de denúncias de irregularidades em obras do programa enquanto era deputado estadual pelo PT, antes de assumir o cargo executivo, ele conseguiu no fim do ano passado a aprovação no BID de um novo empréstimo de US$ 452 milhões para melhorar a coleta e o tratamento do esgoto despejado na baía. O PDBG estava tão queimado que o programa mudou de nome para Saneamento Ambiental dos Municípios do Entorno da Baía de Guanabara (PSAM). Assinado ontem, a 3 meses da conferência da ONU sobre desenvolvimento sustentável, a Rio+20, o contrato com o BID prevê uma contrapartida de US$ 188 milhões do Estado. O plano é ampliar estações e construir uma nova, a de Alcântara.

Minc afirma que o volume de esgoto tratado no início do governo Cabral, em 2007, era de 20% e chegará a 40% ainda neste semestre. “A nossa meta é chegar a 2014 com 65% e na Olimpíada (em 2016) com 80%”, promete o ex-ministro do Meio Ambiente. O presidente da Cedae, Wagner Victer, apresenta números um pouco diferentes. “Quando entramos (em 2007), era pouco mais de 15% e hoje estamos em quase 50%. Vamos chegar a 80% da baía em 4 anos.” A meta apresentada pelo BID no anúncio do novo financiamento foi mais conservadora: 80% até 2018.

O destino da estação de Paquetá é um símbolo dos erros do programa. Fora de uso durante muito tempo, ficou deteriorada e o governo desistiu de colocá-la em funcionamento. “Chegamos à conclusão de que era muito mais barato passar os tubos por baixo d’água e levar o esgoto para a estação de São Gonçalo”, diz Minc. O problema é que a de São Gonçalo precisa ser refeita. “Ela foi inaugurada três ou quatro vezes e não funciona até hoje”, conta a engenheira Dora Negreiros, que participou da concepção do PDBG e preside a ONG Instituto Baía de Guanabara.

LIXO - Sobre o atraso, Minc afirma que estações de tratamento ficaram secas por até 13 anos “porque a grana para essas obras vinha de fora”. “Já a grana para fazer redes, conexões, era do Fecam (fundo estadual), que ia para tudo, menos para saneamento e meio ambiente. Rede é debaixo da terra, o que dá voto é estação. São elefantes brancos, monumentos à incompetência, ao descaso, à ilusão.”

Para Victer, os maiores problemas hoje são o lixo - um dos alvos (e fracassos) do programa original - e algumas empresas que não querem se conectar à rede de esgoto. “A grande novidade é que vamos acabar com todos os lixões do entorno da baía este ano”, afirma Minc. Não faltam metas e promessas no histórico do PDBG. O governo do Estado e a Cedae são réus em ação civil pública movida pelo Ministério Público do Estado.

O volume das três grandes estações em funcionamento deve ser somado ao de outras menores e mais antigas que também receberam investimentos do PDBG, totalizando 5,4 mil litros por segundo de esgoto tratado em nível secundário, segundo o coordenador do PSAM, Gelson Serva. Ao todo, são produzidos em média mais de 15 mil litros por segundo de esgoto doméstico nos municípios do entorno da baía. A despoluição da Baía de Guanabara é um dos compromissos assumidos pelo governo para a realização da Olimpíada de 2016.
 
Fonte: Estadão
 
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