Para pesquisar em casa
Projeto da Biblioteca Nacional vai disponibilizar na Internet 10 milhões de páginas de periódicos raros publicados entre meados do século XIX e o fim da década de 1960. Parte do conteúdo já será aberto para consulta no fim de março.
Alice Melo
Joana de Oliveira Dias nasceu em Sena Madureira, no Acre, a 137 quilômetros da capital, Rio Branco. Mestranda em Desenvolvimento Regional pela Universidade Federal do Acre (Ufac), escolheu sua terra natal como objeto de estudo, mas vem encontrando dificuldades para pesquisar. Não é para menos: ela precisa consultar periódicos produzidos em seu estado entre 1908 e 1930, e a maioria dos arquivos públicos da região não dispõe de acervos microfilmados ou do material desejado. Diante do problema, Joana decidiu partir para o Rio de Janeiro em busca de documentos e jornais na Biblioteca Nacional. Ela deu sorte e encontrou o que procurava. Mas muitos pesquisadores do Brasil não têm condições financeiras de enfrentar tão longa batalha no encalço de suas fontes. Pensando nisso, a BN criou a Hemeroteca Digital, um projeto que vai disponibilizar na Internet para consulta, até o fim do ano, 10 milhões de páginas de periódicos raros ou extintos.
São mais de 5.000 títulos de jornais e revistas produzidos no Brasil desde meados do século XIX até o fim da década de 1960. A ideia foi aprovada pelo Ministério da Ciência e Tecnologia e bancada pela Financiadora de Estudos e Projetos (Finep). Os R$ 6 milhões liberados foram aplicados na compra de equipamentos de última geração para digitalização de microfilmes e de periódicos em papel e também de um servidor de 150 terabytes para o armazenamento de toda essa informação. Esse orçamento inclui ainda custos da mão de obra que irá pôr isso tudo em prática – são digitalizadas cerca de 20.000 páginas por dia – e restaurar documentos desgastados pelo tempo. O lançamento oficial do site, com parte do conteúdo previsto, está marcado para o fim de março.
“Esse projeto é coisa grande”, brinca Vinícius Martins, um dos coordenadores do site BN Digital. “Ele contempla 60% de todo o acervo de periódicos extintos e raros e 30% de tudo o que a BN tem em microfilme. O mecanismo de busca vai ser avançado: além da possibilidade de procurar por título da obra, haverá uma ferramenta que permite a busca por palavra. É só digitar uma palavra no campo de pesquisa que o site vai abrir todas as páginas que a contêm”, completa.
De títulos raros a manuscritos
Na hemeroteca haverá uma mistura de coleções conhecidas – como as de O Paiz, Correio da Manhã, Marmota Fluminense e O Abolicionista – e títulos raros, como uma edição do manuscrito A Justiça, um jornal amador, editado por presidiários fluminenses no fim do século XIX. “É fundamental o resgate destas coleções”, opina o professor Humberto Machado, da UFF, que pesquisou a imprensa abolicionista do final do século XIX para fazer sua tese de doutorado em História. “Dá muito mais autonomia ao pesquisador. Ele poder trabalhar em casa e não precisar se ater ao horário comercial é muito melhor. Fazemos pesquisas demoradas, precisamos anotar, ver, rever as páginas”, explica.
Além da facilidade do trabalho com as fontes, a digitalização, de modo geral, ajuda a preservar o material original. Não é novidade que jornais e revistas têm uma expectativa de vida relativamente curta: o papel é frágil e a tinta, de baixa qualidade. Para evitar desgaste, os arquivos quase sempre contam com rolos de microfilmes, que, apesar de serem mais resistentes do que os periódicos, também têm prazo de validade – duram, em média, 100 anos. O mau uso do material pode reduzir este tempo.
A BN, por exemplo, recebe por mês cerca de 2.000 pesquisadores na Seção de Periódicos, e é difícil manter os rolos de consulta sem avarias. “As pessoas não leem as instruções de uso da máquina de microfilmes. Em consequência, todos os exemplares do Jornal do Commercio de 1861 que eu estou pesquisando têm um traço preto contínuo no meio, causado por mau uso. Na hora de transcrever o que está na publicação, deixo várias lacunas, e isso me prejudica”, conta Diana Ferreira, graduanda em História.
A digitalização e a disponibilização de uma parte deste material no site não resolvem totalmente o problema da deterioração das fontes nem o da distância entre elas e seus pesquisadores – milhares de títulos serão deixados de fora da peneira do projeto. Mas, como lembra Vinícius Martins, “já ajudam bastante na preservação da memória do nosso país”.
Fonte: Revista de História da Biblioteca Nacional
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