quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Um colossal dilema para a humanidade, artigo de Ibsen de Gusmão Câmara

O artigo baixo é de autoria de um dos mais renomados e respeitáveis ambientalistas brasileiros: o almirante Ibsen de Gusmão Câmara.


Almirante Ibsen de Gusmão Câmara. Uma grande referência para o ambientalismo brasileiro.

Para suprir às exigências de nossa civilização perdulária quanto ao consumo de energia só há três alternativas terríveis.

Um colossal dilema para a humanidade
 
Para atender às exigências atuais de nossa civilização perdulária quanto ao consumo de energia elétrica, só podemos dispor de três modalidades de geração: (1) usinas hidrelétricas, (2) usinas térmicas queimando combustíveis fósseis, e (3) térmicas nucleares. Devido a limitações intrínsecas e incontornáveis, as demais fontes energéticas ditas “alternativas” – basicamente eólica, solar, e derivados da biomassa – somente podem ser consideradas complementares e jamais serão suficientes, isoladamente ou em conjunto, para atender às insaciáveis necessidades correntes e futuras, a não ser que ocorra uma radical e improvável mudança no modo de viver da sociedade. Mesmo a geração eólica, a mais promissora e utilizada, está longe de ser uma solução satisfatória.

Das três modalidades principais indicadas acima, a hidrelétrica é sempre condicionada à existência de desníveis naturais no curso dos rios, e todos os possíveis aproveitamentos economicamente viáveis já se foram efetivados nas mais diversas regiões do globo, a exemplo da Europa e dos EUA. O Brasil ainda dispõe de considerável potencial hídrico não aproveitado, mas em sua maior parte ele se encontra na Amazônia a grandes distâncias dos centros consumidores e sua utilização gera impactos significativos no meio ambiente, que desencadeiam pesadas pressões contra sua concretização, como vem acontecendo com o projeto polêmico da usina de Belo Monte.

Embora considerada “limpa”, a hidroeletricidade é na verdade vastamente danosa aos ecossistemas fluviais por alterar o leito e o fluxo dos rios, degradar sua biota e, quando implantada em áreas antes cobertas por florestas, gerar por longos anos maciças quantidades de metano, um poderoso gás do efeito estufa. É o que se constata hoje na barragem de Tucuruí ou na insensata usina de Balbina, ao norte de Manaus.

As usinas térmicas que queimam combustíveis fósseis – carvão mineral, petróleo ou gás natural – produzem a maior proporção da eletricidade consumida no mundo, mas como constituem uma colossal fonte do principal gás do efeito estufa, o dióxido de carbono (CO2), acarretam a maior parcela do aquecimento global e, em consequência, são responsáveis por grande parte da terrível ameaça que as mudanças climáticas significam para o futuro da humanidade e demais seres vivos. Todas as tentativas de dar um destino seguro às colossais quantidades de CO2 emitidas têm apresentado dificuldades técnicas de muito difícil solução. O único meio prático de atenuarem-se os seus impactos climáticos seria reduzir drasticamente a utilização dessas usinas, solução que vem sendo sempre postergada, pela quase inviabilidade de concretização.

Por tal razão e em face das preocupações crescentes com o clima, o mundo assistiu até recentemente a uma renovada tendência de construção de mais usinas nucleares, especialmente na China, Índia, Coréia do Sul e Leste da Europa, mas também em menor escala na América do Norte, Europa Ocidental e Japão. O Brasil apresentou um plano de construir mais quatro, além de Angra III. Esta tendência, porém, sofreu um forte impacto com a catástrofe decorrente do maremoto gigantesco ocorrido neste ano no Japão e das suas gravíssimas conseqüências sobre os reatores nucleares da usina de Fukushima.

Ainda que estas instalações fossem antiquadas e os graves problemas de contaminação radioativa houvessem tido origem em um evento geológico de proporções inusitadas e numa lamentável deficiência de projeto, que levou à desastrosa perda do sistema de refrigeração dos reatores, o uso da energia nuclear está sofrendo uma generalizada queda de confiança. Embora os novos reatores atualmente em construção sejam muito mais seguros e confiáveis do que os de Fukushima, as reações da opinião pública mundial ao evento constituirão um pesado obstáculo à continuidade da tendência antes constatada e os planos de construção de novas usinas sem dúvida serão todos reexaminados e em parte cancelados. Mesmo assim, no Japão, recentemente seu Primeiro Ministro rejeitou o fechamento das usinas nucleares no país, pela impossibilidade de sua substituição por outras fontes de geração de energia.

Estamos, pois, frente a um dramático dilema, aparentemente insolúvel. A tragédia de Fukushima mostrou que as usinas nucleares, ainda que geralmente muito confiáveis, a exemplo de mais de quatro centenas delas em funcionamento contínuo no mundo, estão sempre sujeitas a sérios acidentes imprevistos, ainda que raros e muito improváveis. Nenhum produto da mente humana é totalmente imune a falhas e, no caso das usinas nucleares, quando elas ocorrem, amplas áreas geográficas podem ser contaminadas por isótopos radioativos durante décadas ou séculos. Mesmo considerando ser a contaminação sempre relativamente limitada sob o aspecto geográfico, ela constitui um fato de imensa gravidade.

Por outro lado, sem o alarde mundial sempre provocado por qualquer acidente nuclear, as usinas térmicas a combustíveis fósseis, diariamente e em silêncio, despejam na atmosfera quantidades gigantescas de gases do efeito estufa, com decorrências de âmbito global que irão gerar no espaço de poucas décadas mudanças climáticas irreversíveis e devastadoras, atingindo toda a humanidade durante milênios.

Fica, portanto, evidente um perverso dilema: risco permanente de acidentes nas usinas nucleares com possíveis contaminações radioativas regionais graves e duradouras, ou mudanças climáticas gradativas com efeitos sociais e biológicos danosos de enormes dimensões e durabilidade, a efetivarem-se dentro de algumas décadas.

Às sociedades humanas cabe essa dura escolha.

Fonte: O Eco

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