A força: capilaridade, legitimidade e representatividade da sociedade civil
Mesmo apanhando da polícia dinamarquesa, a sociedade civil mostrou em Copenhague que a repercussão e a força política que se reúne em torno dos temas climáticos é crescente. E a força do movimento representado por essas Organizações da Sociedade Civil (OSC's) poderá ser primordial para demover os chefes de estado da postura esquiva e protelatória que demonstraram na COP 15. Outra boa constatação de Copenhague: a massiva presença da mídia, cuja adesão poderá favorecer a informação e o consequente maior engajamento de outros setores da sociedade. Portanto, a atuação da imprensa e da sociedade civil será indispensável para:
Manter a prioridade do assunto na agenda política e diplomática mundial.
Ajudar a traduzir para o grande público os complexos conceitos teóricos e os consequentes debates que se travam entre os diversos grupos de pressão.
Unir forças na sociedade (academia, lideranças comunitárias, lideranças políticas, setores empresariais, profissionais, planejadores públicos e privados, etc) para formar massa crítica em favor das mudanças climáticas.
Atuar de forma que os discursos se revertam efetivamente em ações práticas, com a implementação das medidas necessárias para reverter os problemas socioambientais.
Mas, como fortalecer institucionalmente e politicamente essas organizações para que elas deixem de ser vistas como meros desordeiros incômodos que devam ser reprimidos a força, como vimos em Copenhague, para que sejam reconhecidos como agentes da transformação?
Como medir a legitimidade dessas organizações? O Brasil tinha uma delegação de mais de 700 representantes na COP 15. De longe, era a maior de todas as delegações. Isso nos deu qualidade? Alguns dos nossos melhores nomes, entre cientistas, ambientalistas, líderes de movimentos sociais e outros atores sociais, estavam presentes, além de lobistas e representantes de interesses específicos, sendo alguns até de resistência às mudanças (ruralistas, etc). Acho que a presença desses grupos de pressão necessário e compreensível, pois são representativos de segmentos fortes da sociedade. Mas na delegação, também estavam muitos apadrinhados e pessoas sem expressão ou envolvimento com a causa.
Então, como dar transparência e garantir a democracia no processo de seleção dos representantes que atuarão diretamente nos processos de tomada de decisão? A resposta não virá por iniciativa do governo, que forma oficialmente essas delegações. Os interesses políticos mais provincianos continuarão a prevalecer na composição desses grupos. Cabe à própria sociedade civil organizar-se e influenciar essa escolha.
Os desvios e o estigma
Apesar da importância e do desafio que é aumentar a sua capacidade de influência nos debates do clima, as OSC's precisam resolver problemas bem menos estimulantes e edificantes. No front doméstico, as OSC's precisam reverter um ambiente desfavorável e de desconfiança que se reforça a cada vez que surgem (e isso significa dizer: a toda hora) novas denúncias de má aplicação de recursos públicos por certas organizações. Normalmente, referem-se àquelas organizações com grande proximidade e estreitos vínculos com os donos do poder, e que existem justamente para perpetuar os seus mentores no poder.
Envoltas em escândalos, estas "organizações" acabam por emprestar a sua má reputação a todo o Terceiro Setor. E o que vemos como resposta institucional é uma nebulosa e cenográfica ação moralizadora nos parlamentos. Criam-se CPI's no Congresso, que servem para barganhar mais algumas vantagens a certos parlamentares e, principalmente, para sepultar as incômodas investigações e ceder atestados de honestidade ("meus adversários não conseguiram provar nada contra mim", dizem aliviados) e dar um salvo conduto para que tudo continue da mesma forma. A impunidade é quase uma regra.
Mas, e as aparências? O que sobra das tais medidas moralizadoras, quase sempre, é mais um acervo de burocracia que só incomoda a aquelas organizações que atuam de forma séria e sem os privilégios oferecidos pela corte. Essas, acabam alvejadas pelas novas pilhas de formulários (que devem sempre ser apresentadas com as infindáveis, dispendiosas e inúteis autenticações e firmas reconhecidas), e com o controle, ... do controle, ...do controle, imposto pelos órgãos públicos.
E o pior ainda está por vir. 2010 será um ano eleitoral e, como sempre acontece, surgirão denúncias de abusos e de irregularidades daquelas "organizações" ligadas a políticos: os chamados "projetos sociais", com suas consultas médicas e ambulâncias "grátis", programas clientelistas, que nada mais são do que um reforço dos instrumentos de dominação e persuasão a serviço do arrebanhador de votos locais.
Paradoxos e contradições do modelo: O problema do financiamento das ações das OSC's
Recentemente, um grupo de OSC's brasileiras e internacionais se reuniu em Recife para o Seminário “Sustentabilidade e Mobilização de Recursos para as OSCs – Uma visão Político-Estratégica para o Desenvolvimento do Nordeste”, para debater o cenário do financiamento dos programas desenvolvidos. A conclusão é que os repasses de recursos internacionais para as OSC's brasileiras estão minguando, pois o Brasil não é mais visto como um país pobre e os investimentos estão sendo deslocados para outros países mais pobres da América Latina, África e Ásia. Em Copenhague, o presidente Lula disse que o Brasil assumiria o custeio das suas ações e que não precisamos de recursos externos.
O grande problema é que as OSC's brasileiras, principalmente no Norte e no Nordeste, sempre dependeram de recursos significativos repassados por fontes no exterior e acontece que o Brasil não está preparado para suprir os recursos para que os programas sociais e ambientais. Nossas fontes governamentais para o financiamento das OSC's estão travadas por exigências burocráticas. O financiamento privado ainda é limitado e extremamente dependente dos sistemas de renúncia fiscal.
E ai está o problema. No ímpeto moralizador, cada vez mais, os recursos oriundos de renúncia fiscal (incentivos fiscais: Lei Rouannet, Lei de Incentivo ao Esporte, instrumentos estaduais do RJ de incentivos de ICMS, instrumentos municipais de ISS, etc) passam a ser rigorosamente controlados pelo poder público. Isso significa uma enervante e ineficaz burocracia. A cada dia, o custo administrativo para as OSC's receberem recursos de incentivos fiscais, que são captados na iniciativa privada após cumprir-se uma "via crucis" burocrática nos órgãos públicos, torna-se mais dispendioso. Por sua vez, monta-se uma exército de analistas de projetos nos órgãos públicos. E as normas do ímpeto moralizador exigem que as OSC's não tenham fins lucrativos (correto), tenham diretorias voluntárias e não-remunaradas e, pior, destringe-se cada vez mais que sejam incluídos nos projetos as taxas de administração. Como então pagar as despesas da burocracia crescente? Com tudo isso, a eficiência de todo o processo é cada vez mais baixa e quem perde é, em particular, as comunidades que se beneficiariam dos projetos.
Os principais países do mundo incentivam as suas organizações civis. Mas, em nenhum outro lugar temos o modelo engessado e ineficiente, baseado numa forte mas ineficiente intervenção burocrática governamental, como verificamos no Brasil.
Resta fazer as seguintes perguntas:
Qual o custo burocrático de cada real aplicado em projetos incentivados no Brasil? Considerando o enorme esforço administrativo (de parte a parte: sociedade civil, governo e patrocinador), que é necessário para cumprir toda a exigência burocrática, quanto dos recursos destinados a um projetos social, esportivo e cultural realmente chega às comunidades, às atividades fim?
Que Terceiro Setor queremos ter? A prosseguir no mesmo rumo, com as dificuldades cada vez maiores para as OSC's, afetando a eficiência da atuação das mesmas, que organização resistirão? Os projetos sociais dos políticos?
CONCLUSÃO: O Brasil precisa, urgentemente, de um Marco Regulatório para o Terceiro Setor, para que o trabalho das OSC's se fortaleça, para o benefício de toda a sociedade.
Por Axel Grael.
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