sábado, 22 de junho de 2019

Projeto enfrenta síndrome da floresta vazia e devolve espécies às matas



Jabutis que serão soltos no Parque Nacional da Tijuca passam por aclimatação em Seropédica Foto: Márcia Foletto / Agência O Globo

Jabuti-tinga será a terceira espécie a ser reintroduzida na floresta pelo projeto Refauna Foto: Márcia Foletto / Agência O Globo

O bugio, também conhecido popularmente por macaco-uivador ou barbado, foi o segundo animal levados de volta ao Parque Nacional da Tijuca pelo projeto Refauna Foto: Márcia Foletto / Agência O Globo

Araras-canindés estão no escopo de espécies alvo do projeto Refauna Foto: Márcia Foletto

Pássaros trinca-ferros que foram apreendidos e que irão voltar ao Parque Nacional da Tijuca Foto: Márcia Foletto / Agência O Globo


Pesquisadores reintroduzem no Parque Nacional da Tijuca animais nativos que foram extintos em decorrência de caça e desmatamento

Audrey Furlaneto

RIO - No mês passado, 49 jabutis partiram de Cuiabá em oito voos diferentes, em 16 caixas de madeira feitas sob medida. Os cascos dos bichos, que têm manchas amarelas, característica da espécie jabuti-tinga, foram marcados com números, colados com massa de moldar, e, em breve, receberão radiotransmissores.

Em julho, começa a segunda parte da viagem dos quelônios do Mato Grosso rumo ao Parque Nacional da Tijuca, no Rio: eles deixarão o Centro de Triagem de Animais Silvestres (Cetas), do Ibama, em Seropédica, onde desembarcaram no mês passado, rumo a um cercado de aclimatação no meio da mata. Passarão alguns meses ali até, enfim, serem reintroduzidos, livres, na floresta.

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Os jabutis serão a terceira espécie no foco do projeto Refauna, criado dez anos atrás por pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) e Instituto Federal do Rio de Janeiro (IFRJ), e que hoje tem parcerias com diversas instituições, como o Parque Nacional da Tijuca, o RioZoo, a Fundação Oswaldo Cruz, a PUC-Rio e o Ibama.

Sob o signo da ‘refaunação’

Desde a criação do projeto, cutias e bugios voltaram à Floresta da Tijuca, para ajudar a tratar um mal de que padece aquela vegetação, a síndrome da floresta vazia. O problema, resultado de desmatamento, caça e outras ações predatórias do homem, é recorrente em florestas tropicais — abundantes em vegetação e pobres em fauna.

Para combatê-lo, os biólogos do projeto se firmaram na ideia de “refaunação”, termo cunhado em 2010 por Fernando Fernandez e Luiz Gustavo Oliveira Santos e diferente da definição original de “rewilding”. Dos anos 1990, o conceito americano criado pelos biólogos Michael Soulé e Reed Noss propõe como estratégia conservacionista reintroduzir na natureza animais de topo de cadeia, muitos extintos localmente há milhares de anos, com o propósito de reativar ecossistemas extintos.

Para o biólogo Fernando Fernandez, que dirige o Laboratório de Ecologia e Conservação de Populações da UFRJ, no entanto, o conceito original de “rewilding” seria problemático por uma série de motivos. Deslocar exemplares de uma espécie, muitas vezes ameaçada como os leões, de um local ao outro do planeta, por exemplo, pode aumentar os riscos para a população-fonte. Fernandez, por outro lado, propõe a “refaunação”, que inspira o nome e o trabalho do projeto de reintrodução de espécies na Floresta da Tijuca.

— A ideia do Refauna começa com a floresta vazia. Você hoje anda pela Mata Atlântica e não vê mais onça, anta, muriqui, queixada, cateto. E pode-se até achar que a Mata Atlântica é isso mesmo, mas não é o normal. Se não vemos bichos na floresta, é porque as espécies foram exterminadas por nós — diz Fernandez. — No Rio, a Floresta da Tijuca é uma floresta vazia de 4 mil hectares, sem onça, sem anta, sem jaguatirica, sem mico-leão, para falar só de alguns mamíferos, e sem a esmagadora maioria das espécies de aves.

De cutias a araras

Para “refaunar” a floresta, os pesquisadores fazem, antes, um “trabalho investigativo”, como define o coordenador técnico do projeto, Marcelo Rheingantz, biólogo que também integra o Laboratório de Ecologia e Conservação de Populações da UFRJ. Ele conta que, primeiro, busca-se registro, sobretudo entre os naturalistas que passaram pelo país no século 19, de animais que tenham vivido na região. Em seguida, avalia-se se o ambiente é adequado e quais interações ecológicas poderiam promover na floresta.

As cutias, primeira espécie reintroduzida pelo Refauna, nos idos de 2010, são ótimas dispersoras de sementes e, portanto, ajudam no replantio de árvores na floresta. Abundantes no Campo de Santana, estavam extintas da Tijuca desde os anos 1970. Migraram do centro da cidade para o parque. Depois de reintroduzidos, estes roedores que vivem em média quatro anos já deixaram novas gerações pelos setores do parque nacional no Rio. Habilidosas com as mãos e donas de mandíbulas fortes, as cutias quebram frutos grandes e, muitas vezes, enterram no solo sementes, numa manobra para estocar alimentos para momentos de diminuição de recursos.

Depois das cutias , vieram os bugios. Da espécie Alouatta guariba, seis deles foram reintroduzidos no parque. Um casal se formou. Kala e Juvenal tiveram três filhotes, dos quais dois, Ariel e Tupi, vingaram. O processo de reintrodução dos primatas parou em meio aos casos de febre amarela no Rio. Atualmente, quatro candidatos estão em processo de imunização e aguardam autorização para serem liberados no parque.

Os pesquisadores têm ao menos 20 espécies na mira para solturas futuras. Entre os primatas, estão o mico-leão dourado e o muriqui. De felinos, são possibilidades a jaguatirica e o gato-do-mato. Da seara das aves, a arara-canindé também é forte candidata.


Fonte: O Globo








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