Por 10 votos a 1, tribunal chancela Decreto 4.887. Decisão é derrota para governo Temer e ruralistas
Os quilombolas de todo o Brasil tiveram, hoje (8/2), no Supremo Tribunal Federal (STF), uma vitória histórica em defesa de seu direito à terra. Por sua vez, o governo de Michel Temer, a bancada ruralista, a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) e a Confederação Nacional da Indústria (CNI) sofreram uma derrota igualmente importante.
Por 10 votos a 1, os ministros declararam constitucional o Decreto 4.887/2003, que regulamenta a oficialização dos quilombos. Em 2012, o ministro César Peluzo acatou integralmente a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3.239 contra a norma, proposta pelo DEM,em 2003. Peluso foi o relator do caso e já se aposentou. Gilmar Mendes e Dias Toffoli consideraram o decreto constitucional, mas acolheram parte dos argumentos do partido. Assim como Peluso, eles defenderam a aplicação do “marco temporal” às titulações. Segundo a tese ruralista, só deveriam ter direito ao seu território as comunidades que estavam em sua posse em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição. Afinal, os três foram voto vencido: sete ministros manifestaram-se contra o “marco temporal” e o ministro Marco Aurélio não se pronunciou sobre o assunto.
Nesta semana, o presidente do DEM, senador Agripino Maia (RN), chegou a admitir que a ação é um "equívoco do passado" (leia aqui).
Também foram chancelados pela maioria dos ministros o critério da autoatribuição - segundo o qual é a própria comunidade que diz quem são seus integrantes e onde está localizada – e a noção de que seu território deve ser suficiente para sua reprodução física, cultural e social.
"Este é um primeiro passo no reconhecimento da dívida que o Estado brasileiro tem com os quilombolas, assim como também tem com os indígenas", ressaltou, emocionado, ao final do julgamento, Denildo Rodrigues, o Biko, da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq). Ele cobrou que o governo não apenas avance nas titulações, mas que também leve políticas públicas de saúde, educação, segurança e agricultura aos quilombos.
A regularização dos quilombos já estava em marcha lenta no governo de Dilma Rousseff e a situação continuou na administração Temer, cuja principal base de apoio é a bancada ruralista (saiba mais). Os ruralistas pressionam pela paralisação definitiva das titulações. Em abril de 2017, a BBC Brasil divulgou que a Casa Civil teria determinado a suspensão dos processos até que o STF terminasse o julgamento (saiba mais).
Hoje, a retomada do caso teve momentos emocionantes. Mendes e o ministro Luiz Roberto Barroso voltaram a trocar farpas, como tem ocorrido nos últimos meses em assuntos diversos. Barroso insistiu que o direito quilombola à terra previsto na Constituição pode ser regulamentado por meio de um decreto, enquanto Mendes discordou, defendendo a posição do DEM. A presidente do tribunal, Cármen Lúcia, precisou intervir e finalizar a discussão.
Em pelo menos duas oportunidades, em aparte aos colegas, Toffoli tentou convencer o plenário de que sua posição não prejudicaria os quilombolas. Afinal, não teve sucesso. A ministra Rosa Weber disse que irá retirar a citação ao “marco temporal” de seu voto. Como foi ela que abriu a divergência com o relator, em 2015, e seu voto foi acompanhado pela maioria dos ministros, isso sacramentou a decisão de rejeitar tese.
Decisão
“Não existe hoje nenhum motivo, razão ou circunstância para a política de titulação de quilombos estar ou continuar paralisada. O que se espera agora que é que a administração pública dê continuidade e conclua os processos”, comenta Juliana de Paula Batista, advogada do ISA. “Hoje, tivemos uma grande demonstração da mudança do posicionamento do STF. Temos uma configuração diferente daquela na qual foi julgado o caso da Terra Indígena Raposa-Serra do Sol (RR), de 2009, quando apareceu a tese do ‘marco temporal’”, analisa.
Durante o julgamento, o ministro Gilmar Mendes disse que o governo poderia publicar um novo decreto para regulamentar o assunto, se o STF chancelasse a norma atual. Ele usou como exemplos conflitos entre quilombolas e as Forças Armadas para defender sua afirmação.
“Se viesse um decreto em outros termos, diferentes do que o Supremo decidiu, certamente o tribunal diria que esse decreto é inconstitucional. Não acredito que o governo fará uma aposta confrontando o Supremo, que fez seu exercício legítimo de afirmar a constitucionalidade de uma norma”, avalia a procuradora federal dos Direitos do Cidadão, Deborah Duprat.
O voto considerado mais progressista veio do ministro Edson Fachin, o primeiro a falar hoje. Ele disse que, como um direito fundamental, o direito quilombola à terra deve ter a máxima eficácia da Constituição. “Se, já em relação à questão indígena, o ‘marco temporal’ enseja questionamentos de complexa solução, até mesmo em virtude da positivação do direito em diversas leis e constituições anteriores à Constituição vigente, em relação ao reconhecimento do direito à propriedade das terras tradicionais quilombolas a questão se revela com contornos ainda mais sensíveis”, afirmou.
Fachin e outros ministros repetiram que o “marco temporal” desconsidera o histórico de violências sofrido pelos quilombolas e que muitas comunidades não têm ou tiveram condições de entrar com ações judiciais em defesa de suas terras, de provar que foram expulsas ou que enfrentaram conflitos por causa delas, como determina a versão da tese defendida pelos ruralistas.
Ricardo Lewandowski foi duro, chegando a classificar de “prova diabólica” a exigência prevista no “marco temporal”. “[O autor da ADI] não logrou demonstrar ainda que minimamente as supostas violações constitucionais do decreto. O autor está revelando mero inconformismo com os critérios adotados pelo decreto. Não se conforma com esses critérios e quer impor à corte e à sociedade os próprios critérios”, criticou.
O decano da corte, Celso de Melo, lembrou do papel do STF de proteger as minorias contra as maiorias na democracia e reforçou o status constitucional da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que foi ratificada pelo Brasil e reconhece internacionalmente os direitos indígenas e quilombolas à terra.
“Os remanescentes das comunidades quilombolas, sem garantia da permanência em suas terras, expõem-se ao risco gravíssimo da desestruturação cultural, da perda de sua identidade étnica, da dissolução de seus vínculos históricos, sociais e antropológicos e da erosão mesma de sua própria consciência e percepção como integrantes de um povo”, afirmou.
“Não existe hoje nenhum motivo, razão ou circunstância para a política de titulação de quilombos estar ou continuar paralisada. O que se espera agora que é que a administração pública dê continuidade e conclua os processos”, comenta Juliana de Paula Batista, advogada do ISA. “Hoje, tivemos uma grande demonstração da mudança do posicionamento do STF. Temos uma configuração diferente daquela na qual foi julgado o caso da Terra Indígena Raposa-Serra do Sol (RR), de 2009, quando apareceu a tese do ‘marco temporal’”, analisa.
Durante o julgamento, o ministro Gilmar Mendes disse que o governo poderia publicar um novo decreto para regulamentar o assunto, se o STF chancelasse a norma atual. Ele usou como exemplos conflitos entre quilombolas e as Forças Armadas para defender sua afirmação.
“Se viesse um decreto em outros termos, diferentes do que o Supremo decidiu, certamente o tribunal diria que esse decreto é inconstitucional. Não acredito que o governo fará uma aposta confrontando o Supremo, que fez seu exercício legítimo de afirmar a constitucionalidade de uma norma”, avalia a procuradora federal dos Direitos do Cidadão, Deborah Duprat.
O voto considerado mais progressista veio do ministro Edson Fachin, o primeiro a falar hoje. Ele disse que, como um direito fundamental, o direito quilombola à terra deve ter a máxima eficácia da Constituição. “Se, já em relação à questão indígena, o ‘marco temporal’ enseja questionamentos de complexa solução, até mesmo em virtude da positivação do direito em diversas leis e constituições anteriores à Constituição vigente, em relação ao reconhecimento do direito à propriedade das terras tradicionais quilombolas a questão se revela com contornos ainda mais sensíveis”, afirmou.
Fachin e outros ministros repetiram que o “marco temporal” desconsidera o histórico de violências sofrido pelos quilombolas e que muitas comunidades não têm ou tiveram condições de entrar com ações judiciais em defesa de suas terras, de provar que foram expulsas ou que enfrentaram conflitos por causa delas, como determina a versão da tese defendida pelos ruralistas.
Ricardo Lewandowski foi duro, chegando a classificar de “prova diabólica” a exigência prevista no “marco temporal”. “[O autor da ADI] não logrou demonstrar ainda que minimamente as supostas violações constitucionais do decreto. O autor está revelando mero inconformismo com os critérios adotados pelo decreto. Não se conforma com esses critérios e quer impor à corte e à sociedade os próprios critérios”, criticou.
O decano da corte, Celso de Melo, lembrou do papel do STF de proteger as minorias contra as maiorias na democracia e reforçou o status constitucional da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que foi ratificada pelo Brasil e reconhece internacionalmente os direitos indígenas e quilombolas à terra.
“Os remanescentes das comunidades quilombolas, sem garantia da permanência em suas terras, expõem-se ao risco gravíssimo da desestruturação cultural, da perda de sua identidade étnica, da dissolução de seus vínculos históricos, sociais e antropológicos e da erosão mesma de sua própria consciência e percepção como integrantes de um povo”, afirmou.
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