Documentos terão como base o conceito-chave "Contribuições da Natureza para as Pessoas", apresentado por cientistas da plataforma intergovernamental em artigo na Science (foto: Anya / Wikimedia |
IPBES lança em março novos relatórios sobre o status da biodiversidade
Karina Toledo | Agência FAPESP – Cinco novos relatórios sobre o status da biodiversidade no planeta serão divulgados em março, na Colômbia, durante a 6ª Reunião Plenária da Plataforma Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES) – entidade criada em 2012 com a missão de sistematizar o conhecimento científico sobre o tema e, assim, subsidiar decisões políticas em âmbito internacional.
O evento será realizado em Medelín de 17 a 24 de março. Entre os participantes estará Carlos Alfredo Joly, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), coordenador do programa BIOTA-FAPESP e membro do Painel Multidisciplinar de Especialistas (MEP) da IPBES. Também estará presente a pesquisadora Cristiana Simão Seixas, do Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais (Nepam) da Unicamp.
“Será debatida e aprovada uma avaliação global temática sobre Degradação e Restauração de Áreas Degradadas, além de quatro avaliações regionais sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos – uma com foco nas Américas, outra na África, a terceira na região da Europa e Ásia Central e, a última, Ásia e Pacífico”, contou Joly.
Como explicou o coordenador do BIOTA, as quatro regiões do planeta não foram divididas segundo os critérios geopolíticos tradicionalmente adotados pela Organização das Nações Unidas (ONU) e sim com base na biogeografia, ou seja, nos padrões de evolução da biodiversidade de cada região geográfica.
Os relatórios regionais servirão de base para o primeiro Diagnóstico Global sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos, previsto para 2019 – documento que deverá orientar a tomada de decisão em todas as convenções da área. Seixas, da Unicamp, integra a equipe que coordenou o Diagnóstico Regional das Américas.
Além dos relatórios na íntegra, também serão divulgados em março os sumários para os tomadores de decisão – tanto políticos na área pública como gestores ambientais no setor privado. Esses resumos serão elaborados com uma linguagem acessível a um público mais amplo.
Contribuições da Natureza para as Pessoas
De acordo com Joly, todos os documentos divulgados pela IPBES a partir de 2018 terão como base um novo conceito denominado Nature’s Contributions to People (Contribuições da Natureza para as Pessoas ou NCP, na sigla em inglês), detalhado por cientistas ligados à plataforma em artigo publicado em janeiro na revista Science.
Trata-se de uma evolução do conceito de “serviços ecossistêmicos”, introduzido originalmente em 2005, no relatório Millennium Ecosystem Assessment da ONU.
“Naquela ocasião, foram definidos como serviços ambientais ou ecossistêmicos todos aqueles benefícios que a humanidade obtém da natureza direta ou indiretamente, como polinização, purificação da água e do ar, fertilização dos solos e dispersão de sementes. Essa abordagem permitiu atribuir valores para esses serviços. Por exemplo, a polinização no Estado de São Paulo valeria, no mínimo, o equivalente ao ganho monetário com a produção de laranja – que depende integralmente dos polinizadores”, explicou Joly.
Os serviços ecossistêmicos foram divididos em quatro categorias: Serviços de Provisão (produtos como alimentos, água doce, fibras, compostos químicos, madeira); Serviços de Regulação (processos naturais que regulam as condições ambientais, como absorção de dióxido de carbono pela fotossíntese das florestas, controle do clima, polinização de plantas, controle de doenças e pragas); Serviços de Suporte (contribuem para a produção de outros serviços ecossistêmicos, como ciclagem de nutrientes, formação do solo, dispersão de sementes); e Serviços Culturais (relacionados com benefícios recreacionais, educacionais, estéticos e espirituais).
Com o passar dos anos, porém, os membros da IPBES avaliaram ser necessária uma nova classificação que, além de questões financeiras, considerasse os benefícios imateriais proporcionados à humanidade, como o uso tradicional de uma determinada região por populações indígenas ou a possibilidade de desfrutar uma paisagem natural preservada.
“É uma visão mais holística e que leva em consideração percepções de diferentes culturas. Por exemplo, em vez de defender a preservação de uma determinada área apenas pelo fato de ela proteger recursos hídricos, leva-se em conta que aquela região tem um valor intrínseco por ser conservada. Tem pessoas que vão pagar para ficar em uma pousada ao lado da área preservada. Ou então argumenta-se que a área é relevante para índios Guarani, que extraem o bambu nativo para sua cestaria. Atualmente, estes aspectos não são adequadamente considerados”, disse Joly.
O artigo publicado na Science foi elaborado por 30 cientistas liderados por Sandra Díaz, da Universidade Nacional de Córdoba, na Argentina, e Unai Pascual, do Centro Basco para Mudanças Climáticas, na Espanha.
“Por mais de uma década, as políticas públicas relacionadas à natureza foram dominadas pelo conhecimento das ciências naturais e da economia”, disse Díaz. “A pesquisa vibrante desenvolvida a partir da abordagem de serviços ecossistêmicos avançou na questão da sustentabilidade, mas ignorou as evidências e as ferramentas das ciências sociais, humanidades e outras visões de mundo. A noção muito mais ampla das NCPs enfatiza que a cultura é fundamental para todos os laços entre as pessoas e a natureza e reconhece outros sistemas de conhecimento, como, por exemplo, as comunidades locais e os povos indígenas, muito mais do que antes.”
“Este novo contexto conceitual inclusivo demonstra que, embora a natureza ofereça uma recompensa de bens e serviços essenciais, como alimentos, proteção contra inundações e muito mais, possui um rico significado social, cultural, espiritual e religioso que também precisa ser avaliado na elaboração de políticas públicas”, disse Robert Watson, presidente da IPBES.
Joly ressalta, no entanto, que no Brasil a valoração dos serviços ecossistêmicos na elaboração de políticas públicas é algo ainda embrionário. “Estamos tentando fazer avançar uma legislação que reconheça a importância, por exemplo, de manter paisagens conservadas ao lado de áreas cultivadas e outras questões associadas à preservação dos serviços ecossistêmicos”, disse.
Prestes a concluir seu segundo mandato no MEP, o coordenador do BIOTA se despedirá da plataforma em março. Na 6ª Reunião Plenária da IPBES, pelo menos 12 dos 25 membros serão renovados. A escolha leva em conta especialidade, reconhecimento na comunidade científica e distribuição entre países da região. Atualmente, a plataforma conta com representantes de 124 países-membros da ONU.
Ao longo dos seis anos que representou o Brasil, Joly coordenou as ações de Capacity Building (capacitação de profissionais e instituições) da plataforma (leia mais em: http://agencia.fapesp.br/19840). Além disso, coordenou o MEP nos seus primeiros anos de existência, ao lado do australiano Mark Londsdeale, da Organização de Pesquisa Científica e Industrial da Commonwealth (CSIRO).
A experiência adquirida na coordenação do BIOTA e na IPBES levaram Joly – ao lado de Fábio Scarano (Fundação Brasileira de Desenvolvimento Sustentável e Universidade Federal do Rio de Janeiro), Cristiana Seixas (Unicamp), Jean Paul Metzger (Universidade de São Paulo), Jean Pierre Ometto (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) e Mercedes Bustamante (Universidade de Brasília) – a criar, em fevereiro de 2017, a Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (BPBES). (leia mais em http://agencia.fapesp.br/24787 e http://agencia.fapesp.br/24841).
O artigo Assessing nature's contributions to people (doi: 10.1126/science.aap8826), de Sandra Díaz, Unai Pascual e colaboradores, pode ser lido em http://science.sciencemag.org/content/359/6373/270.
Karina Toledo | Agência FAPESP – Cinco novos relatórios sobre o status da biodiversidade no planeta serão divulgados em março, na Colômbia, durante a 6ª Reunião Plenária da Plataforma Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES) – entidade criada em 2012 com a missão de sistematizar o conhecimento científico sobre o tema e, assim, subsidiar decisões políticas em âmbito internacional.
O evento será realizado em Medelín de 17 a 24 de março. Entre os participantes estará Carlos Alfredo Joly, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), coordenador do programa BIOTA-FAPESP e membro do Painel Multidisciplinar de Especialistas (MEP) da IPBES. Também estará presente a pesquisadora Cristiana Simão Seixas, do Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais (Nepam) da Unicamp.
“Será debatida e aprovada uma avaliação global temática sobre Degradação e Restauração de Áreas Degradadas, além de quatro avaliações regionais sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos – uma com foco nas Américas, outra na África, a terceira na região da Europa e Ásia Central e, a última, Ásia e Pacífico”, contou Joly.
Como explicou o coordenador do BIOTA, as quatro regiões do planeta não foram divididas segundo os critérios geopolíticos tradicionalmente adotados pela Organização das Nações Unidas (ONU) e sim com base na biogeografia, ou seja, nos padrões de evolução da biodiversidade de cada região geográfica.
Os relatórios regionais servirão de base para o primeiro Diagnóstico Global sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos, previsto para 2019 – documento que deverá orientar a tomada de decisão em todas as convenções da área. Seixas, da Unicamp, integra a equipe que coordenou o Diagnóstico Regional das Américas.
Além dos relatórios na íntegra, também serão divulgados em março os sumários para os tomadores de decisão – tanto políticos na área pública como gestores ambientais no setor privado. Esses resumos serão elaborados com uma linguagem acessível a um público mais amplo.
Contribuições da Natureza para as Pessoas
De acordo com Joly, todos os documentos divulgados pela IPBES a partir de 2018 terão como base um novo conceito denominado Nature’s Contributions to People (Contribuições da Natureza para as Pessoas ou NCP, na sigla em inglês), detalhado por cientistas ligados à plataforma em artigo publicado em janeiro na revista Science.
Trata-se de uma evolução do conceito de “serviços ecossistêmicos”, introduzido originalmente em 2005, no relatório Millennium Ecosystem Assessment da ONU.
“Naquela ocasião, foram definidos como serviços ambientais ou ecossistêmicos todos aqueles benefícios que a humanidade obtém da natureza direta ou indiretamente, como polinização, purificação da água e do ar, fertilização dos solos e dispersão de sementes. Essa abordagem permitiu atribuir valores para esses serviços. Por exemplo, a polinização no Estado de São Paulo valeria, no mínimo, o equivalente ao ganho monetário com a produção de laranja – que depende integralmente dos polinizadores”, explicou Joly.
Os serviços ecossistêmicos foram divididos em quatro categorias: Serviços de Provisão (produtos como alimentos, água doce, fibras, compostos químicos, madeira); Serviços de Regulação (processos naturais que regulam as condições ambientais, como absorção de dióxido de carbono pela fotossíntese das florestas, controle do clima, polinização de plantas, controle de doenças e pragas); Serviços de Suporte (contribuem para a produção de outros serviços ecossistêmicos, como ciclagem de nutrientes, formação do solo, dispersão de sementes); e Serviços Culturais (relacionados com benefícios recreacionais, educacionais, estéticos e espirituais).
Com o passar dos anos, porém, os membros da IPBES avaliaram ser necessária uma nova classificação que, além de questões financeiras, considerasse os benefícios imateriais proporcionados à humanidade, como o uso tradicional de uma determinada região por populações indígenas ou a possibilidade de desfrutar uma paisagem natural preservada.
“É uma visão mais holística e que leva em consideração percepções de diferentes culturas. Por exemplo, em vez de defender a preservação de uma determinada área apenas pelo fato de ela proteger recursos hídricos, leva-se em conta que aquela região tem um valor intrínseco por ser conservada. Tem pessoas que vão pagar para ficar em uma pousada ao lado da área preservada. Ou então argumenta-se que a área é relevante para índios Guarani, que extraem o bambu nativo para sua cestaria. Atualmente, estes aspectos não são adequadamente considerados”, disse Joly.
O artigo publicado na Science foi elaborado por 30 cientistas liderados por Sandra Díaz, da Universidade Nacional de Córdoba, na Argentina, e Unai Pascual, do Centro Basco para Mudanças Climáticas, na Espanha.
“Por mais de uma década, as políticas públicas relacionadas à natureza foram dominadas pelo conhecimento das ciências naturais e da economia”, disse Díaz. “A pesquisa vibrante desenvolvida a partir da abordagem de serviços ecossistêmicos avançou na questão da sustentabilidade, mas ignorou as evidências e as ferramentas das ciências sociais, humanidades e outras visões de mundo. A noção muito mais ampla das NCPs enfatiza que a cultura é fundamental para todos os laços entre as pessoas e a natureza e reconhece outros sistemas de conhecimento, como, por exemplo, as comunidades locais e os povos indígenas, muito mais do que antes.”
“Este novo contexto conceitual inclusivo demonstra que, embora a natureza ofereça uma recompensa de bens e serviços essenciais, como alimentos, proteção contra inundações e muito mais, possui um rico significado social, cultural, espiritual e religioso que também precisa ser avaliado na elaboração de políticas públicas”, disse Robert Watson, presidente da IPBES.
Joly ressalta, no entanto, que no Brasil a valoração dos serviços ecossistêmicos na elaboração de políticas públicas é algo ainda embrionário. “Estamos tentando fazer avançar uma legislação que reconheça a importância, por exemplo, de manter paisagens conservadas ao lado de áreas cultivadas e outras questões associadas à preservação dos serviços ecossistêmicos”, disse.
Prestes a concluir seu segundo mandato no MEP, o coordenador do BIOTA se despedirá da plataforma em março. Na 6ª Reunião Plenária da IPBES, pelo menos 12 dos 25 membros serão renovados. A escolha leva em conta especialidade, reconhecimento na comunidade científica e distribuição entre países da região. Atualmente, a plataforma conta com representantes de 124 países-membros da ONU.
Ao longo dos seis anos que representou o Brasil, Joly coordenou as ações de Capacity Building (capacitação de profissionais e instituições) da plataforma (leia mais em: http://agencia.fapesp.br/19840). Além disso, coordenou o MEP nos seus primeiros anos de existência, ao lado do australiano Mark Londsdeale, da Organização de Pesquisa Científica e Industrial da Commonwealth (CSIRO).
A experiência adquirida na coordenação do BIOTA e na IPBES levaram Joly – ao lado de Fábio Scarano (Fundação Brasileira de Desenvolvimento Sustentável e Universidade Federal do Rio de Janeiro), Cristiana Seixas (Unicamp), Jean Paul Metzger (Universidade de São Paulo), Jean Pierre Ometto (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) e Mercedes Bustamante (Universidade de Brasília) – a criar, em fevereiro de 2017, a Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (BPBES). (leia mais em http://agencia.fapesp.br/24787 e http://agencia.fapesp.br/24841).
O artigo Assessing nature's contributions to people (doi: 10.1126/science.aap8826), de Sandra Díaz, Unai Pascual e colaboradores, pode ser lido em http://science.sciencemag.org/content/359/6373/270.
Fonte: Agência FAPESP
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