São Joaquim (MV25), um dos barcos utilizados para as aulas de vela no Projeto Grael. Foto acervo do Projeto Grael. |
PROJETO GRAEL: ESPORTE E MEIO AMBIENTE DE MÃOS DADAS
Por Patrícia Osandón
Quando, na adolescência, Axel Grael, irmão dos medalhistas olímpicos Lars e Torben Grael, deparou-se com a poluição na Baía de Guanabara, no Rio de Janeiro, não encontrou quem pudesse solucionar o problema. Hoje, personalidade de destaque do esporte, engenheiro florestal e ambientalista, Axel preside o Projeto Grael, do Instituto Rumo Náutico, que tem, entre vários objetivos, a finalidade de ensinar crianças e adolescentes sobre a importância de cuidar e preservar o meio ambiente.
“Em Niterói, que é nossa cidade natal e onde eu moro, nós vimos, por exemplo, surgirem as fábricas de sardinha, de conserva de pescada, que causavam uma poluição horrível. Íamos velejar e voltávamos com o barco cheio de óleo e tínhamos que ficar bastante tempo limpando, para não estragar o barco”, conta Axel.
O projeto é baseado em um tripé formado pelos esportes náuticos, programa profissionalizante e programa ambiental. Em 13 anos, mais de 12 mil alunos de escolas públicas, entre crianças, adolescentes e jovens, já passaram por suas atividades. Por semestre, uma média de 350 alunos são beneficiados com ações profissionalizantes, cursos e contato com o meio ambiente. Somente no semestre passado, cerca de 25 jovens conquistaram seu primeiro emprego de carteira assinada.
Com idades que vão dos 9 aos 24 anos, esses alunos recebem um cuidado que vai além do preparo vocacional e do que Axel chama de abrir “janelinhas de interesse”. Segundo ele, “o que a gente percebe desses jovens é que existe uma carência de oportunidades para eles. Eles têm a oportunidade, mas não conseguem enxergar nessa oportunidade um futuro melhor”.
Anos depois de acompanhar a difícil situação da Baía de Guanabara, Axel decidiu arregaçar as mangas e partir para a ação. A ideia surgiu de um grupo de velejadores liderados pelos medalhistas olímpicos Torben e Lars Grael e Marcelo Ferreira. Sediado em Niterói (RJ) e com uma unidade em Três Marias (MG), o projeto se prepara para implantar outras duas unidades, na Bahia e em Goiás.
“Temos uma demanda para levar nossa experiência e tecnologia social para outros lugares. Ao longo desses anos em que atuamos, criamos uma lógica de uso educativo dos barcos para a nossa realidade. A relação que as pessoas têm com a água em outra região, por exemplo, é completamente diferente”, avalia.
Minha entrevista ao Portal Memória Olímpica
Memória Olímpica: Como surgiu a ideia dos programas ambientais dentro do Projeto Grael? Qual a relação da sua história de vida com a criação dos programas?
Axel Grael: Comecei a me envolver com a temática ambiental por uma questão objetiva e bastante pessoal. Velejo na Baía de Guanabara desde os seis anos. Quando era adolescente, vi a Baía de Guanabara passar por um processo bem sério de poluição. Em Niterói, que é nossa cidade natal e onde eu moro, nós vimos, por exemplo, surgirem as fábricas de sardinha, de conserva de pescada, que causavam uma poluição horrível. Íamos velejar e voltávamos com o barco cheio de óleo e tínhamos que ficar bastante tempo limpando, para não estragar o barco. A nossa primeira reação foi: “com quem a gente tem que reclamar para resolver isso?”. Na época, vimos que não havia alguém a quem pudéssemos delegar a solução do problema. Vimos que, ou a gente arregaçava as mangas e tentava mudar essa realidade, ou íamos ter que conviver com a Baía de Guanabara poluída. Esse foi meu envolvimento inicial e isso influenciou a minha profissão e pauta a minha vida até hoje. Quem veleja desenvolve uma sensibilidade para o meio ambiente naturalmente. É fácil, é quase que óbvia a vinculação de uma coisa com a outra porque quem aprende a velejar aprende a olhar para o mar, a identificar rajadas, correntes e nuvens. Essas coisas nada mais são do que interpretar a natureza. Quem desenvolve essa capacidade de interpretação da natureza, naturalmente vai ser uma pessoa muito motivada para as questões ambientais.
MO: Quais as principais finalidades dos programas ambientais dentro do Projeto Grael?
AG: O Projeto Grael está organizado em três pilares principais. Um desses pilares é a prática esportiva; o segundo é a profissionalização e a inclusão social por meio das oportunidades que a vela oferece; e a terceira, que é meio ambiente, o que a gente chama de educação completar. Todos esses desdobramentos educativos são permitidos pela vela e pelos esportes náuticos. O Projeto Grael foi uma iniciativa pioneira, quando nós criamos um programa educativo e social em torno da náutica, fomos até bastante criticados. Diziam que estávamos criando expectativas para meninos da favela em uma atividade elitista. Ouvimos isso tantas vezes... e, hoje, os resultados que temos, mostram que valeu a pena sim, que isso faz sentido sim. Os barcos são instrumentos de educação. Temos a possibilidade de desdobrar o interesse que os garotos têm pelos barcos em interesse pelo meio ambiente. A gente sempre diz que não se pode passar uma tarde na Baía e sequer ter percebido se a água estava limpa ou suja, se tinha lixo boiando. Essa visão critica é que procuramos estimular nos meninos. Não basta apenas você perceber que está ruim se você não faz aquilo que está ao seu alcance para reverter isso. Uma coisa vai levando sempre a outra.
MO: Quais resultados já foram alcançados com as ações ambientais do projeto?
AG: Um dos nossos projetos é uma ação junto a pesquisadores da Baía de Guanabara. A gente ajuda, por exemplo, a entender e a fazer a modelagem matemática das correntes da Baía de Guanabara. Lançamos boias flutuantes que com equipamentos que mandam informações online para pesquisadores da UFRJ [os dados desse trabalho estão no site http://www.projetobaiadeguanabara.com.br/]. Tudo é feito com o trabalho desenvolvido pelos nossos alunos orientados pelos pesquisadores. Temos também ex-alunos do Projeto Grael que operam uma embarcação que tira o lixo flutuante da Baía. Temos outros projetos também. Existe um programa que estamos oferecendo agora para os participantes do Projeto Grael, que se chama “Conhecendo a Baía de Guanabara”, no qual colhemos amostras de água e o pessoal percebe uma série de características, aprendendo a entender um pouco mais o ecossistema da Baía de Guanabara. Estamos nos preparando para implantar um projeto que se chama “Ciência a Bordo”, em parceria com a Rede Pública de Ensino. A ideia é que estudantes tenham algumas experiências no mar com o projeto. Por exemplo, é possível realizar uma aula de física dentro da água e questionar o que faz um barco velejar contra o vento. Para explicar isso, é necessário falar de vetores, de aerodinâmica, de propagação de ondas, de forma lúdica e na prática. Nosso objetivo não é substituir a escola, é motivar para a escola. A ideia é colaborar o processo educativo, tornando o conhecimento mais atraente para o aluno.
MO: Quais os benefícios para as crianças e adolescentes atingidos pelos programas ambientais do projeto?
AG: O nosso objetivo é abrir “janelinhas de interesse” na cabeça das crianças e adolescentes atingidos pelo projeto. Trabalhamos com jovens de Rede Pública de Ensino e de comunidades de baixa renda. Percebemos que falta a eles, muitas vezes, a vontade de sonhar mais longe, de acreditar que eles podem alcançar as coisas. Expô-los a essas informações e experiências estimula muito. A grande marca do nosso projeto são os resultados e as medalhas olímpicas dos meus irmãos. Porém, tomamos o cuidado para que a referência de “campeão” não seja a única referência de sucesso. Procuramos mostrar para eles que existem outras referências de sucesso, como, por exemplo, fazer uma universidade e conquistar um diploma... ou fazer os cursos profissionalizantes que o projeto oferece e que trazem perspectivas profissionais muito boas para eles, oferecendo uma vida melhor, podendo oferecer mais para a família deles.
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Acesse a matéria publicada pelo Portal Memória Olímpica
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