Torben Grael dá entrevista coletiva durante a Regata de Volta ao Mundo. |
Torben Grael (Iatismo)
Mais do que o vento a favor, esforço.
Duas medalhas de ouro, uma de prata e outras duas medalhas de bronze. Elas fazem de Torben Grael, paulista, descendente de dinamarqueses, nascido em 1960, o brasileiro com maior número de conquistas olímpicas.
Ainda em plena atividade, ele disputa com Robert Scheidt – outro medalhista olímpico – a vaga para representar o Brasil, nos Jogos de Londres 2012. É sua última chance de novas vitórias na classe pela qual competiu seis olimpíadas. A Star não está entre as modalidades dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro 2016 e, segundo ele, “jogaram a pá de cal” que faltava para encerrar sua participação em Jogos Olímpicos. Mesmo assim, ele se preocupa e demonstra insatisfação com as condições das águas da Baía da Guanabara, palco das competições de Vela na cidade: “é um pecado nós termos uma água tão suja numa baia tão bonita como essa. Vamos sediar os jogos olímpicos e acho que vai ser um vexame apresentar uma água desse jeito”. Foi ali, no intervalo da Match Race Brasil, que ele conversou com o Memória Olímpica.
Memória Olímpica: A sua família é uma dinastia do iatismo que veio da Dinamarca para o Brasil. Quais histórias que você gosta de lembrar do seu avô Preben, de sua mãe Ingrid e dos seus tios Erik e Axel?
Torben Grael: São muitas histórias, é difícil dizer uma. Meu avô foi a razão de a família se dedicar à vela. Foi ele o percussor. Iniciou, aqui, de uma maneira muito mais amadorística, em competições locais, nos fins de semana... Mas passou essa paixão para os meus tios e eles foram tricampeões mundiais, campeões sul-americanos. Também foram a duas Olimpíadas, com resultados expressivos: um sexto e um sétimo lugar. Depois, veio a minha geração, do Lars (Grael, irmão de Torben) e dos meus primos, com muitas participações olímpicas. Só que tudo se originou lá no meu avô. Fora as primeiras velejadas lá no barquinho, com ele, que despertaram essa paixão em mim.
MO: Como foi o início da sua carreira profissional no iatismo?
TG: Na época, não se vivia de esporte aqui no Brasil. Os únicos esportes profissionalizados que havia eram o futebol e o automobilismo. Tudo começou com as primeiras ações de patrocínio de um grande banco, inicialmente no vôlei e, depois, chegando a outros esportes. Foi uma ação que despertou na gente a possibilidade de continuar, se dedicar mais e tentar alçar voos mais altos. Acho que, sem isso, seria muito difícil fazer a trajetória que fizemos.
MO: Qual é a história por trás do barco Marga?
TG: O Marga é da mesma classe de barco do meu avô e que já não existe mais (a extinta classe 6m). Meu avô, aliás, foi medalhista de prata nos Jogos de 1912 (Estocolmo) com o barco Aileen. Marga e Aileen são os únicos barcos da categoria de 6 metros do Brasil. O dono dele já queria vender o Marga quando o Lars sofreu o acidente (envolvendo um iate, em Vitória, no ano de 2008). A família ficou com medo de que ele ficasse meio traumatizado com o acidente e, como a gente queria que ele mantivesse a paixão pelo esporte, achamos que o Marga iria manter esse interesse nele. Ao mesmo tempo, o barco é mais fácil de velejar por uma pessoa com deficiência. Acontece que o Lars foi muito além disso. Ele veleja muito bem não só no Marga, mas, de igual para igual, com a gente na classe Star. O Lars é uma dessas pessoas com uma superação incrível e isso é muito bonito de ver.
MO: O que fica de mais forte na memória em relação a sua primeira medalha olímpica, a prata em Los Angeles 1984?
TG: Foi uma conquista muito importante. Ter ido bem lá deu impulso pra continuar me dedicando mais ao esporte. Acho que se não tivesse ido tão bem, talvez tivesse engrenado numa vida mais normal, fora do esporte. Eu acabei me formando em Administração e, hoje, toco meus negócios fora da vela. Alguns, relacionados com o esporte. Então, não descarto a importância de minha formação, mas, realmente, aquele resultado serviu de estímulo muito grande pra que eu continuasse me dedicando à vela olímpica. Também foi bom para outras pessoas, que viram que aquilo não foi um acidente. Mesmo porque o Brasil já tinha tido duas medalhas de ouro em Moscou (1980) e, em 1976, o Reinaldo Conte conseguiu uma medalha de bronze. Em Los Angeles, a gente marcou os terceiros jogos seguidos para o Brasil.
MO: Depois da prata, veio o bronze na Coreia 1988 e um modesto 11º lugar em Barcelona 1992. Você em algum momento pensou em deixar o esporte?
TG: O bronze foi fruto de um pouquinho de falta de sorte. A gente teve uma quebra numa regata crucial e que acabou nos tirando a medalha de ouro. Nós éramos novos e tínhamos pouca experiência na classe Star ainda, mas acho que, mesmo assim, foi um bom resultado. Já Barcelona, não. No intervalo entre Coreia e Barcelona, a gente ganhou muita coisa: mundial, vários campeonatos europeus e semanas de vela na Europa. Só que chegamos a Barcelona sem qualquer apoio das entidades aqui, sem um patrocínio. Então, a gente fez uma preparação do jeito que deu. Tive que me dedicar à vela oceânica para ter dinheiro para pagar a campanha do Star. Chegando lá, foram visíveis os efeitos: éramos lentos e os jogos de Barcelona eram um péssimo lugar para ser lento, porque não havia muita opção tática... você tinha que ser rápido para ir para o lado favorável do campo de regata. Aí, o desastre foi inevitável.
MO: O que aconteceu de diferente entre os Jogos Olímpicos de Barcelona e o ouro em Atlanta 1996?
TG: Logo depois de Barcelona, conseguimos uma parceria com três anos de antecedência em relação a Atlanta, o que culminou com a medalha de ouro. Foi o inverso de Barcelona e foi muito legal.
MO: Por que você preferiu fazer a Volta ao Mundo e não disputar os Jogos Olímpicos de Pequim 2008?
TG: Eu vinha de uma volta ao mundo já em 2005/06. Depois, fiz uma competição na Espanha em 2007. Sobraram poucos meses para fazer uma preparação olímpica, o que eu sei que não funciona. Ao mesmo tempo, recebi o convite de fazer a volta ao mundo com todas as condições favoráveis. Isso pesou contra a chance de fazer mais uma campanha olímpica sem nenhuma condição. Tivemos uma volta ao mundo fantástica. Ganhamos e temos, até hoje, o recorde de maior distância velejada por um barco monocasco em 24horas.
MO: Depois de uma carreira tão vitoriosa como você lida com o constante favoritismo em quase tudo que disputa?
TG: Favorito? Não. Aqui na Match Race Brasil, por exemplo: ganhamos as ultimas edições do torneio até este ano, mas você chega aqui e vê a tripulação do Henrique Haddad, da Marinha, se dedicando em tempo integral a esse tipo de competição. Enquanto a gente está fazendo campanha olímpica ou competição de oceano, eles estão se preparando. A gente montou a equipe em cima do laço e, este ano mesmo, não deu. O pessoal está um pouquinho mais treinado. Nós não velejamos muito bem.
MO: O que você tem a dizer dos seus parceiros olímpicos?
TG: Tive mais dois, além dos olímpicos, que foram o Daniel Avilla e Ronaldo Senfft, em 1984, mais ou menos. Foram minha primeira tripulação. A gente velejou muito tempo junto e tenho uma grande amizade com eles. Inclusive a Juju, filha do Ronaldo, estava na minha tripulação na Match Race Brasil. Depois, veio Nelson Falcão. A gente velejou junto e ele foi o grande incentivador de minha mudança para a classe Star e, de certa forma, também o de todas as conquistas que tenho. Na campanha dos Jogos de Olímpicos de 1988, o Nelson era meu parceiro, mas tinha uma empresa para cuidar e não podia se dedicar tanto as competições da maneira que eu já pretendia. A gente tem também uma diferença de idade. O Nelson é um pouquinho mais velho que eu, então, para ele, era complicado dedicar-se tanto. Eu queria fazer mais competições e treinar com maior intensidade. Por isso, acabei fechando com o Marcelo Ferreira, com quem já são 22 anos velejando juntos. Tantas conquistas que não é preciso dizer mais nada.
MO: Quais os principais impedimentos para o desenvolvimento do iatismo no Brasil?
TG: Bom, o primeiro problema é que temos pouco apoio para vela de competição e esse apoio, quando há, é direcionado só para o topo da pirâmide. Sair da classe de base e chegar ao topo sem ter apoio é super difícil. Nós teríamos muito mais velejadores de alto nível se tivéssemos mais apoio nessa caminhada para chegar à classe olímpica. Isso é um grande empecilho e muitos jovens atletas desistem no caminho. Falo de gente de potencial, mas que não tem como se manter até chegar a ter resultados expressivos para ter patrocinador e até apoio da confederação. Há também a pouca tradição, o que vem mudando com os resultados que temos obtido nos últimos anos. Outra questão é a pouca difusão. A vela se concentra muito em São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Florianópolis e um pouquinho lá pela Bahia... Isso, com tanto litoral para o qual poderíamos ter tanta vela.
MO: Como iatista você está sempre em contato com a natureza, você sente as mudanças climáticas interferindo?
TG: Na maré, um pouco menos, mas sentimos muito na qualidade da água e até nos regimes de ventos. O excesso de construções e o aquecimento das cidades mudaram completamente os regimes de ventos no Rio de Janeiro e até em cidades como Búzios, por exemplo. No Rio de Janeiro, temos o problema da água. É um pecado termos uma água tão suja numa baía tão bonita como a da Guanabara. Vamos sediar os jogos olímpicos e vai ser um vexame apresentar uma água desse jeito.
MO: Como está a disputa com o Robert Scheidt pela vaga olímpica em Londres 2012?
TG: A eliminatória para Londres vai ser o campeonato mundial na Austrália e depois a semana olímpica de vela, em Búzios. Se houver empate, haverá um terceiro evento ainda não definido pela confederação. Até lá, faço as etapas da Copa do Mundo. O Robert Scheidt é muito focado na classe Star e está no nível mais forte de treinamentos, enquanto eu estou voltando agora, tentando voltar à forma anterior. Já houve uma melhora grande e vai ser uma boa disputa até lá.
MO: Quais suas expectativas para disputar os Jogos Olímpicos do Rio, em 2016?
TG: Tivemos a má notícia de que a classe Star não participará dos Jogos Olímpicos do Rio. Sendo assim, ficou inviabilizada a minha participação. Já não seria fácil. Agora, jogaram a pá de cal.
MO: A quem da família você passa o bastão que recebeu do seu avô e de seus tios, quando deixar o iatismo?
TG: Meus dois filhos estão fazendo Vela Olímpica. A Martine está velejando com a Isabel Swan e o Marco está velejando como proeiro para o André Fonseca. Os dois têm tido alguns resultados muito bons. O Marco vem de um sétimo lugar na ultima etapa da Copa do Mundo da França e a Martine foi sétima no Mundial de 2010. Eles têm muita coisa para aprender ainda, mas o fato de já estarem nesse nível é muito legal. Meus sobrinhos, filhos do Lars, também estão empolgados com a vela e vamos ver como vai isso aí.
MO: Que mensagem você deixa a respeito do doping para os jovens atletas?
TG: Felizmente, no iatismo, doping é uma coisa que não se vê muito, porque é um esporte complexo, em que não é só a parte física a determinante. Competir e vencer com auxílio do doping é algo que não vale o risco. Se você ganhar, vai ter sempre aquela sensação “eu ganhei porque me dopei” ou, então, se você for pego, vai ser um vexame e acabará com sua carreira. Não vejo como pode valer o risco, não.
Acesse o site de Torben Grael: http://torben-grael.com/
Ver também entrevista de Lars Grael para o MemoriaOlimpica.com
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