terça-feira, 16 de outubro de 2018

Philip M. Fernside: "Amazônia e os Retrocessos do Momento Político"



Desmatamento na Amazônia



O momento político no Brasil está repleto de ameaças de diversos retrocessos; algumas são administrativas, tais como promessas para abolir o Ministério do Meio Ambiente [1], expulsar ONGs internacionais como Greenpeace e WWF [2,3] e tirar qualquer verba governamental que beneficie “ativistas” [4,5]. Também há ameaças de grandes cortes orçamentários para Ciência e Tecnologia [6].

Outras propostas incluem “vender” as terras Indígenas [7,8] e “relaxar” o licenciamento ambiental para obras como rodovias e barragens [9,10], além de outros para acabar, de fato, com licenciamento [11]. Os impactos sociais de muitas dessas obras não podem ser desfeitos depois, por exemplo, da destruição de comunidades ribeirinhas ou indígenas, junto com os seus meios de sustento. O mesmo se aplica aos impactos ambientais.

A proposta para o Brasil abandonar o Acordo de Paris sobre o controle de aquecimento global [12] é uma das ameaças com consequências mais irreversíveis. A Floresta Amazônica enfrenta um processo assustador de degradação por meio de exploração madeireira, grandes secas, enchentes e vendavais, incêndios florestais, invasões biológicas de lianas e bambu, e fragmentação.

Além dessas consequências tem as perdas pelo desmatamento, cuja taxa anual aumentou em 52% de 4.571 para 6.947 km2 entre 2012 e 2017 [13]. Pontos de desequilíbrio (“tipping points”) para a floresta amazônica já estão muito próximos, tanto pelo avanço do desmatamento [14] como pelo aumento da temperatura global [15].

Os enormes estoques de carbono na vegetação [16,17] e no solo [18] na Amazônia colocam a região no centro de preocupações sobre um “efeito estufa em fuga” (“runaway greenhouse”), quando qualquer liberação substancial deste carbono para a atmosfera dificultaria o controle do aquecimento global. O relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) liberado em 08 de outubro [19] ampliou a divulgação sobre a existência e a proximidade deste perigo planetário.

Infelizmente, a negação da existência de aquecimento global antropogênico, que representa um corrente influente no Brasil [20], já chegou na esfera de debates presidenciais [12,21]. Esta é uma fórmula para provocar degradação irreversível na Amazônia, além de impactos trágicos no mundo inteiro.

O momento político no Brasil já está, em grande parte, dominado por outros assuntos: petismo versus antipetismo e a exaltação geral contra corrupção e violência. Questões socioambientais estão sendo colocadas de lado frente à polarização sobre esses outros assuntos. Há diversos relatos sobre brigas entre familiares devido a divergências políticas. No entanto, são as questões socioambientais da Amazônia que irão perdurar.

Estas questões são de suma importância para o País e estarão presentes muito além de um mandato presidencial. Reconhecer e enfrentar as ameaças ao ambiente amazônico deve ser algo que unifica o País, mesmo no meio das rixas do atual momento político.

Notas

[1] Bragança, D. 2018. Bolsonaro defende o fim do Ministério do Meio Ambiente. OEco, 01 outubro 2018

[2] Maisonnave, F. 2018. Bolsonaro has made grim threats to the Amazon and its people. Climate Home News, 08/10/2018.

[3] Maisonnave, F. 2018. As ameaças sombrias de Bolsonaro para o meio ambiente. Página 22, 09/10/18.

[4] ClimaInfo. 2018. Mídia internacional comenta as ameaças de Bolsonaro à floresta amazônica. ClimaInfo, 10 de outubro de 2018.

[5] Seto, G. 2018. Bolsonaro diz que pretende acabar com ‘ativismo ambiental xiita’ se for presidente. Folha de São Paulo, 09 de out. de 2018.

[6] Carta Capital. 2018. Para Nature, eleição de Bolsonaro é ameaça à Ciência. Carta Capital, 09/10/2018.

[7] Amazonia.org. 2018. Senador, Major Olímpio apoiará venda de reservas indígenas e fim de torcidas organizadas. Amazonia.org, 09 de outubro de 2018.

[8] Borges, A. 2018. Senador, Major Olímpio apoiará venda de reservas indígenas e fim de torcidas organizadas. O Estado de São Paulo, 09 de outubro de 2018.

[9] Ascema (Associação Nacional dos Servidores da Carreira de Especialista em Meio Ambiente). 2018. Meio ambiente em perigo no Brasil – S.O.S.

[10] Borges, A. 2018. Bolsonaro planeja acelerar concessões, afirma general. O Estado de São Paulo, 05 de outubro de 2018.

[11] Fearnside, P.M. 2018. Challenges for sustainable development in Brazilian Amazonia. Sustainable Development 26(2): 141-149.

[12] Darby, M. 2018. Brazil: Bolsonaro threatens to quit Paris climate deal. Climate Home News, 14/08/2018.

[13] INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). 2018. Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal (PRODES). INPE, São José dos Campos, SP.

[14] Lovejoy, T.E. & C. Nobre. 2018. Amazon Tipping Point. Science Advances 4(2): art. eaat2340.

[15] Steffen, W., J. Rockström, K. Richardson, T.M. Lenton, C. Folke, D. Liverman, C.P. Summerhayes, A.D. Barnosky, S.E. Cornell, M. Crucifix, J.F. Donges, I. Fetzer, S.J. Lade, M. Scheffer, R. Winkelmann & H.J. Schellnhuber 2018. Trajectories of the Earth System in the Anthropocene. Proceedings of the National Academy of Sciences of the USA, art. 201810141.

[16] Nogueira, E.M., Yanai, A.M.; Fonseca, F.O.R.; Fearnside, P.M. 2015. Carbon stock loss from deforestation through 2013 in Brazilian Amazonia. Global Change Biology 21: 1271–1292.

[17] Fearnside, P.M. 2018b. Brazil’s Amazonian forest carbon: The key to Southern Amazonia’s significance for global climate. Regional Environmental Change 18(1): 47-61.

[18] Quesada, C.A.; Lloyd, J.; Anderson, L.O.; Fyllas, N.M.; Schwarz, M. & Czimczik, C.I. 2011. Soils of Amazonia with particular reference to the RAINFOR sites. Biogeosciences 8: 1415–1440.

[19] IPCC (Intergovernmental Panel on Climate Change). 2018. Global Warming of 1.5 °C. IPCC, Genebra, Suiça,

[20] Fearnside, P.M. 2015. Os céticos de clima no Brasil 1: colaboração da mídia. Amazônia Real 16 de março de 2015.

[21] Gaie, R.V. 2018. Bolsonaro diz que pode retirar Brasil do Acordo de Paris se eleito. Globo Extra, 03/09/18.


Philip Martin Fearnside é doutor pelo Departamento de Ecologia e Biologia Evolucionária da Universidade de Michigan (EUA) e pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus (AM), onde vive desde 1978. É membro da Academia Brasileira de Ciências e também coordena o INCT (Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia) dos Serviços Ambientais da Amazônia. Recebeu o Prêmio Nobel da Paz pelo Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC), em 2007. Tem mais de 500 publicações científicas e mais de 200 textos de divulgação de sua autoria que estão disponíveis aqui.


Fonte: Amazônia Real












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