terça-feira, 23 de outubro de 2018

Cientista alerta que aumentar a área da agropecuária e destruir florestas causará prejuízos à economia



Carlos Afonso Nobre , cientista brasileiro, destacado principalmente na área dos estudos sobre o aquecimento global Foto: Edilson Dantas / Agência O Globo


Para Carlos Nobre, a pressão política e econômica aumentará; Bolsonaro quer tirar Brasil do Acordo de Paris

Ana Lucia Azevedo

RIO - Enfraquecer a conservação do meio ambiente prejudicará a economia e as ambições de política internacional do Brasil, alerta o climatologista Carlos Nobre . Nos últimos meses, a campanha eleitoral trouxe à tona assuntos polêmicos como a saída do Brasil do Acordo de Paris (o tratado mundial do clima), a forma de atuação dos fiscais do Ibama no combate aos desmatadores e os prazos para o licenciamento ambiental. Outro tema controverso, levantado pelo candidato Jair Bolsonaro (PSL) , é a fusão do Ministério do Meio Ambiente com o da Agricultura. Para Nobre, membro das academias de Ciências do Brasil e dos Estados Unidos, ex-diretor da Capes e do Inpe e um dos mais renomados especialistas em mudanças climáticas do mundo, a condução desses temas de forma errada pode impactar negativamente a economia brasileira.

O que representa a declaração de Jair Bolsonaro sobre tirar o Brasil do Acordo de Paris?

Me parece uma cópia barata e inconsequente do ato de um presidente estrangeiro. A decisão do presidente dos EUA, Donald Trump, teve repercussão mais retórica do que prática. Apesar do discurso anticlimático de Trump, dos incentivos à indústria do carvão, as emissões americanas continuam a cair. Isso porque a economia americana fez um movimento sem volta em direção à energia renovável. Além disso, nos EUA os estados têm independência maior. A Califórnia tem metas de redução de emissão ambiciosas como as de países escandinavos, de zerar emissões até 2045, goste Trump ou não.

Qual seria o impacto econômico para o Brasil?

Após caminhar para a energia renovável, a economia global se move para a produção responsável de alimentos, com foco no uso do solo. Nos últimos dez anos, os fundos de investimento têm se distanciado do mercado de carvão. O mesmo começa a ocorrer com alimentos oriundos de desmatamento. Os princípios do investimento responsável se voltaram para o uso da terra. A pressão maior vem de grandes redes de varejo internacionais em resposta ao mercado consumidor e vai aumentar. Estaremos sujeitos a restrições à carne e à soja brasileiras por parte de compradores europeus, japoneses e mesmo chineses. Nossas emissões de CO2 estão atreladas à agropecuária e ao desmatamento associado a ela. É um equívoco político pensar que sair do Acordo de Paris trará tranquilidade econômica para o agronegócio. Ao contrário, tornará o país vulnerável a restrições internacionais. A tendência mundial é não comprar produtos oriundos de desmatamento. Mais de 150 dos maiores fundos do mundo, que investem no setor de produção de alimentos, já se comprometeram com inciativas de princípios éticos. Facilitar a expansão agrícola com desmatamento é atacar a economia.

E as consequências políticas?

Teremos perda de prestígio e da liderança internacional consolidada do Brasil nesta área. O país seguia como o líder natural da economia de baixo carbono. Será ir pela contramão e desistir das ambições de política internacional. Se o Brasil aumentar o desmatamento, as pressões políticas e econômicas crescerão junto.

Qual a consequência de acenar com a facilitação do desmatamento?

É estimulá-lo. E ele já tem aumentado. Tanto os dados do Inpe quanto do Imazon, que devem ser apresentados em breve, mostram tendência de aumento de 30% a 35%. Se o Brasil sair do Acordo de Paris, o impacto será maior.

E o Brasil precisa desmatar para produzir mais?

Não. Temos terra desmatada e abandonada suficiente para continuar a aumentar a produção (a Embrapa estima em 50 milhões de hectares de pastagens degradadas). Além disso, nossa pecuária é extremamente ineficiente. A produtividade da pecuária na Amazônia equivale a um quarto da de São Paulo, com menos de um boi por hectare. Só com o manejo simples, nada moderno, você pode ter três. Por que precisamos de florestas?

Porque é comprovadamente a forma mais barata e simples de assegurar os recursos hídricos, manter o equilíbrio do clima, a fertilidade do solo, a biodiversidade e capturar o CO2 na atmosfera.

Por que o movimento contra o meio ambiente ganhou força no setor rural?

O discurso antiflorestas nunca desapareceu do setor agrícola, que julga não haver uso mais nobre para a terra do que produzir comida. É uma questão filosófica e social. Proteger a terra para salvaguardar o equilíbrio ambiental em prol da sociedade jamais foi um conceito incorporado. Essa visão emergiu com a polarização, mas não foi inventada por um candidato. É o Brasil arcaico que sempre esteve presente e o pensamento dominante do setor, que acaba por se refletir em desmatamento e grilagem.

Não pesa o fato de estar provado ser preciso áreas preservadas para ter, por exemplo, água?

Parte do agronegócio sabe disso. Mas a grande maioria despreza a ciência e está preocupada em expandir a posse da terra. Pode até usar tecnologia no maquinário mas isso não significa que entenda de ciência. Só uma pequena fração entende isso. Já fui a encontros de agrônomos que trabalham para produtores do Mato Grosso e pensam que a soja gosta de calor e riem das mudanças climáticas. É triste, mas ignoram a realidade. Acima de 35 °C, a produtividade despenca e perto de 40°C chega a zero, segundo estudos da Embrapa. Além disso, no Cerrado já houve uma redução de chuva de 10% nas áreas desmatadas, o que é muito. Temos um cenário nada promissor para uma agricultura produtiva e sustentável na maior parte do Cerrado.

O que representaria incorporar o Ministério do Meio Ambiente (MMA) ao da Agricultura?

Sinalizaria um inaceitável retrocesso e um sinal verde para o aumento dos desmatamentos e da poluição do ar, dos rios, dos oceanos. O MMA trata de uma extensa pauta, não somente relacionada à agricultura. Não faz sentido subjugar o desenvolvimento sustentável ao viés de ganhos de curto prazo do agronegócio com uma quase completa desregulamentação do setor. Ter órgãos especializados e com missão própria de conservação do patrimônio natural é, no caso brasileiro, uma garantia de sustentabilidade ambiental e bem-estar. E é, no mínimo, uma indevida simplificação imaginar que setores do agronegócio iriam se beneficiar a longo prazo. Um dos grandes beneficiados desta sustentabilidade é a própria agricultura, devido ao aumento de produtividade ao se mesclar ambientes naturais com ambientes agrícolas.

O licenciamento ambiental prejudica a economia?

O Brasil é reconhecido internacionalmente por ter uma moderna e adequada legislação ambiental, equilibrada e que não atrapalha o desenvolvimento econômico. A eficiência de processos burocráticos pode ser aprimorada, mas isso não se aplica só ao licenciamento ambiental, mas a toda máquina governamental. Melhorar a eficiência de ações governamentais é obviamente necessário. Porém, devemos lembrar que muitos atrasos em licenciamentos ambientais se dão devido à baixa qualidade dos projetos de avaliação de impactos enviados pelas empresas.

Há uma indústria de multas?

Não, até porque a taxa de pagamento de multas ambientais não chega a 5%. Os valores arrecadados não são a mola propulsora do sistema de fiscalização ou de volume significativo para outras ações de órgãos ambientais.


Fonte: O Globo



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