quarta-feira, 24 de outubro de 2018

Calor prejudicará agricultura e aumentará pobreza no Brasil, alerta ONU



Seca em Silves (AM), em 2005. Foto Ana Cintia Gazzelli/WWF.


Cientistas do IPCC advertem que produção de commodities depende da estabilidade ecológica da Amazônia

Um aquecimento global maior do que 1,5oC prejudicará a agricultura e a geração de energia e deixará populações inteiras expostas à insegurança alimentar, falta d’água e problemas de saúde, em especial na Amazônia. As conclusões são do novo relatório do IPCC, o painel do clima da ONU, e foram apresentadas por quatro integrantes do comitê nesta quinta-feira (18).

Autores brasileiros do relatório Aquecimento Global de 1,5oC, lançado na Coreia do Sul no último dia 8, conversaram com jornalistas num webinar promovido pelo Observatório do Clima e pelo Instituto Climainfo.

Segundo eles, a principal mensagem do documento é que a escala da transformação na economia e na sociedade global para conter o aquecimento da Terra em 1,5oC nos próximos anos é “sem precedente”. Em apenas 12 anos, será necessário reduzir as emissões de gases de efeito estufa em 45% no planeta, o que implica na transformação radical do modo como se usa energia e terra no mundo.

E o Brasil é tanto uma vítima em potencial quanto um dos países com mais oportunidades de fazer uma transição para uma economia limpa.

Entre os impactos mencionados pelos cientistas está a redução do crescimento econômico, que dificulta o combate à pobreza, e a diminuição na vazão de rios no Norte e no Nordeste que prejudicará a geração de energia já no meio deste século. “Com 2oC, a geração de energia na bacia do São Francisco poderia ter redução de 15% em 2040 e 28% no final do século”, disse José Marengo, pesquisador do Cemaden (Centro de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais). Segundo ele, também com 2oC de aquecimento, rios da Amazônia podem ter reduções da ordem de 25% na sua vazão.

O botânico Marcos Buckeridge, do Instituto de Biociências da USP, afirmou que o agronegócio também é vulnerável. “Com o aumento do CO2 e da temperatura, existem culturas que têm limites. O milho tem limite de 35oC, acima disso a produção vai começar a cair. A soja vai até 39oC graus, e se passar disso tem problemas de produção, e tendo esses problemas pode faltar alimento”, afirmou.

Tais limites de temperatura máxima podem ser facilmente ultrapassados em algumas regiões da Amazônia em 2040, alertou Patrícia Pinho, pesquisadora do Centro de Resiliência de Estocolmo. Nos chamados “pontos quentes” amazônicos, as médias tendem a subir 4oC em vez de 1,5oC, o que impacta diretamente uma população que já é muito pobre e pouco capaz de se adaptar.

“Mesmo 1,5oC de aquecimento global traria riscos para erradicação de pobreza e redução de desigualdade”, afirmou Pinho, ponderando, no entanto, que a chance de ter um desenvolvimento mais sustentável aumenta com a limitação do aquecimento.

Para Buckeridge, evitar o desmatamento e a degradação das florestas “a todo custo” é fundamental para que o mundo tenha a chance de limitar o aquecimento a 1,5oC. “Nossa agricultura depende da estabilidade ecológica da Amazônia, tem a questão do equilíbrio do clima.”

Por outro lado, o país tem oportunidade de avançar na transição sem derrubar mais florestas. O etanol brasileiro, calcula Buckeridge, tem potencial de substituir 15% da gasolina mundial e mitigar 6% das emissões do mundo (em relação aos níveis de 2014). “Isso sem entrar em nenhuma região preservada ou de produção de alimentos, usando apenas áreas de plantio de cana.”

Muito pelo contrário, disse Thelma Krug, pesquisadora do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais): segundo ela, o mercado de commodities global está mudando e setores que ainda entendem que produção se faz às expensas da floresta tendem a perder competitividade.

“O vetor que vai estimular o mercado internacional globalizado deixa de ser a parte econômica, quanto custa, e passa a ser a pegada [de recursos] do que você está comprando. O IPCC é muito incisivo, ele fala de você reduzir o consumo de produtos intensivos em recursos. Não vai ter mercado para as coisas que o Brasil vai fazer se realmente os países forem tomar o relatório do IPCC ao pé da letra.”

PRESSA

Falando como vice-presidente do IPCC, Krug, disse que o painel internacional de cientistas espera que, de posse do relatório, a Convenção do Clima das Nações Unidas possa iniciar já neste ano um debate sério sobre o aumento da ambição das metas do Acordo de Paris.

As metas nacionais (NDCs) colocadas na mesa hoje não são suficientes para cumprir o objetivo do acordo do clima de manter o aquecimento global “bem abaixo de 2oC” neste século e fazer esforços para limitá-lo a 1,5oC. Só que a revisão da ambição dessas metas está marcada apenas para 2023 – quando o nosso relatório diz claramente que a queda drástica nas emissões precisa ocorrer até 2030. “Os autores têm certeza de que começar essa discussão em 2023 é tarde demais”, disse a cientista.

Leia aqui as principais conclusões do relatório Aquecimento Global de 1,5oC.

Fonte: Observatório do Clima




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