Torben Grael e Marcelo Ferreira durante o Campeonato Mundial da Classe Star, em 2010, no Rio de Janeiro. Foto Marcelo Rhenius/Regattapix/ICRJ. |
07/01/2011 - 07h07
Torben Grael critica estrutura da vela no país e prevê dificuldade para Rio-2016
Roberta Nomura
Em Niterói (RJ)
Atleta olímpico reclamando de estrutura do esporte no país e da ineficiência dos cartolas não é novidade no país. Com Torben Grael, porém, a história é outra. Poucos brasileiros têm currículo e conhecimento para críticas quanto ele. Aos 50 anos, dono de cinco medalhas nos Jogos, duas delas de ouro, e em busca da classificação para sua sétima participação no evento, ele não faz política.
Em entrevista ao UOL Esporte, Torben é franco. Critica a estrutura da Confederação Brasileira de Vela, que desde 2007 não tem um presidente, e avisa: o Rio de Janeiro não tem tempo para resolver os problemas da Baía de Guanabara e, para a competição, a raia que receberá as regatas só será usada graças a medidas paleativas.
Pode parecer um tom negativo, mas não é. Ao falar das Olimpíadas, ele ainda deixa à mostra paixão. Pela primeira vez desde Atenas-2004, promete um ano dedicado para sua campanha olímpica, ao lado do parceiro Marcelo Ferreira, outro bicampeão. O objetivo é bater os vice-campeões de Pequim-2008 e atuais líderes do ranking mundial da classe Star, Robert Scheidt e Bruno Prada, pela vaga brasileira. Pode parecer muito para um cinquentão, mas não para o maior atleta olímpico brasileiro e velejador com o maior número de pódios da história dos Jogos em todo o mundo.
Torben Grael falou com a reportagem em Niterói (RJ). Na conversa, falou sobre praticar o esporte em família e sobre metas. Mas comentou sobre o episódio em que salvou uma mulher e uma criança no desabamento de encostas na cidade, sobre o atual momento da vela brasileira e sobre os problemas nas instalações para o Rio de Janeiro receber a Olimpíada de 2016. Confira a entrevista:
UOL Esporte – Como foi o ano de 2010 para você? E quais serão as prioridades em 2011?
Torben Grael – Esse ano foi bem corrido para mim. Foi um bom ano para inauguração. Foi uma coisa diferente, correndo como tático do meu filho, que estava no leme do barco. Foi bem legal. Retomamos regatas na classe star, que é olímpica. Fizemos poucos eventos e treinamos pouquíssimo, que não é ideal, mas fomos muito bem. Terceiro no sul-americano e no Mundial. No pré-olímpico, em Brasília, perdemos no desempate para o Robert [Scheidt]. Foi um ano ótimo de resultados, principalmente porque acabamos velejando muito pouco. Foi um ano conturbado com muita competição e pouco treinamento. Para a classe olímpica precisa treinar e se dedicar um pouco mais. Também terminei um barco de cruzeiro que há cinco anos estava reformando. Consegui me dedicar para fazer isso. Teve o problema do desabamento lá em casa também e só agora estamos acabando de reconstruir tudo. Em janeiro já começa o primeiro evento em semana olímpica lá em Miami e aí pretendemos fazer bem mais treino e mais competições no próximo ano.
UOL Esporte – O desabamento foi em abril e você ganhou recentemente uma ação da Prefeitura de Niterói para reconstruir a encosta. Pode relembrar o momento e falar da vitória na justiça?
Torben Grael – Foi uma coisa desagradável e facilmente evitável. É muito fácil dizer que choveu muito. Não foi o único motivo do desabamento. O descaso da prefeitura com o crescimento desordenado em cima do morro e com as redes de águas pluviais acabou fazendo com que água demais fosse jogada lá na encosta e aí acabou deslizando. É muito fácil dizer que não é problema deles, mas é comprovado que houve negligência. Ficou provado na ação e a gente acabou ganhando. Mas a justiça brasileira tem muitos recursos e muitas coisas, então, estamos indo passo a passo.
UOL Esporte – Você também falou sobre a oportunidade de velejar com o seu filho. Como é a experiência de competir ao lado dele?
Torben Grael - A gente já havia corrido juntos algumas vezes. A primeira vez com o Marco no leme foi o Match Race Brasil no ano passado, em que corremos pelo clube e acabamos ganhando. Este ano, Marco não pode correr porque está treinando [ele é preiro de André Fonseca e a dupla é titular do Brasil na classe 49er]. Aí eu corri e trouxe o bicampeonato para o clube. Eu tive a oportunidade de correr como tático do Marco e foi bem legal.
UOL Esporte – O ano de 2011 antecede a Olimpíada de Londres-2012. Quais competições pretende disputar? Como está a briga por vaga olímpica?
Torben Grael – Tem uma Copa do Mundo. São vários eventos, o primeiro é Miami. Vamos tentar fazer a maior parte possível. Mas tem também campeonatos continentais, mundiais e, em fevereiro, a seletiva brasileira. Os Mundiais de classes olímpicas começarão a classificar a maior parte dos países para a Olimpíada-2012. No fim do ano, tem disputa na Austrália e temos ótimas chances porque tem um bom tempo até lá e bastante evento para se preparar.
UOL Esporte – Em 2016, o Rio vai ser sede da Olimpíada. Como está a estrutura para a vela? Dá para fazer na Baía de Guanabara? E a Marina da Glória, comporta toda a estrutura necessária?
Torben Grael – A Marina dá para fazer sem problemas. Agora, a Baía de Guanabara é um negócio mais complicado. Quero ver eles deixarem isso aí em condições de fazer uma Olimpíada. Embora tenha feito um Pan-Americano aqui, é uma competição em nível bem diferente em termos de vela. Foi feito um grande esforço no Pan principalmente para conter o lixo, que é um problema sério na vela. Porque aquilo agarra no barco e cai de rendimento na hora. Isso daí, se acontecesse, seria um vexame. É uma coisa que tem que ser resolvida. O ideal é que não fosse uma coisa momentânea, como foi para o Pan-Americano. Mas algo que deixasse a nossa Baía como era antigamente. Só que isso é impossível. Esperamos, ao menos, um nível aceitável. Hoje em dia, realmente, a quantidade de lixo e detrito na água é uma coisa incrível e a qualidade da água não é convidativa para o esporte.
UOL Esporte – Você contou que viu cadáveres na Baía de Guanabara. Como foi isso? O que fazer para mudar?
Torben Grael – Quando tem muita chuva, acontece de tudo. Vê animais boiando. Eventualmente vê algum corpo. Não foi uma vez só. Infelizmente é o estado que está a nossa Baía de Guanabara. Eu acho que é uma coisa difícil de mudar rapidamente, porque não é só questão de investimentos, mas também de educação. Porque o lixo da Baía de Guanabara é o lixo que o cara joga na rua, nos rios e aquilo vai pelo sistema de coleta de águas pluviais ou pelos leitos do rio e quando chove vem parar tudo na Baía de Guanabara.
UOL Esporte – Dá tempo de fazer tudo para a Olimpíada de 2016?
Torben Grael – Dá para fazer ações paliativas, porque a qualidade da água é difícil melhorar em um curto espaço de tempo. A questão dos detritos eu acho que o pode ser feito é como ocorreu durante o Pan-Americano. Colocaram uma barreira de contenção na saída dos rios e canais para isso não espalhar na Baía e ser recolhido na saída dos canais. É algo que deveria ser feito sempre e não só quando tem grandes eventos no Brasil. Principalmente porque na Olimpíada são mais classes e mais atletas do que em um Pan. Tem volume maior de atletas, mais técnicos, mais embarcações. Precisa de uma estrutura maior. A Marina tem condições, mas precisa de alguns investimentos também, porque a Olimpíada tem próximo do dobro de embarcações e pessoas. Barcos de apoio, juízes.
UOL Esporte – Como você vê a vela no Brasil hoje? O que dá para melhorar?
Torben Grael – A vela tem um potencial enorme no país. Só que ela precisa se organizar, crescer e criar infra-estrutura. Isso tem que partir, entre outras áreas, da própria federação. Tem que haver vontade política dos órgãos envolvidos em resolver esta situação e realmente pagar quem for o responsável [a Confederação Brasileira de Vela e Motor vive sobre intervenção do Comitê Olímpico Brasileiro desde o dia 1º de fevereiro de 2007 por irregularidades administrativas].
UOL Esporte – E em termos de atletas, existe renovação na vela brasileira?
Torben Grael – A gente tem revelação a toda hora. O difícil é, com a falta de estrutura, fazer com que as pessoas continuem velejando e entrem para as classes olímpicas. Sem infra-estrutura e apoio, sem condições de praticar o esporte como em outros países, as pessoas acabam desistindo. A gente vai perdendo sempre potenciais e valores que poderiam estar em condições de disputar classes olímpicas, porque as dificuldades acabam afastando.
UOL Esporte – Tem algum nome de destaque da nova geração?
Torben Grael – Citar nome não é legal. Tem excelentes jovens. Importante é que se dê condições a eles de virarem campeões e desenvolver potencial que eles têm. Esse princípio que é o mais difícil. Depois que conquista resultados, não é que é fácil, mas é menos difícil. É aí que tinha que ter estrutura da federação para esse começo. E é uma coisa que a gente não tem.
UOL Esporte – Você está com 50 anos e está na briga para ir a Olimpíada de Londres. Quando pretende parar?
Torben Grael – Tenho outras atividades e muitos planos. A gente vai vendo conforme vai tocando a música. Em classe olímpica, na vela, você sempre tem competições em um nível diferente e que vai acabar competindo. Não é olímpica, mas é sempre uma coisa que vai se divertir e curtir a velejada. A performance vai dizer quando vou parar de ir a Olimpíadas. E não vai ser muito difícil não.
Fonte: UOL
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