14/1/2011
Por Fábio de Castro
Agência FAPESP – Em 2006, um artigo publicado na revista Science por cientistas ligados a um Projeto Temático do Programa Biota-FAPESP demonstrou que as plantas da Mata Atlântica possuem uma diversidade impressionante de bactérias associadas: cada uma das espécies de árvores conta com uma comunidade distinta – e única – de centenas de espécies de bactérias.
A descoberta sugeriu que a função desses microrganismos para a dinâmica da floresta pode ser muito mais importante do que se imaginava. Agora, um outro Projeto Temático, iniciado em 2009, está aprofundando aquelas pesquisas a fim de entender melhor a diversidade microbiológica da floresta.
Um dos achados mais importantes até agora no novo projeto indica que a substituição de uma área de floresta por uma área de plantas cultivadas pode reduzir em mais de 99% a diversidade de bactérias associadas às superfícies das folhas. As consequências disso ainda estão sendo avaliadas.
De acordo com o coordenador do Temático, Marcio Rodrigues Lambais, professor do Departamento de Ciência do Solo da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), da Universidade de São Paulo (USP), a base para os estudos foi a descoberta de 2006, que demonstrava que cada planta possuía sua própria comunidade de bactérias.
“Estamos agora tentando aprofundar os estudos para saber como essa comunidade bacteriana varia não apenas em relação às várias espécies de planta, mas também em relação à localização das plantas em diferentes ambientes, levando em conta, por exemplo, a posição das árvores dentro de um determinado parque, ou a comparação entre a mesma espécie de planta em parques distantes”, disse à Agência FAPESP.
Na superfície das folhas, troncos e raízes das árvores existem biofilmes muito complexos compostos por diversos microrganismos que interagem entre si, com a planta, com os animais e com a atmosfera. Segundo Lambais, esses microrganismos associados às plantas – e cuja função pouco se conhece – estão sendo estudados com a utilização de ferramentas metagenômicas.
“Os estudos mostram que cada espécie de planta tem associada a ela um conjunto único de espécies de bactérias. E cada parte da planta tem uma comunidade diferente. Na folha, na casca ou na raiz, as mesmas espécies bacterianas não se repetem”, disse Lambais. Só nas folhas foram encontradas de 30 a 600 espécies bacterianas distintas, dependendo da espécie vegetal.
“Se computarmos a totalidade dessa diversidade, concluímos que cada espécie de planta pode ter mais de 2 mil espécies de bactérias associadas. Uma diversidade gigantesca sobre a qual não conhecemos praticamente nada”, destacou.
A maior parte dos estudos está sendo realizada nas áreas pertencentes ao Temático que gerou os estudos concluídos em 2006, conhecido como Parcelas Permanente e coordenado pelo professor Ricardo Ribeiro Rodrigues, também da Esalq. O trabalho mais recente foi feito na parcela de 10 hectares localizada no Parque Carlos Botelho, onde existem 217 espécies de árvores.
“O projeto Parcelas Permanentes já havia caracterizado toda a área e realizado o censo das espécies vegetais. Já tínhamos esses dados, além de outros relacionados às características químicas e físicas do solo, e os utilizamos para agregar informação microbiológica. No estudo, conseguimos demonstrar relação entre a estrutura da comunidade de bactérias e a filogenia das plantas”, disse Lambais.
Diferenças nas áreas cultivadas
A partir das informações levantadas com o uso de tecnologias moleculares, os pesquisadores acreditavam que provavelmente as plantas cultivadas teriam associadas a elas uma quantidade de bactérias menor e bem diferente das que estão presentes nas espécies da floresta.
“Tínhamos essa curiosidade e fomos fazer essa comparação utilizando soja, cana-de-açúcar e eucalipto. Para nossa surpresa, as plantas cultivadas e as árvores da floresta são estatisticamente muito semelhantes em termos de diversidade e riqueza estimada de espécies bacterianas. No entanto, os tipos de bactéria que vivem nas folhas das plantas cultivadas é bem diferente daquelas que vivem nas plantas da floresta”, disse.
Enquanto nas plantas da mata predominam as gamaproteobactérias, nas plantas cultivadas predominam as alfaproteobactérias. “Normalmente, essas alfaproteobactérias são microrganismos que crescem muito rápido e que, por isso, estão muito bem adaptadas ao ciclo curto das culturas agrícolas”, contou Lambais.
Uma cultura de soja, por exemplo, passa por um ciclo de três meses até a colheita. A comunidade de bactérias ali presente está adaptada a essa situação e cresce muito rapidamente.
“Em espécies arbóreas a situação é muito mais estável. O biofilme de bactérias nas folhas pode se desenvolver por um período de tempo muito maior. Certamente, esse tipo de comunidade bacteriana tem funções muito diferentes. Então, se alteramos o uso do solo, alteramos também todos os processos que dependem dessa comunidade microbiana associada às plantas”, disse.
A substituição de uma área de floresta por uma área idêntica de plantas cultivadas poderia reduzir drasticamente a diversidade bacteriana, segundo o estudo. Segundo Lambais, o cálculo foi feito a partir dos dados da área de 10 hectares de floresta da reserva Carlos Botelho, que possui mais de 200 espécies arbóreas.
“Considerando-se que há 200 espécies vegetais e cada uma possui pelo menos 50 espécies de bactérias associadas à filosfera, temos pelo menos 10 mil espécies diferentes de bactérias por hectare. Se substituirmos os 10 hectares de floresta por 10 hectares de cana-de-açúcar, por exemplo, teremos apenas as 50 bactérias associadas à folha da cana-de-açúcar. Serão apenas 50 tipos de bactérias, em vez de 10 mil. Só aí temos uma redução de mais de 99%”, explicou.
Nas plantações, grandes área são dominadas por uma só espécie vegetal. Isso se reflete na variabilidade das espécies de bactérias, fazendo com que um único grupo domine toda a área. A manutenção de diversidade vegetal, portanto, é importante também para manter a diversidade microbiológica.
“O que não sabemos ainda com exatidão é qual a importância de se manter essa diversidade de bactérias. Por isso, estamos tentando entender quais são os papéis funcionais dessas bactérias na floresta, definir o que elas fazem”, disse Lambais.
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Funções das bactérias
Um exemplo dessas funções das bactérias foi descoberto em uma outra área do programa Biota: o Núcleo Santa Virgínia, no Parque Estadual da Serra do Mar. Ali, a equipe do Prof. Lambais detectou que algumas espécies de plantas têm altíssima atividade de fixação de nitrogênio na superfície de suas folhas.
“O nitrogênio é um elemento essencial para o crescimento da planta e não existe disponibilidade desse elemento no solo da floresta. Para a manutenção da floresta, o nitrogênio precisa vir do meio externo. Ele é capturado do ar por microrganismos que vivem associados à folha e à casca das árvores”, explicou Lambais.
Segundo o professor da Esalq, o palmito, uma planta dominante nessas áreas de Mata Atlântica, foi identificado como uma das plantas que têm alta fixação de nitrogênio nas folhas. “Temos uma hipótese que ainda vamos testar com o palmito: achamos que a predominância de algumas espécies de plantas na floresta está associada à capacidade delas se associarem com bactérias fixadoras de nitrogênio”, afirmou.
A fixação do nitrogênio, no entanto, é apenas um dos inúmeros exemplos da importância funcional das bactérias para a floresta. Algumas dessas bactérias têm alta capacidade de produção de compostos antibióticos.
“Por que as plantas na floresta raramente ficam doentes? Provavelmente elas têm a proteção natural desses microrganismos que estão ali vivendo. Quando uma planta é domesticada e cultivada em grandes monoculturas, ela rapidamente perde a capacidade de inibir o crescimento de microrganismos patogênicos e, com isso, o resultado são os surtos de doenças nas plantações. Proteger a própria planta pode ser uma das outras funções que as bactérias podem ter”, afirmou.
Segundo Lambais, embora ainda esteja em seu primeiro ano, o Projeto Temático já tem resultados promissores e várias publicações estão em preparação. “Temos um grupo grande envolvido com o projeto e contamos com o apoio de várias outras pessoas interessadas na questão microbiológica”, disse.
Fonte: Agência Fapesp
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