Por Amelia Gonzalez, colunista, G1
Se não bastassem os alertas dados pelos cientistas, se não bastassem os apelos da comunidade internacional para o Brasil não abandonar o Acordo de Paris, que em 2015 acordou planejamentos produtivos no sentido de baixar as emissões de gases do efeito estufa. Se não bastassem os sinais evidentes de dias mais quentes ou muito frios, secas que tornam solos inviáveis para a agricultura, tempestades e furacões que devastam tudo e tiram vidas humanas. Há quem ainda se dê o direito de negar o impacto das atividades humanas sobre as mudanças climáticas. Atribuir ao Sol a maioria dos problemas, remontar a eras passadas que já testemunharam o avanço do gelo sobre a superfície terrestre, é a opção dos negacionistas.
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Estes preferem deixar tudo como está, sem mudanças de paradigma. Fecham os olhos e ouvidos às evidências que já submetem milhares de pessoas a uma vida cheia de privações por não conseguirem chamar a atenção de autoridades, ou mesmo da sociedade civil como um todo, para suas tragédias. Cada vez estão mais perto de nós os casos que mostram que aquele “amanhã” anunciado nos anos 80, por exemplo, pelo famoso Relatório Brundtland, também chamado de “Nosso Futuro Comum”, já chegou. É dever de todos, nem que seja por uma atitude solidária, dar atenção a esses relatos.
Com este objetivo, sete organizações da sociedade civil fizeram um documentário de 24 minutos chamado “O Amanhã É Hoje”, mostrado em dezembro, na Polônia, durante a Conferência das Partes sobre o Clima (COP24) convocada pelas Nações Unidas. Os efeitos das mudanças do clima sobre a vida de brasileiros, expostos na tela, são capazes de tirar o fôlego até dos menos sensíveis.
Para começar, falemos sobre desmatamento. Por mais cético que seja o cidadão, é impossível não perceber que o verde faz falta, mesmo nas cidades. Havia um descontrole sobre árvores derrubadas que chegaram a registrar 27 mil quilômetros quadrados/ano de desmatamento em 2004. O efeito de um bom patrulhamento e de informações sobre a necessidade, para os humanos, de manter a floresta em pé, sem visar somente ao lucro produzido pelas madeiras, acabou dando resultado. Até que, em 2012, comemorou-se uma baixa, dos 27 mil para 4 mil quilômetros quadrados de desmatamento.
Ricardo Abramovay, professor titular de economia da FEA/USP, um dos entrevistados para o documentário, lembra que depois deste gol o país voltou a mostrar um desmatamento preocupante:
“De 2012 para cá, já estamos com 7 mil quilômetros quadrados de desmatamento. De julho a novembro de 2018 as queimadas na Amazônia cresceram 36%. E o Brasil, apesar do progresso que viveu (em termos ambientais) entre 2004 e 2012, hoje já é o sétimo maior emissor de gases do efeito estufa”, disse ele.
O cenário é triste, devastador. Um pequeno grupo de indígenas Krikati formou uma brigada voluntária contra incêndios e tem tido muito trabalho. O fogo se alastra com uma facilidade aterrorizante, estimulado pela falta de chuvas e pelo desmatamento. Isto, quando não é criminoso, como costuma acontecer também no Maranhão, mas em outra parte, onde as quebradeiras de coco babaçu ficam sem sua principal fonte de renda quando as palmeiras são queimadas por quem as considera apenas um entrave ao gado e à monocultura. Esta história é contada com detalhes nesta reportagem.
Em 2017 o país registrou mais de 275 mil incêndios, sendo 132 mil só na Amazônia. Celiana Krikati, a única mulher da brigada de sua aldeia, fala para a câmera do documentário e não consegue segurar as lágrimas, principalmente quando se lembra da precariedade de ferramentas de que dispõem para combater o fogo:
“O fogo estragou áreas de cultivo, de caça, de pesca. A gente combatia o fogo com chinelos, chuteiras. A gente ainda não tem todo o material completo, estamos lutando por isso. Não recebemos recursos, a brigada é constituída por pais de família e está sendo protetora da terra indígena. Tudo isso é um trabalho que é do estado porque esse risco também é para a comunidade."
A Terra Indígena Krikati sofre com as queimadas há tempos. Incêndios levaram embora, de 2009 a 2011, 60% das aldeias.
De Norte a Sul, os impactos das mudanças climáticas já alcançam os brasileiros. Esta é a principal mensagem do documentário, que foi também ouvir a agricultora Maria José Rocha, de São José do Egito, no sertão de Pernambuco. Ela sobreviveu a seis anos de uma seca cruel, que levou dali as chances de bons cultivos. Havia árvores frutíferas, cabras...
“A gente via os animais morrendo sem poder fazer nada. Tentávamos dar, mesmo de graça, mas ninguém queria porque ninguém tinha condições de alimentá-los ou dar-lhes água. Isso foi em 2012, quando felizmente, ao menos, as crianças não morreram. Tínhamos o dinheiro do Bolsa Família que nos ajudava a comprar água”, disse ela.
Da seca às enchentes. Ouve-se também o drama de quem viveu a tormenta em Nova Friburgo, cidade da Região Serrana do Rio de Janeiro, que em 2011 foi devastada por temporais que deixaram centenas de mortos. No litoral catarinense, os produtores de ostras dão conta mudanças no nível do mar que põem em risco seus negócios.
“A situação mais gritante (que dá conta de mudanças climáticas) é a não presença do vento Sul. Antigamente, há cerca de três décadas mais ou menos, a gente costumava dizer que quando o vento Sul batia, ficava três, quatro dias ventando, e isso era bom para o nosso negócio”, disse Leonardo Cabral.
“Continuar debatendo se isso (as mudanças climáticas causadas pelas ações humanas) existe ou não é imoral”.
No litoral de São Paulo, cidade de Santos, moradora conta seu desespero com uma ressaca que invadiu seu prédio, levou-lhe dois carros e a fez subir ao ponto mais alto do edifício, com o filho no colo e muito medo de uma tsunami. O mar entrou também com força e tirou mais de 600 metros de terra da Comunidade Nova Enseada, em São Paulo.
Como se vê, não é preciso ir longe para mostrar os efeitos que as mudanças climáticas já estão causando. O Brasil, que nos anos 70 era considerado quase imune a essas questões, já que tinha bens naturais em profusão, está na rota das dificuldades. Vale a pena repetir aqui a reflexão de Carlos Rittl, secretário executivo do Observatório do Clima (OC):
“Continuar debatendo se isso (as mudanças climáticas causadas pelas ações humanas) existe ou não é imoral”.
Fonte: G1
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