Você eu não sei, mas eu estou preocupadíssimo com a revelação de que os americanos têm monitorado tudo que é dito e escrito no Brasil nos últimos anos. Ouvem nossos telefonemas, leem nossos e-mails e provavelmente examinem o nosso lixo, atrás de indícios da nossa periculosidade. O que me preocupa é que esta informação, depois de coletada e classificada, é analisada talvez pelas mesmas pessoas que nunca duvidaram que o Saddam Hussein tivesse armas de destruição em massa e nunca estranharam que os sequestradores daqueles aviões que derrubaram as torres, no onze de nove, não se interessassem pelas aulas de aterrisagem nos seus cursos de aviação. Quer dizer, que garantia nós temos que não se enganarão de novo, e verão ameaças à segurança americana nas nossas comunicações mais inocentes? Um simples telefonema entre namorados (“desliga você”, “não, desliga você”) pode ser interpretado como parte de um plano para sabotar centrais elétricas. Um pedido para troca de bujão de gás, uma evidente referência cifrada à explosão da Casa Branca. O fato é que tenho tentado recapitular todos os meus telefonemas e e-mails nos últimos anos, com medo de que um deles, mal interpretado, acabe provocando minha aniquilação por um drone.
Um simples telefonema entre namorados (‘desliga você’, ‘não, desliga você’) pode ser interpretado como parte de um plano para sabotar centrais elétricas. Um pedido para troca de bujão de gás, uma evidente referência cifrada à explosão da Casa Branca.
Ou então me vejo chegando nos Estados Unidos, sendo barrado por um agente da imigração e levado para uma sala sem janelas, onde sou cercado por outros agentes, provavelmente da CIA, que me pedem explicações sobre um telefonema, obviamente em código, que fiz antes de viajar. Reconheço minha voz na gravação.
— O que quer dizer “à calabresa”, Mr. Verissimo? — pergunta um dos agentes.
Estou confuso. Não consigo pensar. Calabresa, calabresa...
— Alguma referência à máfia? Uma ligação da organização terrorista à qual o senhor evidentemente pertence, com a Camorra, visando a um atentado aqui nos Estados Unidos? O senhor veio se encontrar com a máfia americana para acertar os detalhes do complô. É isso, Mr. Verissimo?
— Não, não. Eu...
— Notamos que, mais de uma vez na gravação, o senhor diz “sem orégano, sem orégano”. Deduzimos que há uma divergência dentro do complô entre vocês e a máfia, uns a favor de se usar “orégano” no atentado, outros contra. O que, exatamente, significa “orégano”?
Finalmente, me dou conta.
— Orégano significa orégano. Eu estava pedindo uma...
— Por favor, não faça pouco da nossa inteligência, Mr.Verissimo. Não gastamos milhões de dólares para ouvir que orégano significa orégano.
Luis Fernando Verissimo é escritor
Fonte: O Globo
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