A Justiça tarda mas...
O Globo deste domingo (31/01/10) publica matéria sobre a decisão judicial da 5ª Vara Federal de São João de Meriti sobre o acidente ambiental na REDUC - Refinaria Duque de Caxias, da Petrobras, que exatamente uma década antes, em 18 de janeiro de 2000, causou o vazamento de 1,3 milhões de litros de óleo para a Baía de Guanabara. Em sua decisão, o juiz absolveu todos os acusados de qualquer responsabilidade e mandou arquivar o processo. Segundo a matéria de O Globo, o Ministério Público Federal teria desistido de recorrer da decisão do juiz pois os crimes ambientais já prescreveram.
O acidente é considerado um dos maiores da história ambiental do país. Na Baía de Guanabara, foi superado apenas pelo vazamento colossal do navio iraquiano Tarik Ibn Zyiad, que em 1975, ano da criação da FEEMA, lançou à Baía 5,978 milhões de litros de óleo, uma quantidade cinco vezes maior que do acidente da REDUC.
Na época do acidente da REDUC, eu exercia a minha primeira gestão como presidente da Feema. No exercício do meu cargo, participei dos esforços de limpeza da Baía de Guanabara, da decisão junto ao IBAMA para aplicar na Petrobras a multa máxima prevista na Lei de Crimes Ambientais (no total, a multa chegou a R$ 51 milhões) e fui arrolado como testemunha pelo MPF no referido processo.
A prioridade daquela gestão era a solução dos principais passivos ambientais do RJ, que incluía o enquadramento na legislação ambiental dos maiores poluidores, no caso a CSN (responsável dentre outros danos ambientais, pelo lançamento de benzo-a-pireno no Rio Paraíba do Sul) e a REDUC, maior responsável pela poluição da Baía de Guanabara. Na ocasião, a CSN já havia se enquadrado e assinava com a FEEMA um TAC - Termo de Ajuste de Conduta, em que se comprometia a investir R$ 180 milhões para a sua regularização ambiental, com o controle da sua poluição. Na ocasião, aquele foi considerado o maior compromisso de correção de passivos ambientais já assinados com um órgão ambiental.
Antes do acidente, a atitude da REDUC ainda pouco diferia dos tempos da ditadura, quando essas grandes atividades industriais eram consideradas "de Segurança Nacional" e os órgãos ambientais sequer tinham acesso às suas instalações. A REDUC, diferente da CSN, admitiu apenas assinar um mero protocolo de intenções.
Depois do acidente, a realidade mudou completamente. Assolados por críticas e na mira da imprensa e de toda a sociedade, a REDUC "bateu no tatame" e, por fim, admitiu assinar um Termo de Ajuste de Conduta com a Feema. Antes disso, como condição do órgão ambiental, uma rigorosa Auditoria Ambiental independente foi feita com a participação de equipes de praticamente todas as Universidades no Rio de Janeiro. Foi identificado o passivo ambiental que a REDUC deveria corrigir e foram analisadas as propostas da REDUC para o seu equacionamento. Ao todo, a FEEMA impôs à REDUC, um investimento orçado à época na ordem de R$ 240 milhões.
Após todo esse processo, a REDUC é hoje uma empresa muito mais confiável quanto à segurança ambiental de seu processo industrial.
Veja no link abaixo as alegações finais do Ministério Público Federal e a sentença do Juiz: http://oglobo.globo.com/blogs/blogverde/posts/2010/01/30/o-duelo-juridico-do-crime-da-baia-de-guanabara-261959.asp
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Minha Opinião:
Independente da Justiça, foi um ponto de inflexão
Independente do mérito da questão, ou seja, se cada uma das pessoas arroladas como réus mereciam ou não ser condenados, o fato é que a Justiça não tem sido mesmo uma aliada do meio ambiente e da cidadania. Crimes ambientais raramente são punidos na Justiça, principalmente se os réus são poderosos. É o que se vê também nos grandes escândalos políticos e na administração pública. Quantos desses casos chegam ao fim e deixam uma sensação de que realmente foi feita Justiça? O que houve com os Anões do Orçamento? Com os autores do Mensalão e tantos outros escândalos? E os prefeitos e outros políticos que são eleitos em desacordo com a legislação e depois beneficiam-se da lentidão da Justiça e empurram seus processos com a barriga até que seus mandatos sejam cumpridos? Cresce na sociedade a reação contra a presença dos "fichas-sujas" na cena eleitoral, mas qual a resposta que o Judiciário - a quem cabe coibir essa presença deletéria nos parlamentos brasileiros - tem feito à respeito?
Baseados em meras tecnicidades, ou seja lá o que ocorreu à cabeça dos senhores juízes, acontecem decisões das mais surpreendentes e questionáveis. Cacciola foi libertado e aconteceu o óbvio: o réu fugiu do Brasil e levou anos para ser repatriado. PC Farias também fugiu, foi capturado em um país do sudeste asiático. Ficou poucos meses na cadeia e ganhou a liberdade "por bom comportamento". Bom comportamento? O "cara" havia fugido da Justiça. Quanto custou a sua captura e repatriação? Deu no que deu: acabou assassinado enquanto usufruía a sua bela casa na praia.
No caso dos outros poderes públicos, quando a autoridade comete erros, existem formas de apuração e punição. No Executivo, são fiscalizados pelo povo (através do voto), pelos Tribunais de Contas, pelo Ministério Público, etc. No Legislativo, também existem mecanismos de controle e o voto dos eleitores também deveria punir os maus parlamentares. E no Judiciário? Qual o mecanismo de controle cidadão?
Infelizmente, a Justiça no Brasil tarda e tem sido muito falha. E isso é muito grave. A Justiça é a forma de se fazer valer direitos individuais e coletivos. Se paira sobre a sociedade a sensação de que o Judiciário é falho, como fazer valer direitos individuais e coletivos? Como manter-se então o estado de direito e a democracia?
Enfim, nos casos de crimes ambientais, a situação não poderia ser diferente do que acontece nos outros segmentos do direito. Precisamos de uma Justiça renovada, com controle social e com instâncias especializadas, capazes de agir com mais eficiência em situações complexas como são as causas ambientais. Precisamos de Juizados Ambientais, instância com juízes especializados.
No mais, no que se refere especificamente ao caso do acidente da REDUC de 2000, se o caso termina "sem culpados", pelo menos a sociedade viu nascer ali uma nova Petrobras, mais responsável e mais preparada para a gestão ambiental preventiva e corretiva. A notória arrogância pré-acidente deu lugar a uma Petrobras ambientalmente competente e engajada, com uma das melhores equipes ambientais do país. De certo, a maior punição aplicada à empresa naquele episódio foi o prejuízo à sua imagem. Basta verificar-se o quanto a empresa investe em imagem, e quanto ela perdeu apenas com aquela comovente imagem registrada por Domingos Peixoto (publicado em O Globo, em 19/01/00) do agonizante biguá lambuzado de óleo? Aquela imagem correu o mundo e estará associada à imagem da Petrobras talvez para sempre. Quanto custa isso? Se a nossa Justiça não é capaz de fazer justiça, a opinião pública fez a sua parte.
Axel Grael
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