terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Toninha, um golfinho tímido e símbolo do Rio

Uma imagem rara: uma toninha é avistada ao subir à superfície para respirar Divulgação/Projeto Toninha.

Misterioso e raro, ele vive nas praias do estado e precisa de ajuda para continuar aqui

RIO - Logo ali atrás das ondas, bem perto dos banhistas que se divertem nas praias de Búzios e outras cidades costeiras do Rio, vive um dos mais encantadores, tímidos e vulneráveis golfinhos de toda a Terra. Em pleno século XXI, quando o homem se comunica com naves espaciais que viajam para além das fronteiras do Sistema Solar, mapeia a superfície de Marte e descobre montanhas nas profundezas do gelo da Antártica, um golfinho, um das mais emblemáticas e amadas criaturas dos oceanos, vive incógnito tão perto de nós tão distante de nosso conhecimento.

Ele mora nas nossas praias, mas praticamente ninguém viu um perto. É um capricho da natureza, uma espécie de anjo do mar. Ver uma toninha é um prêmio maior do que se deparar com os muito mais famosos micos leões dourados ou macacosmuriquis. Há pescadores que passaram a vida toda no mar e nunca viram uma toninha viva, o que dá a esse animal uma aura quase mítica.

E é o futuro desse golfinho, de uma espécie chamada toninha, que promee se tornar um dos grandes desafios ambientais não só do estado do Rio, que tem golfinhos até na bandeira, mas de todo o Brasil. Para continuar a existir, a toninha precisa da ajuda dos homens, de banhistas, surfistas, autoridades, pescadores, empresários, de todos os que se importam com o futuro das praias.

A toninha, que mais parece um bebê flíper com um encanto do boto cor-de-rosa da Amazônia, adora praia. Mas não gosta de se exibir. Diferente dos golfinhos-flíper (o nariz-de-garrafa) e do boto-cinza, ela não salta para fora d’água. Vem à tona discretamente para respirar. A toninha é um tipo de boto, da mesma família dos cinzentos que moram na Baía de Guanabara e vez por outra passeiam pelo mar de Ipanema, Copacabana e Leblon.

Ninguém sabe ao certo a origem do nome toninha, pela qual a espécie Pontoporia blainvillei é chamada no Brasil. Talvez o nome franciscana, pelo qual as populações da espécie são conhecidas no Uruguai, seja até mais apropriado. O nome alude à cor da toninha, que lembra o tom dos hábitos dos frades franciscanos. Discreto e a apropriado aos seus hábitos que a tornam quase invisível.

E a toninha vai mesmo precisar de muita oração para continuar a existir. Ela é a segunda espécie de golfinho mais ameaçada do mundo, destaca o biólogo Salvatore Siciliano, da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP/Fiocruz) e um dos organizadores do Plano de Ação Nacional para a Conservação da Toninha. A primeira é a vaquita, um boto do Golfo da Califónia, México, que segue a nado acelerado para se tornar o segundo golfinho do mundo extinto pela ação humana. O primeiro foi o baiji, o golfinho do Yang-Tsé, na China, declarado extinto na natureza em agosto de 2007, após anos de luta pela sobrevivência nas águas do rio, um dos mais poluídos do mundo.

— Queremos a ajuda da população para salvar as toninhas. Primeiro, queremos apresentar a toninha aos brasileiros. Quase ninguém as conhece, elas são a personificação da saúde de nosso mar, das nossas praias tão queridas. São um símbolo da extraordinária diversidade dos oceanos. A sociedade brasileira tem poder para se mobilizar e pressionar autoridades a proteger as toninhas. E ao proteger esses animais fabulosos, estaremos também protegendo nosso lazer, nos recursos naturais — afirma Siciliano.


Pequenino boto é vítima constante da pesca acidental

Toninha tem seu santuário na Baía de Babitonga, em Santa Catarina

RIO - A toninha é exclusivamente sul-americana. Há grupos na Argentina, no Uruguai e no Brasil. Em nosso país, ela ocorre do Espírito Santo ao Rio Grande do Sul. Porém, estudos mostraram que cada população é isolada. Tem sua própria marca genética que a torna única no planeta. Uma vez que uma dessas populações desapareça, será definitivo. Um dos maiores mistérios sobre as toninhas é que no estado do Rio há uma grande área sem toninhas, uma faixa da Ilha Grande a Cabo Frio. As toninhas só reaparecem em Búzios. No Espírito Santo, há uma outra área sem toninhas semelhante, um mistério que pesquisadores ainda não conseguiram decifrar.

A toninha vive apenas em águas de até 35 metros profundidade. Ou seja, mora no raso, se pensarmos que a profundidade da maior parte dos oceanos do mundo supera os 3.000 metros. A toninha prefere viver por águas perto de rios, talvez por serem mais ricas em nutrientes e com maior oferta de peixes pequenos e lulas, seus principais alimentos. E de camarões, a comida de seus filhotes.

— Ninguém sabe muito bem porque as toninhas não se aventuram em alto-mar. Um motivo plausível é tentar escapar de seus predadores naturais. Toninhas estão entre os alimentos favoritos dos tubarões e orcas que frequentam a costa do Brasil — diz Siciliano.

E orcas, por exemplo, são extremamente comuns na área da Praia Grande, que vai de Arraial do Cabo a Saquarema. Isso talvez imponha uma barreira natural para a espécie. Mas as orcas e tubarões, os maiores predadores dos oceanos, não são os maiores inimigos das toninhas. A pesca acidental é a causa de a espécie estar perto de de saparecer sem ao menos ter sido bem conhecida. Elas não são o alvo dos pescadores — a maioria sequer viu uma viva — mas acabam capturadas por acidente. Toninhas, como tartarugas e outras espécies marinhas, não conseguem escapar das redes de pesca de dezenas de quilômetros de comprimento. Ficam presas.

— Elas morrem afogadas. Beira o absurdo um animal marinho morrer afogado. Mas toninhas são mamíferos, precisam subir à superfície de tempos em tempos para respirar. Presas nas redes, elas morrem às centenas, asfixiadas — explica a pesquisadora de Santa Catarina Marta Cremer, à frente do Projeto Toninhas, uma bem-sucedida empreitada para salvar as franciscanas da Baía de Babitonga.

A população estimada de toninhas brasileiras é de, no máximo, 25 mil animais — um projeto está em curso para identificar o tamanho preciso. Como cerca de mil são mortos a cada ano em redes de pesca, essa taxa é considerada insustentável para a sobrevivência da espécie.

— Esse volume de captura está muito acima da capacidade de recuperação da espécie. As toninhas têm apenas um filhote a cada um ou dois anos. Além disso, elas vivem pouco para um cetáceo, acredita-se que não passem dos 25 anos — explica Marta Cremer.

O fato de serem costeiras as tornam ainda mais vulneráveis aos barcos de pesca. Outros golfinhos vão para o alto-mar. Mas as toninhas, em sua morada à beira-praia, são pegas em casa, não têm como escapar.

O drama das toninhas simboliza a crise dos recursos pesqueiros, não só no Brasil, mas em todo o mundo. Após séculos de exploração constante, os peixes estão escassos. Os navios pesqueiros então recorrem a redes cada vez maiores para pegar cada vez menos peixes, num círculo vicioso de superexploração do mar.

— Há barcos de pesca, com 60 quilômetros, 80 quilômetros de rede. Elas levam tudo em seu caminho — lamenta Marta Cremer.

A outra ameaça à toninha é a vizinhança humana, que transforma seu habitat, com lixo, aterros e construções. Cetáceos são famosos por sua grande capacidade auditiva. Eles também se orientam por sonar. Quem nunca ouviu falar do conto das baleias jubarte, por exemplo? Pois as toninhas parecem ser os cetáceos mais sensíveis à poluição sonora no mar. O barulho vem dos motores de barcos, explosões subaquáticas para prospecção de petróleo e construção de portos e plataformas e atividade portuária.

— Para elas, é um barulho infernal. É como se vivessem no Centro de uma grande cidade. Acreditamos que tanto barulho prejudique sua comunicação e as deixe desorientadas — frisa Marta Cremer.

E por isso que ela, Salvatore Siciliano e outros especialistas estão preocupados com a construção do Porto do Açu, no litoral norte do estado do Rio. Eles esperam sensibilizar empresários para buscar ações de mitigação dos projetos de desenvolvimento.

— É um desafio compatibilizar a construção e o funcionamento de um porto com a preservação de um dos animais mais ameaçados do planeta. Mas acreditamos que isso é possível — diz Salvatore Siciliano.

As toninhas têm o seu santuário na Baía de Babitonga, junto a São Francisco do Sul e Joinville, em Santa Catarina. Essa baía é o único lugar no Brasil — e provavelmente no mundo — onde as toninhas podem ser observadas em seu habitat. Há anos Marta Cremer e sua equipe estudam esses cetáceos e, graças ao seu trabalho, hoje se sabe um pouco mais sobre o comportamento desses animais.

— Estamos num momento decisivo. Nossa luta agora é para tornas as toninhas conhecidas. A população não se preocupa com ela porque simplesmente não a conhece. Mas temos certeza de que, alertada, a sociedade brasileira não vai assistir ao desaparecimento de um animal tão impressionante quanto à toninha. Ela é vítima de um problema que pode ser resolvido — afirma Marta Cremer.

A toninha é uma mestre do disfarce. A tonalidade marrom-acinzentada a mantém quase invisível nas águas escuras da Babitonga, que recebe nutrientes do Canal do Palmital e tem vários manguezais. Marta estima a população de toninhas da Babitonga em cerca de 80 animais. Mesmo acompanhadas há anos, não é fácil encontrá-las, as toninhas se confundem com a ondulação.

— Só conseguimos vê-las quando o mar está bom. Estamos dentro do estuário, então as águas costumam ser escuras e não ajudar muito — explica a cientista.

Os pesquisadores não sabem ao certo porque a Babitonga é o paraíso das toninhas. Uma das possibilidades é que sejam atraídas para lá devido à ausência de predadores.

— Mas outros estuários têm condições parecidas. Precisamos aprender mais — diz Marta.

Uma das coisas que os pesquisadores querem descobrir é se as toninhas vivem em famílias. Elas formam pequenos grupos de três animais, que se reúnem frequentemente a outros maiores.

— Os cetáceos são animais altamente sociais. Não vivem sós — explica a cientista.

Este ano Marta começou a estudar as toninhas por meio de satélite. Cinco golfinhos foram capturados e tiveram transmissores instalados, num projeto financiado pela Petrobras. A ideia é descobrir as rotas das toninhas e como se agrupam.

— As toninhas têm um habitat limitado. Os golfinhos de Santa Catarina não conhecem nem se misturam aos do Rio. Por isso, cada população é única. Para conservação, isso é muito ruim, pois cada população tem um patrimônio genético que poderá ser perdido — diz Marta.

Fonte: O Globo e O Globo

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