sexta-feira, 10 de abril de 2015

Sistema tributário pode incentivar o desenvolvimento sustentável: casos de logística reversa




O que impede o desenvolvimento da logística reversa, se o negócio é bom? Faltam políticas fiscais simplificadas que facilitem e incentivem essa prática.

Por Jorge Abrahão*

ETHOS RESÍDUOS SÓLIDOS – Num cenário de discussões cada vez mais acaloradas sobre “ajustes fiscais”, a sociedade parece estar perdendo uma perspectiva mais ampla de como os “apertos” em determinados setores podem ser transformados em oportunidades para a emergência de novos segmentos que funcionem dentro de uma nova lógica, verde, inclusiva e responsável.

Um exemplo é a questão da logística reversa, um conjunto de ações, procedimentos e meios destinados a viabilizar a coleta e a restituição dos resíduos sólidos ao setor empresarial, para reaproveitamento, em seu ciclo ou em outros ciclos produtivos, ou para outra destinação.

A Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), instituída pela Lei nº 12305/2010, estabelece a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos. Assim, fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes tiveram de começar a desenvolver e colocar no mercado produtos que sejam aptos à reutilização e à reciclagem. E também precisaram pensar em como retirar do meio ambiente os resíduos desses produtos para serem reelaborados com vistas à reutilização.

Essa responsabilidade é compartilhada também com os consumidores, os cidadãos, nós, enfim. De acordo com a PNRS, nós temos que acondicionar adequadamente e de maneira diferenciada os resíduos sólidos gerados, separando os reutilizáveis e recicláveis para coleta ou devolução.

Como fazer funcionar esse sistema, de modo que os produtos cheguem de volta à indústria de todos os cantos do país e deixem de ir parar em bueiros, rios, praias ou mesmo aterros sanitários?

Com planejamento e participação das empresas, dos consumidores e do poder público isso é possível. Todos os elos devem estar encadeados, ou seja: consumidores efetuando a devolução aos comerciantes ou distribuidores das embalagens ou produtos após o uso; estes, por sua vez, reencaminhando aos fabricantes ou importadores dos materiais devolvidos; e, finalmente, fabricantes e importadores dando destinação ambientalmente adequada ao material ou devolvendo-o à sociedade em forma de produtos ou embalagens reciclados.

Observe-se que cada brasileiro produz mais de 1 quilo de lixo por dia, num total de 383 quilos por ano. Um terço desse total é potencialmente reciclável, mas só 3% de fato têm esse destino.

Alguns exemplos de logística reversa

Cuidar desses resíduos está virando um bom negócio no Brasil. Segundo a Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe), a gestão de resíduos movimentou, em 2013, R$ 25 bilhões.

No Brasil, o caso mais bem-sucedido de logística e reciclagem é o de latinhas de alumínio. O país produz 1,8 bilhão de latinhas por mês. Em trinta dias, praticamente 100% delas são utilizadas, coletadas, recicladas, envasadas e devolvidas às prateleiras.

Os principais agentes que garantem essa logística reversa são, em primeiro lugar, as cooperativas de catadores e, em segundo, as casas, prédios e condomínios de classe média, bem como prédios comerciais que fazem a coleta das latinhas e as vendem para algum intermediário ou as entregam para cooperativas.

O tempo médio que uma latinha fica na rua ou numa lixeira em São Paulo é de dez segundos e a reciclagem de latinhas movimenta perto R$ 2 bilhões por ano.

Outros produtos também já rendem negócios por meio de ideias inovadoras. Já há empresas especializadas que atuam, por exemplo, na coleta de embalagens, fazendo parcerias com grandes marcas.

É o caso da TerraCycle, que trabalha com 50 marcas em 26 países, inclusive no Brasil. O modelo usado é o de “brigadas de coleta”. Uma empresa se torna patrocinadora de uma ou mais brigadas de coleta. O consumidor se inscreve em uma delas pelo site na TerraCycle e recolhe as embalagens, enviando a remessa, sem nenhuma despesa, para a empresa. As embalagens são encaminhadas para reciclagem e, para cada uma delas que o consumidor remete, a TerraCycle doa R$ 0,02 para uma escola ou entidade sem fins lucrativos.

Outra forma de instituir a logística reversa é por meio de acordos setoriais. O Grupo de Trabalho de Resíduos Sólidos, cuja secretaria executiva é feita pelo Instituto Ethos e do qual fazem parte 20 empresas, teve participação ativa na discussão e aprovação do Acordo Setorial de Lâmpadas Fluorescentes de Vapor de Sódio e Mercúrio e de Luz Mista. O objetivo desse acordo é garantir que a destinação final dessas lâmpadas seja feita de forma ambientalmente adequada, conforme prescreve a PNRS.

No Brasil, descartam-se quase 100 milhões de lâmpadas fluorescentes por ano. Desse total, 94% são enviados para aterros sanitários, contaminando o solo e os lençóis freáticos com metais pesados, principalmente mercúrio.

Pelo acordo, o chamado “gerador domiciliar” deve descartar as lâmpadas inservíveis em pontos de entrega fixos ou por meio de entregas eventuais. É a prefeitura de cada município que define o sistema de coleta. Mas, a rede de supermercados Walmart mantém coletores de lâmpadas fluorescentes dos consumidores domiciliares.

Os geradores não domiciliares deverão se unir para contratar uma “entidade gestora” desses resíduos, uma empresa especializada em coleta e manuseio desse material. Essa entidade vai fornecer um recipiente padrão, que, quando estiver cheio, será retirado por ela e encaminhado para a indústria de reciclagem.

Esse é o negócio da Apliquim Brasil Recicle, que já recuperou mais de 150 toneladas de mercúrio no país. Ela é resultado da fusão de duas empresas, a Apliquim e a Brasil Recicle. A Apliquim foi fundada em 1985, em Paulínia (SP), para recuperar o mercúrio oriundo da indústria de cloro-soda (produção de defensivos agrícolas, tubos de PVC, remédios, produtos de higiene, tintas, tecidos, papel e celulose e cloro para potabilidade da água). A Brasil Recicle surgiu em 1999, em Indaial (SC), já com foco no negócio de coleta, descontaminação e reciclagem de lâmpadas fluorescentes. A fusão ocorreu em 2009, quando a nova empresa passou a operar sob o nome de Apliquim Brasil Recicle, especializada em reciclagem de lâmpadas fluorescentes e HID (xenônio), com descontaminação de mercúrio.

Embora essas iniciativas já estejam ocorrendo há um certo tempo, os avanços ainda estão lentos face ao volume de resíduos que precisam ser coletados e reciclados.

Bom negócio

O que impede o desenvolvimento da logística reversa, se o negócio é bom?

Faltam políticas fiscais simplificadas que facilitem e incentivem a movimentação de resíduos, concedendo crédito presumido, adicional, de IPI, PIS/Pasep e Cofins, bem como de ICMS, para empresas engajadas nas atividades de logística reversa e desonerando a incidência sobre serviços que envolvam produtos em fim de vida, entre outros mecanismos.

Num momento em que o próprio ministro da Fazenda, Joaquim Levy, comenta a necessidade de mudar a incidência do ICMS, por que não tentar essa inovação com os resíduos sólidos? Até porque está mais fácil reunir numa mesma mesa o poder público, a sociedade civil e as empresas, pois, nesse tema, as conversas começaram há mais de vinte anos, quando o primeiro projeto de lei sobre resíduos sólidos chegou ao Congresso.

Quem sabe essa conversa sobre incentivos para a logística reversa não evolui para uma discussão maior e mais abrangente sobre reforma fiscal para o desenvolvimento sustentável?

* Jorge Abrahão é diretor-presidente do Instituto Ethos.

Fonte: Ethos





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