".
O foco das discussões foi a implantação, gestão e sinalização de trilhas (principalmente as de longo curso), atividades de ecoturismo, caminhadas (trekking), ciclismo e outras práticas em trilhas e nos parques. Também foram enfatizadas as experiências de estados e municípios com relação ao fortalecimento de parques e trilhas. Dentre as principais preocupações durante os debates e conversas de bastidores estavam os retrocessos na legislação ambiental, com o criminoso desmonte dos órgãos ambientais verificado principalmente no âmbito federal, as tentativas de reduzir unidades de conservação e os ataques contra áreas indígenas e outras áreas protegidas.
A programação contou também com a apresentação de casos de sucesso – como a Rota Vicentina de Portugal e a Rede Boliviana de Trilhas. Sob a liderança da
World Trails Network, foram discutidas as bases para uma
Rede Pan Americana de Trilhas.
Na mesa de encerramento, anunciamos a cidade de
Niterói como a sede do II Congresso Brasileiro de Trilhas, a ser organizado no primeiro semestre de 2023. Fiz o discurso de encerramento, com uma apresentação sobre Niterói e o seu esforço de proteção e recuperação ambiental, o que faz da cidade uma referência de sustentabilidade urbana.
Parques na minha trajetória pessoal Comecei a
minha militância ambientalista no final da década de 1970. Em 1977, entrei para a Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro e
iniciei o curso de Engenharia Florestal, me formando em 1983.
Em 1980, fundei o
Movimento de Resistência Ecológica- MORE, organização que fez história no movimento ambientalista de Niterói. Anos depois, surgiu o
Movimento Cidadania Ecológica - MCE, que deu continuidade às atividades do MORE. A nossa primeira bandeira como ambientalista foi a despoluição da Baía de Guanabara, com foco principalmente no tema do saneamento e no enfrentamento à poluição causada pelas indústrias de conserva de sardinhas (Fábricas de Sardinha), que eram numerosas em Niterói, localizadas em Jurujuba, Ilha da Conceição e Barreto. Logo passamos a lutar também pela
criação do Parque Estadual da Serra da Tiririca, pela recuperação das lagoas de Piratininga e Itaipu e por ciclovias em Niterói.
Em 1991, fui nomeado por Leonel Brizola presidente da
Fundação Instituto Estadual de Florestas - IEF/RJ, órgão responsável pela gestão de áreas protegidas estaduais e na condução da política florestal, de recuperação de áreas degradadas e de biodiversidade. Eram tempos de muita fragilidade da política estadual e nacional de gestão de parques.
Mesmo com a aproximação da Rio-92, que trouxe mais visibilidade para os temas ambientais, parques estavam fora do centro da agenda governamental nacional e nos estados! Mesmo assim, consegui avanços importantes, como a criação do
Parque Estadual da Serra da Tiririca - PESET, que tanto lutamos para a sua aprovação. Também foi criado na nossa época a
Reserva Ecológica da Juatinga (Parati) e a interessante experiência da proposição da
Reserva da Biosfera da Mata Atlântica, homologada pela UNESCO, a primeira estratégia de proteção de um bioma no país. A
publicação dedicada à iniciativa fluminense traz a seguinte referência: "
Dedicado a Axel Grael e equipe do Instituto Estadual de Florestas – RJ, que tornaram possível a criação da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica no Estado do Rio de Janeiro".
Era preciso enfrentar os grandes desafios das atribuições institucionais do IEF/RJ com os pífios recursos orçamentários do órgão, que mal davam para atender ao seu custeio. Fomos atrás de soluções e só conseguimos avançar com os recursos oriundos do
Programa Nacional da Meio Ambiente - PNMA, financiado pelo Banco Mundial, e com recursos para o reflorestamento de encostas provenientes do Grupo Executivo de Recuperação e Obras de Emergência - GEROE, criado para a recuperação do Rio de Janeiro após as chuvas que assolaram a região metropolitana em 1988. Outra importante vertente de avanços foi na inesquecível parceria com o vice-governador Darcy Ribeiro, que permitiu desenvolver o Projeto Floresta da Pedra Branca.
Mas, o
IEF/RJ foi a minha grande escola de gestão de parques e outras unidades de conservação, atividade e preocupação que levei comigo por toda a vida. Graças ao IEF/RJ, fui convidado pelo governo dos EUA,
para uma visita oficial ao país na condição de "International Visitor", sob os auspícios do Programa de Ciência e Tecnologia do USIA - US INFORMATION AGENCY, entre os dias 07 e 25 de junho de 1993. Cumpri uma agenda que me levou a percorrer os principais parques nacionais americanos (Yellowstone, Montanhas Rochosas, Everglades, Luquillo, em Porto Rico), além de parques estaduais e municipais. A visita me permitiu dialogar diretamente com dirigentes do Serviço Nacional de Parques (US Park Service), do Serviço Florestal (US Forest Service), do Serviço de Pesca e Vida Selvagem (US Fish and Wildlife Service), da Agencia de Proteção Ambiental (EPA) e outros órgãos relacionados ao tema a nível estadual e municipal do país, além das mais importantes ONGs. Uma verdadeira "pós-graduação" em gestão de parques e políticas de conservação.
A visita reforçou a minha opinião que parques precisam ser entendidos e geridos, além da finalidade de conservação da natureza, como instrumentos de desenvolvimento econômico e social. Me impressionou na época a informação do dirigente do National Park Service que parques geravam 3% do PIB americano! O que gera todo esse impacto positivo na economia? São as atividades de turismo e ecoturismo, a indústria de materiais e equipamentos para os parques, a maravilhosa indústria editorial dedicada aos parques americanos e, até um tempo atrás, até mesmo o Zé Colmeia, Wally Gator, Bambi e outros personagens eram desdobramentos da importância dos parques para a cultura americana e que repercutiram no mundo todo.
Christa Grael em visita ao projeto de restauração do Spa Creek, em Maryland, EUA.
Recuperação da seção da calha do rio, com a redefinição da várzea. Foto Axel Grael. (Saiba mais aqui)
Minha trajetória profissional me levou eventualmente para outros caminhos, mas mesmo quando não eram objeto direto do meu trabalho, nunca deixei de acompanhar de perto as discussões sobre parques. Participei das discussões para a criação da lei que instituiu o
Sistema Nacional de Unidades de Conservação - SNUC (Lei 9985/2000), estruturei um mecanismo de compensações ambientais no RJ (1999-2000) para financiar os parques estaduais (mecanismo que foi incorporado posteriormente ao SNUC) e muitos outros debater concernentes às unidades de conservação no Brasil.
Parques e políticas de conservação no Brasil
Em contraste com o que eu via no exterior, parques eram vistos no Brasil como símbolo de entraves ao desenvolvimento e até contraditoriamente como meros sorvedores de verbas, que afinal, nunca estiveram disponíveis para os parques.
Cito aqui alguns exemplos de como que conceitos, políticas e práticas inadequadas acabaram construindo-se uma percepção equivocada com relação a áreas protegidas. Certa vez, um prefeito fluminense, diante da criação de uma unidade de conservação no seu município, me procurou no IEF/RJ para interpelar: "
O que vocês têm contra o meu município?" Sentia-se prejudicado pela criação de uma unidade de conservação. A contrariedade do prefeito era compreensível. Da forma que os parques eram criados e geridos, podiam mesmo ser interpretados como a intromissão de outra instância no seu território de poder, sem uma contrapartida clara.
Lembro também que quando assumi o IEF/RJ, me reuni com dirigentes da gestão anterior e ouvi que o maior problema era o
Parque Estadual da Pedra Branca, uma área quatro vezes maior que o
Parque Nacional da Tijuca e igualmente localizada na cidade do Rio de Janeiro. Chamava a minha atenção o fato de uma área tão importante, tão valiosa em termos ambientais, no coração da metrópole do Rio de Janeiro, ser considerado um problema e não uma oportunidade. O motivo era que o Parque era administrado com um pequeno efetivo de "guardas florestais" posicionados no seu entorno, para
impedir que pessoas entrassem no parque. Essa lógica, de "parques-fortaleza" não teria a menor possibilidade de dar certo: parques não podem ser como vitrines onde as pessoas ficam de fora olhando para dentro. Há que se construir uma relação de pertencimento.
Ninguém valoriza o que não conhece e
parques precisam de apoio da sociedade para que tenham a devida prioridade.
Conforme estudos que fiz há alguns anos, o Brasil precisa superar o que eu chamo do
Ciclo Vicioso das Unidades de Conservação: parques não são uma prioridade para os tomadores de decisão sobre o destino das verbas governamentais porque parques não repercutem o suficiente na opinião pública; não repercutem porque as pessoas não os conhecem; as pessoas não conhecem porque não são atraentes; não são atraentes porque carecem de infraestrutura; não há investimentos em infraestrutura porque não são uma prioridade política...
Como diz o meu amigo, o ambientalista Paulo Bidegain da Silveira Primo (mantém o blog
Parquespark),
não temos na administração pública uma postura empreendedora com relação às áreas protegidas. Quando um governo decide fazer uma estrada, uma hidrelétrica, uma ponte, sabe exatamente como proceder. Faz-se um estudo de viabilidade ou um projeto conceitual, evolui-se para um projeto básico, projeto executivo e contrata-se a execução da obra. A decisão de criar um parque normalmente não conta com a mesma lógica. Parques são tradicionalmente criados no Dia da Árvore, no Dia do Meio Ambiente, em solenidades festivas e não contam, a seguir, com as demais etapas de implantação. Acabam se tornando os chamados "parques de papel": sem orçamento, sem equipe, sem o equacionamento da situação fundiária, sem infraestrutura...
Portanto, os parques acabam não cumprindo a sua função social, econômica, educacional e, sequer, a sua função ecológica. Parques também precisam ser implantados na sua plenitude, o que significa ter condições gerenciais, prestar serviços à sociedade e produzir o reconhecimento da população quanto à sua importância.
Longe de nós propor que os parques devem se parecer com parques de diversão. Não queremos que sejam uma "disneylândia", mas é preciso atrair as pessoas e a infraestrutura deve ser planejada para garantir a qualidade da experiência de quem visita o parque, deve prover segurança e estar lastreado nas melhores técnicas e avaliações de
capacidade de suporte, para que a visitação aconteça sob a garantia de sustentabilidade.
Como acontece em outros países, parques precisam ser também instrumentos de desenvolvimento econômico e gerar oportunidades de emprego e renda, ou seja, "produzir os 3% do PIB como nos EUA". Parques são necessários para proteger a natureza, mas precisam também ser desejados e reivindicados, não apenas por ambientalistas e interessados em ecoturismo, mas pela sociedade como um todo.
Parques e trilhas
Após mais de 30 anos de experiência com parques, vejo com frustração os frágeis avanços alcançados e me assusta as ameaças crescentes que se verificam em tempos recentes de retrocessos ambientais no país. Temos falhado na missão de sensibilizar a sociedade em favor dos parques, pelo menos não ao ponto de torná-los uma prioridade.
Vejo a iniciativa da
Rede Brasileira de Trilhas como um grande acerto, pois simplifica a narrativa e com o fomento na iniciativa de implantação e aperfeiçoamento das trilhas, aposta no que pode dar certo: atrair as pessoas para o convívio com a natureza e conhecer os parques. As trilhas são uma estratégia positiva pois, apesar de também serem desafiadoras, são muito menos complexas e menos conflitivas do que implantar parques. E o sucesso das trilhas atraem as pessoas e poderão gerar a massa crítica que precisamos para priorizar os parques.
Também acertadamente, a Rede incentiva o protagonismo municipal e da sociedade civil, que agrega uma grande capilaridade no território, facilita a gestão de eventuais conflitos, principalmente quando essas trilhas estão fora das áreas protegidas ou encontram-se em situação de indefinição fundiária nas unidades de conservação. Outro aspecto favorável na proposta da Rede é que, através do conceito do longo curso, ela promove a percepção de pertencimento de um esforço maior e de natureza solidária, o que incentiva as iniciativas locais.
Foto aérea do Parque Natural Municipal de Niterói - Morro da Viração.
Niterói, parques e trilhas