Desflorestamento para o avanço de terras cultiváveis em Madagascar - Dudarev Mikhail/Shutterstock.com |
3,2 bilhões de pessoas já são afetadas pela degradação do solo, número que tende a aumentar ainda mais nas próximas décadas
RIO — A degradação do solo provocada por atividades humanas ameaça o bem-estar de 3,2 bilhões de pessoas, a sobrevivência de espécies animais e vegetais e intensifica as mudanças climáticas. Além disso, contribui para o aumento dos conflitos e para a migração em massa, alerta relatório divulgado nesta segunda-feira pela Plataforma Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES, na sigla em inglês), órgão ligado às Nações Unidas. Estimativas apontam que menos de 25% da superfície terrestre do planeta ainda resiste a impactos substanciais e, até 2050, esse percentual será de menos de 10%.
— A degradação da superfície terrestre da Terra pelas atividades humanas está levando o planeta em direção à sexta extinção em massa — alertou o sul-africano Robert Scholes, um dos coordenadores do relatório sobre Degradação e Restauração de Terras Degradadas divulgado pela IPBES, em Medellín, na Colômbia. — Evitar, reduzir e reverter este problema, e restaurar terras degradadas, é uma prioridade urgente para proteger a biodiversidade e os serviços do ecossistema vitais para toda a vida no planeta.
O relatório foi aprovado em reunião plenária da IPBES pelos seus 129 países-membros. Participaram da elaboração do documento mais de cem pesquisadores de 45 países, que consultaram mais de 3 mil fontes. O documento recebeu mais de 7,3 mil comentários e foi revisado por mais de 200 especialistas, sendo o mais completo estudo já realizado sobre a degradação do solo. A maior ameaça, concluem os especialistas, é o avanço rápido e não sustentável de terras agrícolas e pastagens.
Em 2014, mais de 1,5 bilhão de hectares de ecossistemas naturais foram convertidos para a agropecuária. Terras agrícolas e pastagens agora cobrem mais de um terço da superfície terrestre do planeta, espaços antes ocupados por ecossistemas naturais, incluindo as ricas florestas tropicais e subtropicais. E a demanda crescente por alimentos e biocombustíveis pressiona a expansão das zonas cultiváveis, com uso de quantidade cada vez maior de pesticidas e fertilizantes, que deve dobrar até 2050.
Vista aérea mostra a Floresta Amazônica cercada pelo avanço do cultivo da soja em Mato Grosso - PAULO WHITAKER / Agência O Globo |
— As zonas úmidas (paisagens como pântanos e charcos, por exemplo) foram particularmente afetadas — disse o italiano Luca Montanarella, que também coordenou o estudo. — Nós notamos perdas de 87% dessas áreas desde o início da era moderna, sendo 54% desde 1900.
Por trás da degradação está o estilo de vida dos países desenvolvidos, combinado com a elevação do padrão de consumo nas economias emergentes e em desenvolvimento. O consumo per capita alto e em crescimento, amplificado pelo aumento da população, provoca a expansão não sustentável da agropecuária, da extração mineral e de recursos naturais e da urbanização.
— Com este relatório, a comunidade global de especialistas apresenta um alerta franco e urgente — afirmou Robert Watson, presidente da IPBES. — A degradação do solo, a perda da biodiversidade e a mudança climática são três faces diferentes do mesmo desafio central: o impacto cada vez mais perigoso das nossas escolhas na saúde do meio ambiente. Nós não podemos combater qualquer uma dessas três ameaças isoladamente. Todas merecem prioridade e devem ser tratadas em conjunto.
A degradação das terras é um dos maiores contribuidores para as mudanças climáticas, com apenas o desflorestamento respondendo por cerca de 10% das emissões de gases do efeito estufa. Outro fator é a liberação do carbono armazenado no solo, que respondeu pela liberação de 4,4 bilhões de toneladas de carbono entre 2000 e 2009. Por outro lado, a proteção, redução e reversão da degradação podem fornecer mais de um terço das ações de mitigação necessárias para a manutenção do aquecimento abaixo de 2 graus Celsius, segundo o Acordo de Paris.
Imagem mostra atividade mineradora no Pantanal, a maior zona úmida do planeta - CARL DE SOUZA / AFP |
— Até 2050, a combinação de degradação do solo com as mudanças climáticas vai reduzir a produtividade global de alimentos em 10%, e de até 50% em algumas regiões — previu Montanarella. — Em apenas três décadas a partir de agora, cerca de 4 bilhões de pessoas viverão em zonas secas. Até lá, é provável que a degradação do solo e problemas correlatos das mudanças climáticas terão forçado a migração de até 700 milhões de pessoas. E a redução da produtividade da terra também torna as sociedades mais vulneráveis à instabilidade social.
Para resolver o problema, os especialistas pedem coordenação entre governos para encorajar a produção agrícola sustentável e a eliminação de subsídios para culturas que promovam a degradação do solo. Eles pedem que consumidores reduzam o desperdício e sejam mais conscientes sobre o que comem, dando preferência a vegetais, que têm menor impacto sobre a terra que a pecuária. Os produtores devem ser incentivados a produzirem mais na mesma terra, e governos e empresas devem acelerar projetos de reabilitação do solo.
— Isso é extremamente urgente — afirmou Montanarella. Se nós não mudarmos o nosso estilo de vida, os hábitos de consumo e a forma como usamos a terra, então cedo ou tarde nós iremos destruir este planeta. E procurar por outro não é uma opção.
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