segunda-feira, 25 de julho de 2011

Corrida contra o tempo para salvar a Baía de Guanabara

Lixo acumulado na Ilha de Brocoió. Foto de Fernando Lemos, 01/12/2009.

Poluição, esgoto, assoreamento e despejo irregular de lixo sufocam o ecossistema escolhido para as provas de vela dos Jogos Olímpicos de 2016

As águas escuras, quase sempre com algum lixo visível e dejetos, foram no século 19 o local escolhido por Dom João VI para seus banhos de mar. As praias abrigadas, paradisíacas, pelo que contam os relatos daquele tempo, são hoje o ralo de cerca de 10 milhões de moradores da região metropolitana do Rio. E o que se vê na Baía de Guanabara é que, desde os banhos do monarca, não se pensou nem se agiu de forma minimamente eficiente para preservar um ecossistema vital para toda essa gente.

Imaginar um Rio pronto para os Jogos Olímpicos de 2016 com a Guanabara nas condições atuais é impossível. E, apesar dos rios de dinheiro já empregados em programas de despoluição e em saneamento, só um projeto de dimensões olímpicas parece adequado para reverter o quadro que vem causando progressivamente a morte da baía.

A Baía de Guanabara vai receber as competições de vela das Olimpíadas de 2016. Mas quem navega diariamente no espelho d’água, nos dias de hoje – cerca de 100 mil passageiros por dia, pelas contas da Barcas S.A. –, disputa espaço com uma quantidade inestimável de lixo lançado nas encostas e cursos d’água dos municípios no entorno da ‘boca banguela’ – como cantou Caetano Veloso, na música em que cita as impressões de Claude Levi Strauss sobre a baía.

Nessas condições, realizar uma competição olímpica é impensável. Palavra de quem entende. “O detrito prejudica a performance do velejador imediatamente. O lixo pode enganchar no barco e torná-lo lento. Eventualmente, é possível que isso defina ou modifique o resultado de uma regata. Repercutirá super mal”, argumenta o iatista com maior número de medalhas olímpicas, Torben Grael.

Gilberto Rodrigues Corrêa, de 58 anos, não é iatista. Mas entende como poucos o que é navegar na Guanabara. Ele é segundo oficial de máquinas da marinha mercante. Trabalha nas barcas há 34 anos fazendo o trajeto para Paquetá e para a Ilha do Governador. Em uma de suas viagens do dia, contou à reportagem do site de VEJA sobre a época em que os passageiros desembarcavam em Paquetá e ele aproveitava para mergulhar na baía, até o horário de retorno da embarcação ao Rio.

“O detrito prejudica a performance do velejador imediatamente. O lixo pode enganchar no barco e torná-lo lento. Eventualmente, é possível que isso defina ou modifique o resultado de uma regata. Repercutirá super mal”. Velejador Torben Grael.

Olhando para água, diz: “Sou um admirador disso daqui”. A cor da Guanabara já não é a mesma. De tão escura, não se vê nada além da superfície. Mergulhar? Nem pensar. “Piorou muito”, afirma. De uns tempos para cá, Corrêa passou a ver as barcas à deriva. O motivo é o lixo, que impede o prosseguimento da viagem até que o funcionário vá remover a sujeira.

Em um passeio pela baía, um passageiro avista sem dificuldades pedaços de isopor, peixes mortos, garrafas pet, sacolas de plástico, e, dependendo do dia, móveis, geladeira e até luvas de box. O lixo chega por 45 rios que desembocam nas águas da Guanabara. O esgoto também, pois nem 25% dele são tratados. O problema é visível: um terço da população do Rio de Janeiro vive em condições inadequadas, sem saneamento. O resultado não surpreende. A poluição dos rios do município de São Gonçalo, por exemplo, está 500% acima do permitido.

Quando o assunto é a despoluição da baía, o dinheiro some com a mesma facilidade com que o lixo aparece. Em 1993, o então governador Leonel Brizola lançou o Programa de Despoluição da Baía de Guanabara (PDBG), que durou até 2006 e custou um bilhão de dólares. Na prática, nenhuma diferença foi notada na baía. Três estações de Tratamento de Esgoto foram erguidas há mais de dez anos, mas até hoje não funcionam. O problema, nesse caso, não é de difícil compreensão: os ‘doutores’ da época não previram que, para chegar às estações, seria necessário existir a rede de esgoto, que continua incompleta.

Só agora, através de um novo projeto chamado Programa de Saneamento dos Municípios do entorno da Baía de Guanabara (PSAM), é que os troncos construídos para levar o esgoto serão interligados a essas estações. No caso de São Gonçalo, os dutos ainda não existem.

O PSAM terá recursos do PAC, do fundo estadual de conservação estadual e do Banco Interamericano de Desenvolvimento. Ao total, serão 640 milhões de dólares. As obras têm início previsto em 2012 e será preciso correr contra o tempo para o investimento ter algum efeito a tempo dos Jogos Olímpicos. A ação, nesse caso, não pode ser isolada: o entorno da baía recebe a influência de uma área 10 vezes maior do que a dela. Ou seja, se todo o lixo e a poluição desaparecessem em um passe de mágica, mas nada fosse feito nos rios, na coleta de lixo de favelas nesse entorno, em algumas horas a poluição recomeçaria.

Os sedimentos não param de chegar à Baía de Guanabara em quantidade maior do que o natural. Um estudo feito pela UFF mostra que a taxa desses sedimentos na época de ocupação indígena era de apenas 0,14 centímetro ao ano, considerada normal. De 1922 a 1957, a taxa foi para 0,49 centímetro. No intervalo entre 1997 a 2004, a baía começou a perder 1,25 centímetros anuais. O resultado é uma ainda imperceptível, mas mortal, redução da profundidade do espelho d’água.

Algumas metas do PSAM para 2016: o funcionamento das três estações já prontas, a ampliação da maior estação de esgoto da cidade do Rio, chamada Alegria, de 2.500 litros por segundo para 7.400 litros, a criação de uma outra em Alcântara e a construção de dutos na Baixada Fluminense. O objetivo principal é aumentar de 30% para 60% o esgoto tratado no Rio de Janeiro, e dentro desse aumento a Guanabara não está sozinha – há ainda a Baixada de Jacarepaguá, toda a Barra da Tijuca e áreas com sistema precário em bairros próximos do centro do Rio.

O processo será lento. “Os benefícios sobre a baía não se darão imediatamente. Serão necessários anos para surtir efeito. Primeiro, vamos interromper a evasão de esgotos para o mar. Depois vem o processo de recuperação da baía”, afirma o superintendente da secretaria de estado do Ambiente, Gelson Serva, que tem a difícil tarefa de melhorar a situação da Baía de Guanabara até os Jogos Olímpicos. “Nas Olimpíadas sentiremos um avanço. Mas será progressivo até 2020”, prevê.

Educação e paciência – A ambição de melhorar significativamente a água da baía em cinco anos parece impossível. Primeiro teria que limpar todos os rios, o que já é muita coisa. Depois, tem a questão do lixo, que passa por uma tarefa ainda mais difícil: a educação. “É inviável deixar a Baía limpa até 2016”, afirma o professor de geologia da Universidade Federal Fluminense (UFF) José Antônio Baptista Neto. E a lista das tarefas vai além. Os lixões do entorno da Guanabara, como o de Gramacho, ainda lançam chorume. É trabalho para décadas. Pelos cálculos de Baptista, uma política séria de saneamento só teria efeito após 20 anos.

Voltar ao cenário que levava Dom João VI a se banhar na Baía de Guanabara é impossível. E mesmo com todo o dinheiro que se promete investir, os envolvidos na despoluição admitem que a meta é devolver à água um aspecto aceitável. Isso significa, em uma perspectiva realista, que se todas as promessas respeitarem o cronograma previsto, será possível chegar em 2016 com a baía um pouco menos escura e com uma quantidade menor de lixo boiando pelas águas. A construção de aproximadamente 40 ‘ecopontos' até o final de 2011 é uma ação da secretaria estadual do Ambiente que tem por objetivo reduzir a quantidade de dejetos despejados pela população nos rios.

“A Baía de Guanabara é a imagem do Brasil mais usada no exterior. Uma imagem suja também prejudica a imagem do país. Ela é a nossa sala de visitas. Os dois aeroportos ficam dentro dela”, argumenta Dora Negreiros, presidente da ONG Baía de Guanabara.

“A Baía de Guanabara é a imagem do Brasil mais usada no exterior. Uma imagem suja também prejudica a imagem do país. Ela é a nossa sala de visitas. Os dois aeroportos ficam dentro dela”. Dora Negreiros, presidente do Instituto Baía de Guanabara - IBG.

A professora de química da PUC-Rio Angela Wagener lembra ainda que outras ações são necessárias, como replantar a cabeceira dos rios e a mata ciliar. Caso contrário, a cada chuva continuará a chegar à baía uma enxurrada de sedimentos, causados em parte pelo desmatamento das florestas. O solo é lavado e levado para a Guanabara. “Não adianta dragar e não fechar as torneiras que levam os sedimentos e o material contaminado. Senão, é como tentar enxugar o oceano”, explica Angela.

Fonte: Revista VEJA

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