domingo, 7 de março de 2010

Helene Schmidt e os Imigrantes na Ilha das Flores, na Baía de Guanabara



A preservação de uma parte importante da história de muitas famílias de brasileiros

Na edição do jornal O Fluminense (Niterói-RJ) de 07 de março de 2010, uma ótima notícia nos trouxe orgulho, emoção e saudades. A boa notícia foi anunciada sob a manchete: "São Gonçalo terá Museu da Imigração".

Durante quase um século (1877 a 1966), a Ilha das Flores, na Baía de Guanabara (hoje com acesso pela Rodovia Niterói-Manilha e abrigando uma instalação militar da Marinha), recebia imigrantes estrangeiros que chegavam ao Brasil. Lá, os recém-chegados imigrantes, das mais variadas origens, eram hospedados, recebiam exames médicos, eram eventualmente curados de enfermidades e recebiam propostas de empregos de todo o Brasil. Enquanto existiu, a unidade da Ilha das Flores recebeu 300 mil estrangeiros que chegaram ao Brasil pelo Porto do Rio.

Helene Schmidt


Helene Schmidt.


Quando li a notícia, me lembrei da minha avó Helene (avó também de Torben e Lars Schmidt Grael; de Ingrid e Anders Schmidt; de Rolf e Stephan Schmidt, além de Glenn Haynes).

Helene Margrete Jelinski, nasceu na Prússia Oriental, na cidade de Lyck (hoje Polônia). Mudou-se para Hannover durante a I Guerra Mundial após ver a sua cidade-natal ser destruída por bombardeios. Em 1922, desiludida com a Alemanha do pós-guerra e com dificuldades de relacionamentos na família, Helene decidiu mudar a sua sorte. Com muita coragem e determinação, Helene veio para o Brasil, desacompanhada, quando ainda tinha 17 anos. Não conhecia ninguém por essas bandas.

Na verdade, com quase todas as suas economias, comprou uma passagem de navio para a Argentina, mas na travessia do Atlântico conheceu um advogado brasileiro que lhe ofereceu emprego de governanta na casa de sua família, em Petrópolis. Quando o navio aportou na Baía de Guanabara, diante da maravilha do cenário e do clima agradável, decidiu que aqui seria o seu destino. Abandonou o plano platense original, aceitou o convite do advogado e ficou no Brasil. A proposta era que ensinasse alemão para os filhos do advogado, mas Helene viu na oportunidade, também, a chance de aprender o português e firmar a sua permanência no país.

Em algumas tardes de domingo mantive inesquecíveis conversas com a minha avó, embaladas pelos seus deliciosos biscoitos de gengibre e pelos programas de música clássica da rádio MEC. Ouvíamos óperas e ela me contava a sua história. Contou, então, que havia ficado hospedada na Ilha das Flores. Recebeu bons tratos ali, mas falou da apreensão de todos os hóspedes no local. Com a dificuldade de comunicação - ainda não dominavam o idioma português - e pela natural ansiedade de serem aceitos logo no país onde pretendiam construir o seu futuro, os imigrantes passavam por grande apreensão.

Helene não ficou muito tempo na Ilha das Flores. Apenas o tempo necessário até que seu futuro patrão resolvesse junto às autoridades a formalização da oferta de emprego.

Após pouco tempo como governanta, recebeu uma nova proposta de seu patrão, desta vez para trabalhar em seu escritório no Rio. Mudou-se então para a capital do Brasil. No Rio de Janeiro conheceu o engenheiro e velejador dinamarquês Preben Tage Axel Schmidt, que chegou ao Brasil dois anos depois de Helene, para responsabilizar-se por obras da empresa dinamarquesa Christiani & Nielsen. O casal contraiu matrimônio em 1931 e teve os filhos Margrete (Guida), Ingrid e os gêmeos Axel e Erik Schmidt. Todos velejadores e que marcaram a história do esporte no país: Axel e Erik foram tri-campeões mundiais de vela na Classe Snipe, campeões Pan-americanos (Classe Lightning) e passaram a ser conhecidos como Gêmeos do Mar. As filhas Margrete e Ingrid, pioneiras da vela feminina no Brasil, foram eleitas rainhas do Jogos da Primavera, competição que reunia beleza e habilidade esportiva. Na década de 1950, o título tinha grande importância e repercussão na sociedade carioca.

Axel Grael



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"Sokol" e "Turnverein"


Turnverein: foto de arquivo da Biblioteca Pública de Annaheim.


Helene foi atleta e também contribuiu para a tradição esportiva da família. Das conversas com minha avó, lembro-me da curiosidade e da fascinação que sentia com os seus relatos das práticas espotivas que participava ainda adolescente na sua cidade natal. Pelo o que descrevia, acredito que provavelmente era algo semelhante à prática dos chamados "Sokols", surgidas em Praga, em 1862, e que se difundiram por toda a Alemanha e sua região de influência. Muitos, consideram os Sokols como uma das origens da ginástica esportiva moderna.

Segundo o "Dicionário Enciclopédico Tubino do Esporte", de autoria do saudoso Manoel José Gomes Tubino (um dos maiores especialistas em esportes no Brasil), os Sokols eram:

"... um movimento social cujo meio era a atividade física, mas que tinha algumas manifestações de práticas esportivas sem sentido competitivo. O Sokol era nacionalista. Idealizado por Miroslav Tyrsch e J. Fugner, esse movimento foi desfeito após a Segunda Guerra Mundial, em 1949, quando as federações esportivas eslavas absorveram as suas práticas esportivas, mas depois foi restaurado e permanece como manifestação de identidade cultural. Os Sokols seriam inspirados nos TURNVEREIN, criados por Friedrich Ludwig Jahn, na Alemanha, em 1811".

Vovó Helene contava com emoção e alguns gestos, sobre as apresentações que participava ao cair da noite e em plena Floresta Negra. Eram grupos numerosos de estudantes, uniformizados, rigorosamente perfilados e portando tochas de fogo nas mãos. Com a música de orquestras ou bandas marciais exibiam movimentos sincronizados diante da população da pequena cidade. Eram demonstrações de ginástica e adestramento para as quais treinavam meses a fio.

Helene contava orgulhosa que não se admitiam erros. A excelência do grupo era representada pela sincronia dos movimentos e pela capacidade atlética de seus integrantes. Havia festivais onde as cidades vizinhas também se exibiam. Isso retrata bem um traço típico da cultura prussiana que é o culto à disciplina.

No Brasil, Helene velejava com seu marido Preben, nas águas da Baía de Guanabara, águas essas que cercavam a Ilha das Flores, que deu as boas vindas a essa corajosa imigrante, que como milhares de outros que para cá vieram, ajudaram a edificar o Brasil.

Axel Grael



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Parabéns à Marinha do Brasil e à UERJ pela iniciativa. Que o Museu do Imigrante seja uma realidade logo! Essa será uma justa homenagem à Baía de Guanabara que lhes serviu de porta de entrada e às muitas famílias de Niterói, do Estado do Rio de Janeiro e do Brasil, cujas histórias tiveram a ajuda da Ilha das Flores.

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Saiba mais sobre a Hospedaria de Imigrantes na Ilha das Flores:

Um comentário:

  1. Olá Axel Grael, como vai?
    Meu nome é Juliana Elianay, sou aluna de História da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e faço parte do projeto que está organizando este "Museu". Fiquei impressionada com a História da sua avó, deve ter sido uma pessoa encantadora, forte e inteligente.
    Temos feito entrevistas com imigrantes, de origem diversa e o que estamos percebendo com esses depoimentos é que a cada momento surge novas questões, novos fontes, o que amplia e inova os estudos sobre a imigração. Essas pessoas são admiráveis, por um milhão de características, mas a que destaco é a CORAGEM. Coragem de se aventurar, de procurar novos caminhos, ao perceber que o "atual" não é suficiente.
    O interessante da sua fala é como a transmissão da memória de um ente querido (no caso a sua avó) é capaz de ser perpetuada.
    É com muito orgulho, admiração e carinho que estamos trabalhando nesse projeto.
    Abraços!!!
    Juliana

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