Em 7 de janeiro, a Casa Civil fez uma reunião sobre a concessão da licença para Belo Monte e estabeleceu um prazo para que ela saísse. O Ibama deu a licença em 1 de fevereiro. Os técnicos registraram por ofício que o prazo não permitia a análise. O Ministério Público flagrou isso nos ofícios e despachos que levaram ao licenciamento da hidrelétrica.
Os documentos, aos quais essa coluna teve acesso (vejam no post abaixo o link para os documentos), mostram claramente uma interferência indevida da Casa Civil no órgão licenciador; atropelo e desprezo ao alerta dos técnicos sobre a necessidade de novos estudos.
Tudo se passa num ritmo vertiginoso. Em novembro, o parecer dos técnicos do Ibama registrou que não havia condição de garantir a viabilidade ambiental do projeto. Em dezembro, caíram o diretor de licenciamento, Sebastião Custódio Pires, e o coordenador de Infraestrutura e Energia, Leonildo Tabaja. No dia 7 de janeiro, há a determinação da Casa Civil para que se cumpra um prazo. No mesmo dia, o novo diretor de licenciamento do Ibama, Pedro Bignelli, criou um grupo de trabalho para concluir o licenciamento. No dia 12, esse grupo registrou num ofício que os dados necessários ainda não haviam chegado. No dia 27, o então diretor do Ibama Roberto Messias mandou ofício ao diretor de licenciamento pedindo que fosse preparado para o dia seguinte “os pareceres com os condicionantes para a licença prévia de Belo Monte.” Neste documento, quatro técnicos do Ibama registram: “Não é possível atender no prazo solicitado”, e assinam para confirmar que os quatro estão de acordo com aquela afirmação. Num despacho do dia 28, a coordenadora de energia hidroelétrica do Ibama, Moara Menta Giasson, encaminhou os pareceres pedidos, mas escreveu que “devido ao prazo exíguo” não foi possível finalizar a elaboração das condicionantes. Diz que o documento é uma nota técnica com o trabalho feito até o momento e que há lacunas no que se refere a “ictiofauna, cavidades naturais, quelônios, qualidade da água e hidrossedimentalogia.” Ou seja, ela estava alertando que faltava discutir o impacto nos peixes, tartarugas, qualidade da água e até num item importante para o empreendimento, que é a quantidade de sedimentos. Em 1 de fevereiro, saiu a licença prévia de Belo Monte.
Esses ofícios e despachos analisados pelo Ministério Público são claros indícios de interferência indevida no trabalho do Ibama e do absurdo atropelo que houve na análise de matéria complexa, como o impacto ambiental de uma obra de grande porte na Amazônia.
O diretor de licenciamento, Pedro Bignelli, me disse que o parecer em que os técnicos dizem que não havia condição de garantir a viabilidade ambiental do projeto — no qual se baseou o Ministério Público para impetrar sua Ação Civil Pública — era documento velho. E que todas as dúvidas levantadas foram resolvidas nos estudos seguintes.
Esses estudos, aos quais Bignelli se refere, foram feitos desta forma registrada nos ofícios e despachos que conto aqui: com indícios de atropelo, para dizer o mínimo. Foram feitos entre o dia 7 de janeiro e 1 de fevereiro. Na verdade, no dia 12, Guilherme de Almeida, coordenador-geral de Infraestrutura de Energia Elétrica do Ibama, mandou um ofício ao diretor de Planejamento e Engenharia da Eletrobras, Adhemar Palocci, porque dados ainda não haviam chegado: “Conforme acordado no dia 07/01/10, solicitamos em caráter de urgência urgentíssimo (sic) em meio digital, via protocolo, as complementações referentes ao empreendimento da UHE Belo Monte, considerando aos (sic) prazos assumidos na Casa Civil conforme acordado no dia 07/01/10.” Esses documentos acabam sendo enviados só no dia 20, e mesmo assim com pendências.
Na época da concessão da licença o governo disse que tudo estava resolvido porque a licença foi dada com 40 condicionantes impostas ao empreendedor. Da perspectiva dos empreendedores, essas condicionantes e essas incertezas são riscos financeiros, mas todas as dúvidas estão sendo sanadas com o mar de dinheiro barato que está saindo do BNDES, as isenções fiscais e a participação de duas estatais em cada um dos dois consórcios. Nada desse custo está sendo colocado de forma transparente. São subsídios e incentivos implícitos. O Brasil não sabe quanto vai pagar por Belo Monte. Em nenhum dos custos.
Texto da coluna de Mirim Leitão, em O Globo, 17/04/2010.
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