A expansão da pandemia afetou continentes e países de forma gradativa e a superação da crise sanitária também tem ocorrido da mesma forma. Após a Ásia, onde surgiu o coronavírus, a pandemia chegou à Europa e aos EUA e, só depois, chegou à América Latina. Portanto, temos observado muito as políticas públicas principalmente dos países europeus, e refletido sobre a experiência destes países em busca de inspiração para planejar ações na nossa cidade.
Tendência: políticas sustentáveis
Enquanto aguardam a chegada de uma vacina e administram a retomada gradual, cidades e países preparam-se para o período pós-Covid, estabelecem estratégias para a retomada da economia, buscando o que vem sendo chamado de o "novo normal". Como consequência da crise teremos inevitáveis dificuldades para setores da economia, mas oportunidades para avanços históricos certamente aparecerão e transformarão o cotidiano. Lideranças mundiais procuram gerenciar essa transição, mitigar os danos e potencializar as transformações positivas.
Neste momento histórico de transição, há uma oportunidade para avanços em agendas que estavam há anos travadas nos fóruns diplomáticos internacionais por força de certos lobbies como a indústria do petróleo, energia, etc. É o caso da transição para uma economia de baixo carbono, que reverta as mudanças climáticas, bem como outras mudanças como a popularização de recursos tecnológicos que permitirão o teletrabalho, ou o chamado "home office". Estas práticas já passaram a ser adotadas por 8,5 milhões de brasileiros e mudarão relações de trabalho e até mesmo as demandas de transporte, com interferências no cotidiano das cidades.
Como exemplo destas medidas inovadoras, podemos citar a União Europeia e países como a Alemanha, França e Grã Bretanha, que apresentaram planos de retomada da economia baseados em ações pela sustentabilidade, apontando que as políticas públicas mundiais abraçam definitivamente esta tendência e, enfim, confirmando que a economia, assim como a responsabilidade ambiental e climática precisam andar juntos.
No dia 27 de maio, a União Europeia apresentou uma proposta de recuperação orçada em 750 bilhões de euros (US$ 826 bilhões), sendo que:
"25% do pacote de estímulo será reservado para medidas favoráveis ao clima, como reforma de construções, tecnologias de energia limpa, veículos de baixo carbono e uso sustentável do solo. O impacto climático do restante do fundo ainda deve ser avaliado, mas indicações promissoras apontam que haverá garantias ambientais.
Se os gastos pró-clima representam um quarto do pacote anunciado pela UE, significa que totalizariam mais de US$ 200 bilhões (Fonte: WRI).
Em junho, a primeira ministra da Alemanha, Angela Merkel, anunciou um programa de recuperação econômica de 130 bilhões de euros, sendo que 50 bilhões de euros são dedicados ao enfrentamento das mudanças climáticas, inovação e tecnologia digital. Dentre estas medidas, está um incentivo fiscal para a compra de carros elétrico no valor de 6 mil euros, ou seja, o dobro do que havia anteriormente.
Na França, Emmanuel Macron, diante do agravamento da crise econômica causada pela COVID-19 e após uma derrota eleitoral para os Verdes, reagiu lançando medidas de apoio à inclusão dos jovens no mercado de trabalho e políticas de sustentabilidade. O governo anunciou uma ajuda de 4.000 euros (23.895 reais) às empresas para favorecer a contratação de 450 mil pessoas até janeiro. Também prevê criar 230 mil contratos de aprendizagem e 100 mil contratos de profissionalização (G1). Na agenda da sustentabilidade, em abril de 2020, a França lançou um programa para quando a população saísse do rigoroso confinamento trocasse o transporte coletivo e automóveis por bicicletas. A paralisação levou a França à maior queda de seu setor produtivo desde 1949, no período do pós-Guerra, com um recuo de 5,8% no PIB (Produto Interno Bruto) no primeiro trimestre de 2020. Foi criado um fundo de 20 milhões de euros (R$ 116 milhões), que dentre outras medidas, oferece 50 euros (R$ 290) por pessoa, para quem quiser financiar reparos de freios, pneus e luzes em suas bicicletas. O governo está, na prática, pagando para que os franceses pedalem (Nexo).
A Grã Bretanha, cujo primeiro ministro, Boris Johnson, inicialmente era negacionista com relação ao coronavírus, após passar por uma internação devido à doença, mudou de posição e também adotou medidas importantes para a pós-Covid, com características semelhantes à dos outros países. A ênfase está em medidas para a recuperação do tempo perdido nas escolas e a adaptação da educação (1 bilhão de libras) e para a retomada e o estímulo às atividades culturais, com foco nas galerias de arte, teatros, salas de cinema independentes e casas de música e shows. O valor do pacote cultural é de cerca de £1,57 bilhão, pouco mais de R$ 10 bilhões. O dinheiro será distribuído através em forma de doações ou empréstimos (Conexão Planeta).
Infelizmente, o Brasil está na contramão e, enquanto o mundo caminha para a sustentabilidade, vemos o desmonte dos órgãos ambientais federais, o retrocesso na legislação e oferecemos ao mundo a lamentável e inaceitável imagem da Amazônia, Pantanal e outras partes do país em chamas. O país está no auge do desemprego (13 milhões de desempregados) e as exportações nacionais vêm perdendo espaço no mercado internacional devido ao boicote aos nossos produtos, sob o argumento de reagir contra a constrangedora política do atual governo brasileiro que é justificadamente considerada leniente com a destruição da Amazônia, Pantanal, Cerrado e outros biomas.
Niterói rumo à sustentabilidade
PRO Sustentável: projeto ambicioso e inovador
- a inauguração do Bicicletário Arariboia, em 2017, com mais de 400 vagas. Apenas seis meses após a sua inauguração, o Bicicletário já tinha recebido 44 mil entradas, possuindo 3.900 usuários cadastrados. Uma pesquisa realizada na época, verificou que a metade (49%) dos usuários não utilizavam a bicicleta antes da inauguração do Bicicletário. Atualmente, o número de cadastrados já ultrapassa 10.000 ciclistas.
- Inauguração do Túnel Charitas-Cafubá, em 2017, com ciclovias nas duas galerias, permitiu que o ciclista possa se deslocar entre a Região Oceânica e a Região das Praias da Baía, fosse possível.
- Outro fator de estímulo foi a inauguração, em junho de 2020, da ciclovia da Avenida Marquês do Paraná, que interligou as ciclovias das avenidas Roberto Silveira, Amaral Peixoto e o Bicicletário. A medida tem potencial de aumentar o número de bicicletas no eixo Icaraí - Bicicletário em 50%.
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Roberto Schaeffer explica as modelagens econômicas que mostram vantagens da retomada verde para o Brasil
Há alguns anos, pesquisas de diferentes áreas e atividades econômicas demonstram que muitas práticas mais sustentáveis são também economicamente viáveis. Mas como avaliar qual o rumo da economia caso várias dessas práticas fossem adotadas? Publicado recentemente, um estudo liderado pelo WRI Brasil e pela iniciativa New Climate Economy, realizado em parceria com especialistas de diversas instituições de pesquisa brasileiras, demonstrou que uma economia verde significaria 2 milhões de empregos a mais em 2030 e um valor adicional de Produto Interno Bruto (PIB) de R$ 2,8 trilhões até 2030 na comparação com o modelo de desenvolvimento atual.
Como foi possível chegar a essa avaliação? O estudo realizou um trabalho robusto de modelagem econômica e revisão bibliográfica para avaliar cenários da economia brasileira na próxima década. Roberto Schaeffer, professor titular de Economia da Energia do Programa de Planejamento Energético da COPPE/UFRJ, doutor em política energética e especialista em modelos de avaliação integrada em energia, uso do solo e mudanças climáticas, foi um dos autores do trabalho. Nesta entrevista, Schaeffer explica de que forma foi feita a modelagem que indicou uma retomada verde como a melhor saída para a crise econômica que o Brasil enfrenta. Ele detalha como os números evidenciam que uma economia de baixo carbono significa mais empregos, renda e crescimento para o país.
O senhor poderia explicar como são feitas modelagens econômicas como as que são utilizadas no estudo da nova economia para o Brasil?
Roberto Schaeffer: Essas modelagens são feitas a partir de modelos matemáticos já desenvolvidos antes. Nós, na Coppe/UFRJ, temos a tradição de, nos últimos 20 anos, desenvolver modelos específicos para as áreas de energia, indústria, transportes e uso do solo. Você tenta criar relações matemáticas para associar como um certo setor da economia tem que funcionar para atender determinada demanda. Imagina um cenário de como o PIB do Brasil vai evoluir no tempo. O nosso modelo, que chamamos de BLUES (Brazilian Land-Use and Energy Systems Model), tem 12 mil tecnologias representadas. Lá aparece quanto um caminhão, um carro ou um trem consomem de combustível, como é o consumo de energia elétrica para determinada indústria, então o modelo mapeia como determinado setor depende de outro para poder atender uma dada demanda que você está projetando. O que fizemos nesse estudo foi isso. A partir de cenários de evolução do PIB no tempo, a gente fez três cenários possíveis, um no qual o crescimento se dá nas mesmas bases que já vinha se dando, por exemplo com o transporte nas cidades basicamente por ônibus a diesel, a produção de cimento basicamente com a mesma tecnologia, o setor elétrico brasileiro da mesma maneira, e dois cenários alternativos que simulam como seria se o setor de mobilidade fosse diferente, mais para ônibus elétricos, por exemplo. A partir disso, o modelo prevê que a demanda de energia elétrica vai ser maior e a de diesel menor. Se nesse mesmo cenário eu assumo, por exemplo, que meu setor elétrico vai se tornar mais renovável ao longo do tempo, com base em eólica e solar, isso tem implicações para o resto da economia.
O estudo faz um casamento de duas modelagens, uma brasileira e uma internacional. Qual o resultado disso?
Com essas conclusões do modelo BLUES, passamos as informações para o Andrea Bassi (fundador e CEO da KnowlEdge SRL, senior associate do International Institute for Sustainable Development e professor nas universidades de Stellenbosch, na África do Sul, e de Geneva, na Suíça), que é nosso colega na Itália. Ele trabalha com o Modelo de Economia Verde (MEV) que é capaz de prever a partir disso a geração de renda, de emprego etc, associado ao crescimento desses novos setores. Tem várias maneiras de fazer esse casamento. É possível fazer um hard link, em que um modelo é ligado no outro e retroalimenta o outro. No caso desse estudo, optou-se por pegar dois distintos e alimentar o segundo a partir dos resultados do primeiro, manualmente. O BLUES é muito voltado para energia, mobilidade, uso do solo, e com essa informação o MEV consegue simular quantos empregos são gerados para construir e operar uma usina termelétrica a carvão, por exemplo, e quantos empregos são gerados para uma usina eólica. Então o MEV pega os resultados do modelo BLUES e traduz isso em variáveis econômicas, como renda, emprego e outras.
Quais perguntas as modelagens são capazes de responder para apoiar o Brasil em uma retomada verde e quais limitações elas têm?
Importante esclarecer que esse tipo de modelagem não prevê o futuro, pois aí iríamos errar mesmo. Esse tipo de modelo serve para testar se o futuro for em determinada direção, quais são as implicações disso, e se for em outra direção, quais são as implicações. O que a gente fez foi supor um futuro para o Brasil do jeito como ele é hoje crescendo no tempo. Com isso conseguimos saber o número de empregos gerados, a renda, a poluição. Mas e se eu supor um Brasil em que a mobilidade é diferente, a agricultura é mais eficiente, consorcia floresta e pasto com agricultura em si, o setor elétrico tenha uma vertente mais renovável? A partir disso, a gente simula quais as implicações desse futuro diferente. É para isso que o modelo serve. Não é para prever o futuro, mas para mostrar que diferentes futuros são possíveis e cada futuro tem uma implicação diferente em termos de investimentos, empregos e renda.
Sempre se falou muito que o Brasil tem um enorme potencial para ser uma potência ambiental. Cada vez mais os números provam isso?
Seguramente. Esse estudo coloca no papel, em números, em realidades duras, testáveis, que de fato esse Brasil que se falava que era melhor, agora é possível provar que ele é melhor até do ponto de vista econômico. Mesmo sem pensar a questão ambiental, que é a minha preocupação primeira, mas não quer dizer que seja a de todo mundo, olhando apenas do ponto de vista econômico, o estudo mostra que um Brasil mais voltado para o baixo carbono é melhor. Isso agrada desde a pessoa que quer comer carne, mostrando que é possível ter um rebanho que não desmata, agrada um ambientalista que acha que a floresta precisa ficar em pé, agrada setores da classe média que neste novo Brasil podem ter melhores oportunidades de renda e emprego. Agrada todo mundo.
Uma coisa é você fazer compra de livros pela internet, em que milhares de pessoas estão acessando um site e talvez tenha um ou dois funcionários lá para administrar as compras. Outra coisa é você ir em um restaurante que tem 20 garçons. São as peculiaridades da economia que mostram que alguns setores têm mais capacidade de gerar emprego ou renda do que outros. Isso tem muito a ver com o lugar da cadeia produtiva em que você está. Se você olhar a pauta de exportações do Brasil, hoje é principalmente petróleo cru, soja em grão ou em farinha, minério de ferro, etanol, entre outras coisas. Dado que essas atividades econômicas são muito do começo da cadeia – exportar minério de ferro, por exemplo, é basicamente ter uma máquina que cava um buraco, joga num caminhão, que vai ao porto e levam embora –, a geração de emprego é zero. Exportação de petróleo também. É muito diferente de uma economia que se sofistique ao longo do tempo e pegue o minério de ferro e faça daquilo aço, daquele aço faz uma bicicleta ou uma panela. Então, dependendo da sofisticação da economia e suas atividades, isso tem implicações muito grandes em termos de salários que são pagos e números de empregos que são gerados. O modelo (BLUES + MEV) mostra que para painéis solares de telhado, por exemplo, significa que você vai ter uma pessoa que sobe no telhado, que precisa ter curso de formação técnica, e isso gera um tipo de emprego e renda que é de melhor qualidade e mais abundante do que se continuar em grandes hidrelétricas que uma vez prontas funcionam por 50, 100 anos, com poucas pessoas operando. Claro que estou simplificando muito, mas a gente mostra que diferentes caminhos são possíveis para a economia brasileira e que alguns são melhores do que os outros em termos de geração de emprego e renda.
As tecnologias recomendadas no estudo e os resultados da modelagem seguem válidos mesmo com o surgimento da pandemia?
A análise sempre valerá para o médio e o longo prazo porque espera-se que essa pandemia tenha implicação por um ano ou dois, no limite três ou quatro, mas a nossa análise não é de curto prazo. Geração de renda e emprego não é gerar emprego hoje para daqui a dois anos não ter mais. Então, dado que nossa análise busca pensar um futuro melhor para o Brasil, ela independe de uma crise localizada e que traz perturbações hoje, mas não altera o médio e o longo prazo. O que queremos explorar agora é como a crise da Covid-19 afeta as coisas. Porque a urgência de sair da crise pode levar a certos caminhos que no curto prazo até podem fazer sentido, mas no longo prazo, não.
Como a modelagem pode contribuir para a elaboração de um plano de recuperação econômica do Brasil?
Pode contribuir 100%. Quando começamos, em 2019, já era um Brasil em crise. A crise que vivemos hoje em função da Covid-19 é o aprofundamento de uma crise antiga. A motivação do estudo, de mostrar caminhos melhores para o Brasil, continua relevante, agora mais do que nunca. O que o estudo mostra é que há diferentes maneiras de sair dessa ou de outras crises, mas uma saída de baixo carbono se mostra a estratégia mais inteligente.
A modelagem evidencia as oportunidades de uma nova economia em termos de crescimento de PIB, geração de empregos, redução das emissões de gás de efeito estufa (GEE), dentre outros. Quais os desafios de implementação dessas oportunidades? O que é necessário fazer para avançar nessa agenda?
De maneira geral temos um problema de planejamento, de organização do país. Não é um problema específico deste governo, mas também pertence a ele, que tudo que estamos falando são visões de futuro para o país que vão muito além do mandato de um presidente ou governador. Esse é um eterno dilema, seja no Brasil ou fora. O que estamos propondo são quase medidas de Estado, no sentido de que devem ir além desse governo. Um dos problemas é que, se você analisa o curtíssimo prazo, talvez algumas das linhas que estamos indicando se mostrem mais caras. Por exemplo, no curtíssimo prazo, conter o desmatamento da Amazônia significa gastar dinheiro para isso. Esse é um pouco o dilema. O que estamos propondo é um redirecionamento da economia brasileira que significa ela começar a se pensar para além do mandato deste governo. São visões de futuro para o Brasil, que significam um país que lida melhor com sua agricultura, pecuária e florestas, com seu setor energético, com a sua mobilidade urbana, entre outras coisas.
O estudo mostra que a retomada verde é boa para a economia. Mas como fica a questão ambiental?
Outros estudos fora do Brasil já mostram, por exemplo os Green Deals, os pacotes de investimentos da Europa para sair da crise da Covid-19 através de uma economia mais verde, já mostram de maneira geral que uma economia verde é melhor do ponto de vista econômico também. Porém, a motivação principal é a questão ambiental mesmo, entendendo que as mudanças climáticas são o principal desafio que o mundo tem. Não adianta todos ganharem bem ou ter muito emprego se lá na frente todos vão morrer de calor ou com suas casas inundadas. O bom é as duas coisas, a questão ambiental é importante, e junto a isso que bom que, por coincidência, é economicamente melhor. Porém, mesmo que não fosse melhor, se você não tem escolha, teria que ir para a economia verde mesmo que fosse pior. É como a Covid-19. É muito melhor lidar com a crise e a economia melhorar, mas mesmo que fosse piorar, ainda seria preciso lidar com a Covid-19.
Fonte: WRI Brasil
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No dia 27 de maio, a União Europeia (UE) apresentou uma proposta de recuperação de 750 bilhões de euros (US$ 826 bilhões) como elemento central de sua resposta econômica à crise do coronavírus, além de aumentar o orçamento existente. Autoridades da UE afirmaram que 25% do pacote de estímulo será reservado para medidas favoráveis ao clima, como reforma de construções, tecnologias de energia limpa, veículos de baixo carbono e uso sustentável do solo. O impacto climático do restante do fundo ainda deve ser avaliado, mas indicações promissoras apontam que haverá garantias ambientais.
Se os gastos pró-clima representam um quarto do pacote anunciado pela UE, significa que totalizariam mais de US$ 200 bilhões. Uma quantidade como essa seria um sinal consideravelmente encorajador, especialmente em contraste com pacotes de estímulo de vários trilhões de dólares aprovados em países como Estados Unidos e Japão sem qualquer consideração pelas consequências climáticas.
A proposta da União Europeia precisa ser aprovada pelo Parlamento Europeu e pelos 27 estados membro, então é quase certo que sofra mudanças substanciais antes de se tornar uma realidade. Divergências de opinião sobre quais devem ser os fundamentos do orçamento da UE provavelmente farão desse um longo processo. No entanto, se um pacote de recuperação similar à proposta for aprovado, pode ser o investimento verde mais significativo da história.
Investimentos de baixo carbono podem ajudar a Europa a se recuperar e a sair da crise melhor do que antes, criando oportunidades de trabalho, aumentando a competitividade e construindo uma economia saudável e mais resiliente a impactos como os resultantes de pandemias e mudanças climáticas.
5 elementos favoráveis ao clima na proposta do pacote de recuperação da Europa.
1) Eficiência energética
O pacote de estímulo visa dobrar a taxa anual de renovação de construções já existentes, como parte de uma onda de renovação. A modernização de prédios antigos pode estimular rapidamente a economia, além de reduzir as emissões de carbono do setor e gerar economia nas contas de energia elétrica para os proprietários dos imóveis.
Estudos mostram que investir em eficiência energética de edificações, na União Europeia e em outros lugares, gera 2,3 vezes mais empregos por dólar do que investir em combustíveis fósseis. Cerca de seis milhões de empregos no setor de construção estão potencialmente em risco na UE em decorrência do coronavírus; investir em eficiência energética, portanto, pode ajudar o setor a se recuperar, além de oferecer economia de eletricidade aos hospitais, que foram duramente afetados.
2) Investimento em tecnologia limpa
O pacote de estímulo usaria diversos instrumentos para investir em energia renovável, armazenamento de energia, hidrogênio limpo, baterias e captura e armazenamento de carbono. Esse seria um apoio importante, já que a expectativa é que o mercado de fontes renováveis na Europa encolha de 20% a 33% este ano devido a interrupções relacionadas ao coronavírus e condições mais rígidas de financiamento. Investir em energia renovável gera cerca de 2,6 vezes mais empregos por dólar do que investir em combustíveis fósseis.
A União Europeia também parece estar pronta para investir em hidrogênio verde, o que pode ser essencial para descarbonizar indústrias pesadas, como a produção de cimento e aço. Se a UE fizer dos investimentos em tecnologia limpa uma prioridade em seu fundo de recuperação, poderá se tornar uma liderança mundial nessa tecnologia.
3) Veículos de baixo carbono
O pacote de estímulo propõe a instalação de um milhão de pontos de carregamento para veículos elétricos na UE, em comparação com os menos de 200 mil existentes hoje. A proposta também prevê o apoio a cidades e empresas na renovação de suas frotas em prol de alternativas de baixo carbono e na construção de infraestrutura de transporte sustentável.
A previsão é de que os custos iniciais da compra de grandes veículos elétricos na UE sejam competitivos em relação aos veículos tradicionais sem subsídios até 2022. O apoio do pacote de estímulo poderia antecipar esse prazo ainda mais.
4) Alimentos, agricultura e terra
O pacote de estímulo propõe um aumento de US$ 16 bilhões para um fundo que apoia o desenvolvimento e a sustentabilidade da agricultura nas áreas rurais. Esse investimento ajudará a estratégia da União Europeia chamada Farm to Fork (em português, “Da fazenda ao garfo”), anunciada uma semana antes do pacote de estímulo. O objetivo é reduzir em 50% o uso de pesticidas e antimicrobianos, em 20% o uso de fertilizantes e em 50% o desperdício de alimentos. O plano também prevê a mudança para hábitos alimentares mais saudáveis e sustentáveis e melhoras no gerenciamento da pesca e na aquicultura, além de outros objetivos igualmente importantes.
De forma similar, a Estratégia de Biodiversidade da União Europeia visa proteger 30% de terras e mares na UE para impedir o declínio da fauna silvestre. Para isso, a meta é plantar três bilhões de árvores. Mudanças para modelos de agricultura de menor impacto também serão importantes. Ainda assim, é preciso ter o cuidado de fortalecer a produtividade agrícola de forma geral, a fim de evitar a necessidade de converter ecossistemas naturais em fazendas, o que causaria perdas de biodiversidade e aumentaria as emissões fora da UE.
5) Transição justa
Com um investimento de US$ 44 bilhões no Fundo de Transição Justa da UE para levantar mais investimentos privados, o pacote de estímulo auxiliaria trabalhadores e comunidades afetadas pela transição energética – incluindo aqueles historicamente dependentes de combustíveis fósseis. Esse investimento ajudará os trabalhadores que perderem seus empregos ensinando novas habilidades profissionais e apoiará pequenas empresas na criação de novas oportunidades econômicas.
Trata-se de um investimento bem-vindo. Se, por um lado, a economia verde criará milhões de novos empregos, por outro também haverá trabalhos perdidos nos setores de alto carbono. Esses trabalhadores e comunidades merecem apoio.
O pacote de incentivos verdes da Europa sozinho não é suficiente
A experiência mostra que apenas direcionar recursos a um setor rotulado como “verde” não significa que o investimento vai reduzir emissões. Esses investimentos precisam estar alinhados a uma economia de zero carbono de longo prazo, e o restante do pacote de estímulo não deve contribuir para a economia de alto carbono existente sem contrapartidas.
Felizmente, a proposta da UE assevera que os investimentos públicos não podem causar danos, o que excluiria qualquer gasto direto com combustíveis fósseis no restante do pacote. A proposta também afirma que os investimentos devem estar alinhados com as ambições de longo prazo da UE e sua taxonomia financeira sustentável. São diretrizes encorajadoras, pois implicam que todo o pacote de estímulo deve estar alinhado com a meta de zerar as emissões líquidas até 2050.
A União Europeia tem deixado explícito que não desacelerará os preparativos para uma COP26 ambiciosa e está preparando também uma avaliação de impacto para aumentar suas metas climáticas para 2030. À medida que a UE avança com essa proposta, deve ficar ainda mais claro que os investimentos de alto carbono estão fora de questão. A entidade também poderia seguir o exemplo do Canadá e exigir que qualquer empresa que receba apoio reporte como suas operações são afetadas pelos riscos das mudanças climáticas e como contribuirão com os planos climáticos de longo prazo.
Investimentos de baixo carbono precisam ser parte de uma transição mais ampla para uma trajetória de crescimento mais inclusivo e sustentável. Pacotes de incentivo devem ser acompanhados de outras reformas e mudanças na economia.
Os países-membro da UE, por exemplo, ainda ofereceram US$ 61 bilhões em subsídios pata combustíveis fósseis em 2016, mesmo que a entidade tenha se comprometido há muito tempo a removê-los. Tais subsídios precisam ser cortados, ou vão contrariar os investimentos verdes propostos. Com os preços dos combustíveis fósseis em baixa, este é um bom momento para fazer isso.
A UE também propôs expandir seu mercado de emissões para novos setores, como o transporte marítimo internacional e o transporte terrestre. A incorporação de novos setores e a definição de um limite de emissões suficientemente baixo podem reduzir as emissões, aumentar as receitas e ajudar a UE a cobrir o plano de estímulo no futuro.
Os benefícios de investir em uma recuperação verde
A proposta de recuperação econômica da União Europeia afirma que atingir as metas do setor de energia e de redução de emissões poderia aumentar o PIB da UE em 1% e criar um milhão de empregos verdes ao longo da próxima década. Em paralelo, o investimento em uma economia circular poderia gerar ainda outras 700 mil oportunidades de trabalho.
Especialistas concordam que pacotes de recuperação verde podem estimular o crescimento econômico e, ao mesmo tempo, combater as mudanças climáticas. Um estudo recente fez uma revisão de literatura e entrevistou mais de 200 especialistas em economia e funcionários do banco central para identificar cinco investimentos para uma recuperação econômica capaz tanto de melhorar a economia quanto de reduzir emissões.
As recomendações finais foram: investimento em infraestrutura limpa, eficiência energética, educação e capacitação, uso sustentável da terra e investimentos em pesquisa e desenvolvimento limpos. A proposta de recuperação econômica da UE inclui investimentos em todas essas áreas.
A recuperação sustentável da Europa além do pacote de estímulo
Para além do pacote de recuperação, muitos países europeus já estão em busca de esforços para se recuperar da crise de forma sustentável.
A França ofereceu um resgate de US$ 11 bilhões à Air France colocando como condição a redução de emissões domésticas em 50% até 2024. O país também considera um plano para apoiar sua indústria automobilística com incentivos para veículos de baixo carbono. A Dinamarca planeja investir mais de US$ 4 bilhões em reformas ecológicas em moradias de habitação social. A medida prevê reformas em 72 mil casas e, com isso, também um aumento na oferta de oportunidades de trabalho. O Reino Unido lançou o Fundo de Crescimento Limpo, de US$ 44 bilhões, para P&D em tecnologia verde nos setores de energia, transportes, resíduos e eficiência energética de edificações.
Um dos sinais mais encorajadores vem da Espanha, que recentemente apresentou um novo projeto de lei para atingir o zero líquido em suas emissões de carbono até 2050. Se aprovada pelo parlamento espanhol, a lei criará medidas concretas para chegar ao zero líquido, incluindo a proibição imediata de novas extrações de carvão, petróleo e gás, o corte de todos os subsídios diretos aos combustíveis fósseis e a determinação de que todos os novos veículos fabricados no país sejam de zero emissões até 2040.
Contudo, nem todas as novas políticas são promissoras.
O Reino Unido, por exemplo, também ofereceu um empréstimo de US$ 740 milhões à EasyJet sem incluir nenhuma condição para que a companhia melhore sua pegada de carbono. A Grécia atualizou suas normas ambientais, o que vai estimular as fontes renováveis, mas também decidiu permitir a exploração de petróleo e gás em áreas protegidas.
Em última instância, o impacto dessas medidas será significativo, mas pequeno se comparado a todo o universo contemplado pelo pacote de estímulo da União Europeia. À medida que os detalhes desse plano de recuperação começarem a ser divulgados nas próximas semanas, a UE deve garantir que os componentes verdes sejam tão ou mais fortes que o proposto.
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Mesmo morando em outro município e não o conhecendo pessoalmente, torço por sua vitória neste pleito. Precisamos de um ambientalista numa prefeitura importante como a de Niterói. Quem sabe não será da banda leste da Baía de Guanabara que virá o próximo governador do RJ?! Boa sorte a você e ao meu xará Rodrigo Neves.
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