O arquiteto e urbanista Jan Gehl Foto: Divulgação |
Urbanista será homenageado no Centro Carioca de Design
Jan Niklas RIO — Um dos maiores nomes vivos da arquitetura e do urbanismo, o dinamarquês Jan Gehl, de 88 anos, é pioneiros em defender cidades que privilegiem pedestres e ciclistas. Crítico ferrenho da “invasão de carros” no espaço urbano, já trabalhou em projetos para reduzir o tráfego de veículos na Times Square, em Nova York, e expandir espaços públicos em Melbourne, na Austrália.
A partir de quinta-feira, o Centro Carioca de Design vai sediar a exposição “Jan Gehl – A vida nas cidades”. Com projetos, exibição de filmes e debates, a mostra, que faz parte do Festival Dansk!!BR (veja programação completa abaixo), vai contar a trajetória do dinamarquês, que desde os anos 1960 estuda vias exclusivas de pedestres.
"Eu tenho uma grande queda por Veneza, porque é uma das poucas cidades feitas para pessoas que ainda funciona desta forma”. Jan Gehl. Aquiteto e urbanista
Como começou a trabalhar numa arquitetura voltada para as pessoas?
Meu trabalho começou na Dinamarca como pesquisa acadêmica. Durante meu doutorado na Escola de Arquitetura de Copenhague, passei a estudar o ambiente público cuidadosamente. Em 1962, usei a recém aberta via de pedestres Strøget, rua principal de Copenhague, como meu campo de estudos. Basicamente, eu fiquei lá sentado por um ano inteiro observando como os pedestres usavam aquele novo espaço sem acesso para carros de dia e à noite, no verão e no inverno, em dias chuvosos e de tempo bom, em dias festivos ou dias de semana absolutamente comuns.
Como pôs essa pesquisa em prática?
Gradualmente os urbanistas e os políticos se conscientizaram desses estudos voltados para cidades para pessoas e começaram a usá-los ativamente no planejamento urbanístico. Grande parte do trabalho realizado em Copenhague nos últimos 50 anos remonta ao fato de que a Escola de Arquitetura se tornou um dos principais centros do mundo para estudar a vida urbana sem a lógica dos carros. Uma citação do ex-secretário de planejamento de Copenhague Bente Frost diz tudo: “Se vocês na universidade não tivessem fornecido toda essa documentação, nós, como políticos, nunca teríamos ousado tornar Copenhague uma das cidades mais habitáveis do mundo”.
Qual cidade do mundo mais te impressionou?
Eu tenho uma grande queda por Veneza, porque é uma das poucas cidades feitas para pessoas que ainda funciona desta forma. Veneza nunca foi invadida pelo tráfego de automóveis. Lá você pode realmente estudar como as pessoas usam um espaço feito para pedestres.
“Brasília é uma experiência em escala 1 : 1, e acho que não foi bem-sucedido”. Jan Gehl. Arquiteto e urbanista
Há cidades “invadidas por automóveis” que foram reconquistadas pelos pedestres?
Posso citar como lugares que agora funcionam bem como “cidades para pessoas”, Copenhague, na Dinamarca, e Melbourne, na Austrália. As duas receberam melhorias impressionantes e hoje são muito amigáveis. O trabalho em Copenhague começou em 1962 e agora já percorreu um longo caminho. É de fato uma cidade agradável para morar e visitar. Acabou de ser eleita pela editora de guias de viagem “Lonely Planet” a melhor cidade do mundo para visitar. Já Melbourne, fundada em 1835, vem sendo trabalhada constantemente para ser um lugar melhor. Eles também percorreram um longo caminho desde o início. Perth, na Austrália, também fez uma mudança impressionante. Eu trabalhei em projetos em todos esses lugares. Outra cidade muito grande que recentemente me impressionou foi Moscou. Mesmo com quase 14 milhões de habitantes, eles conseguiram em apenas cinco anos uma melhoria da qualidade de vida fabulosa para as pessoas no período entre 2013 e 2018.
O que você pensa sobre o projeto urbanístico de Brasília?
Brasília foi a primeira grande cidade do mundo construída após as ideias modernistas de planejamento. Como estudei muito o resultado desses projetos, tornei-me muito crítico a eles. Essas ideias funcionam muito mal para as pessoas. Brasília é uma experiência em escala 1 : 1, um desenho em tamanho real, e acho que não foi bem-sucedido. Chamo esse tipo de planejamento tecnocrático de “Síndrome de Brasília”. Minha crítica não é sobre o tráfego por lá, mas sobre os princípios do planejamento. Já nas outras grandes cidades brasileiras, o problema não são os princípios de planejamentos originalmente implementados, mas, sim, a completa invasão de carros. Isso deu às pessoas no Rio de Janeiro, em São Paulo, e outras cidades, um ambiente muito pobre.
Quais são os principais problemas que as cidades dos países emergentes enfrentam?
Na minha opinião, todas as cidades em áreas em desenvolvimento do mundo poderiam se beneficiar de uma abordagem orientada para as pessoas, baseada
nesse paradigma de Copenhague. Isso significa dar boas condições para se caminhar, andar de bicicleta e usar o transporte público. Isto é o mais simples e barato que você pode fazer em qualquer cidade do mundo.
Tecnologias digitais podem mudar a maneira como as cidades são planejadas?
Há muita histeria sobre todas as maravilhas das invenções científicas que podem surgir e salvar nossos espaços urbanos. É claro que algumas engenhocas tecnológicas podem ser de alguma utilidade. Porém, como todas ela custarão caro e precisarão de novos investimentos, muitas cidades pobres não serão muito beneficiadas. Meu conselho é que se faça muito mais um planejamento pautado na vida das pessoas. É simples, direto e barato. E podemos começar já a respeitar os indivíduos e a cuidar da população muito mais do que vemos acontecendo hoje.
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Dinamarca em várias frentes
Shows, mostra de filmes, espetáculos de dança e outros eventos mostram conexões artísticas entre Brasil e Dinamarca neste mês.
Exposição. “Jan Gehl — A vida nas cidades” mostra trabalhos do arquiteto. No Centro Carioca de Design, de 8/11 a 1º/12. Grátis.
Filmes. Entre os dias 7 e 19/11 serão exibidos 17 títulos, como o clássico “A festa de Babette”. No CCBB, com ingressos a R$ 10.
Festival Dansk!!BR. O evento, que ocupa a Cidade das Artes entre os dias 9 e 11/11, terá shows, concertos, experiências gastronômicas e debates, e espetáculos de dança, como “Crash!”, da dinamarquesa Stephanie Thomasen. Preços variados.
Fonte: O Globo
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