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Nelson Novaes Pedroso Jr, Sandra Steinmetz e André de Castro dos Santos
O Código Florestal, tanto nas suas versões passadas como na atual, é reconhecido como importante instrumento de proteção ambiental. Concebido para regular principalmente o uso e a ocupação do imenso território rural brasileiro, sua aplicação nas áreas urbanas tem se mostrado desafiadora frente à ocorrência de inúmeros conflitos e situações de insegurança jurídica. Neste contexto, a regulamentação das Áreas de Preservação Permanentes (APPs) nos espaços urbanos constitui uma questão que precisa ser discutida pelo poder público e pela sociedade.
O atual Código Florestal foi promulgado em 2012, após anos de embates técnicos e políticos que deixaram evidente uma polarização entre ruralistas e ambientalistas. De um lado, aqueles que defendiam o aumento da produção agrícola por meio da reformulação de um Código considerado por eles ultrapassado e extremamente preservacionista. Do outro, aqueles que se preocupavam com a conservação das nossas florestas e viam a reformulação do Código como um potencial indutor do desmatamento de novas áreas e “anistiador” daquelas suprimidas ilegalmente no passado.
Qualquer dicotomia, é bom ressaltar, pode resultar na perigosa simplificação de uma situação complexa e na negligência de um amplo espectro de cenários possíveis. Não seria diferente em se tratando de um Código que visa regulamentar o uso do solo em um país de proporções continentais, grande produtor e exportador de commodities e, ao mesmo tempo, detentor de uma das maiores biodiversidades do planeta. Com o desafio de promover a agropecuária em consonância com a conservação ambiental, o foco do processo legislativo recaiu sobre as áreas rurais e florestais, relegando as áreas urbanas a um segundo plano.
Os dois principais instrumentos de proteção ambiental do Código Florestal são as reservas legais e as APPs. As reservas legais se aplicam às propriedades e posses rurais, enquanto que desde a Lei 7.803 de 18/07/89 a delimitação das APPs também se aplica às áreas urbanas, definição mantida no Código de 2012. Se por um lado celebramos a permanência das áreas urbanas na delimitação das APPs, por outro nos deparamos com o desafio de aplicar uma norma pensada para áreas rurais a realidades urbanas distintas da que a motivou. Além disso, são muitas as leis e normas municipais urbanas voltadas ao uso e ocupação do solo que se sobrepõem à lei federal, gerando conflitos legais e resultando em insegurança jurídica.
As poucas menções do Código Florestal a espaços urbanos dizem respeito à regularização fundiária de interesse social em assentamentos inseridos em área urbana de ocupação consolidada e que ocupam APP, e de interesse específico dos assentamentos em APPs não identificadas como áreas de risco. Nesses casos, o Código Florestal remete parte dessa prerrogativa a outra lei, que dispõe sobre o Programa Minha Casa Minha Vida (Lei 11.977/09) e autoriza os municípios a admitir a regularização fundiária de interesse social em APPs urbanas consolidadas.
Porém, a lei não discute a continuidade de atividades urbanas em APPs consolidadas que não se enquadrem nas situações expostas anteriormente nem novas ocupações e usos naquelas ainda não consolidadas, valendo as delimitações estabelecidas pelo Código Florestal - o que tem contribuído para adicionar mais um fator de insegurança jurídica ao tema.
Como a questão das APPs urbanas não possui regulamentação específica e parte da regularização das suas ocupações é dada por outra lei, muitos órgãos licenciadores estaduais têm interpretado a questão de formas diferentes, dando margem a questionamentos jurídicos e técnicos. A CETESB, por exemplo, tem interpretado que córregos canalizados não têm mais função de APP.
Na tentativa de avançar no tema, algumas propostas legislativas foram apresentadas nos últimos anos a fim de dispor um tratamento específico às APPs urbanas. Ainda na vigência do antigo Código Florestal, havia importante discussão sobre o tema, incluindo o conflito – ao menos aparente – desta lei com o a Lei 6.766/79 (Lei de Parcelamento do Solo), a qual limita o direito de construir de modo menos restritivo em relação ao diploma ambiental. Também são muito discutidas as competências de ordenamento urbano, amplamente delegadas aos municípios pela Constituição e Estatuto da Cidade, abrangendo a definição do uso e ocupação de APPs. Atualmente, encontra-se em trâmite no Senado o Projeto de Lei 368/12 especificamente sobre APPs urbanas. No entanto, este PL também não objetiva regulamentar essa áreas, restringindo-se a determinar que tenham suas delimitações definidas pelos planos diretores e leis de uso do solo dos municípios, ouvidos os conselhos estaduais e municipais de meio ambiente.
Desse contexto, surgem algumas questões a se considerar antes de expandir a competência dos municípios para regulamentar as APPs urbanas ou flexibilizar seu uso e ocupação. Até que ponto as delimitações das APPs dadas pelo Código Florestal são aplicáveis às áreas urbanas? É desejável e viável estabelecer critérios para diferenciar os espaços passíveis de proteção, regularização e recuperação? Qual o limite para novas ocupações em APPs urbanas, ainda que para utilidade pública e interesse social? Há como ter um regulamento federal sobre APPs urbanas que direcione o disciplinamento municipal destas áreas? Se sim, o Código Florestal deve ser alterado ou é possível regulamentar as APPs urbanas por meio de outra lei já existente ou a ser elaborada?
Essas e outras questões precisam ser enfrentadas, em especial os limites e as possibilidades de uso das APPs no espaço urbano, levantando os conflitos socioambientais decorrentes e propondo um instrumento regulatório mais adequado e eficiente. Não é tarefa fácil, mas um diálogo racional, ponderado e colaborativo entre múltiplos atores dos setores público e privado e da sociedade civil deve ser iniciado o quanto antes. Para isso, o Centro de Pesquisa Jurídica Aplicada da FGV Direito SP está conduzindo o projeto de pesquisa “Subsídios para a regulamentação das APPs urbanas”.
Fonte: Observatório Florestal
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CPJA reúne especialistas para debater Áreas de Preservação Permanente
Neste encontro, foram apresentados os resultados de uma pesquisa respondida por 583 gestores públicos e especialistas ambientais, urbanistas e juristas.
O Centro de Pesquisa Jurídica Aplicada (CPJA) da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV Direito SP) realizou no último dia 09, segunda-feira, o segundo workshop da pesquisa “Desafios para a regulamentação das Áreas de Preservação Permanente Urbanas”. Coordenada por Nelson Novaes Pedroso Jr, do CPJA, e pela bióloga e consultora ambiental Sandra Steinmetz, esta pesquisa tem como objetivo discutir os limites e as possibilidades de uso das Áreas de Preservação Permanentes (APPs) no contexto urbano e propor um instrumento regulatório mais adequado e eficiente.
Neste encontro, foram apresentados os resultados de uma pesquisa respondida por 583 gestores públicos e especialistas ambientais, urbanistas e juristas. Entre os principais pontos levantados, destaca-se a grande importância atribuída às funções hidrológicas, de drenagem e de estabilidade geotécnica e geológica das APPs em espaços urbanos. Segundo 78,9% dos respondentes da pesquisa, as funções das APPs urbanas são diferentes daquelas presentes nas áreas rurais. Mais expressiva ainda foi a proporção de pessoas (86,5%) que acreditam que existam problemas de insegurança jurídica das normas de delimitação das APPs previstas no Código Florestal quando aplicadas em áreas urbanas consolidadas, sendo que 93% destas concordaram que uma forma de reduzir essa insegurança jurídica seria por meio do estabelecimento de uma regulamentação específica.
Com base nos resultados apresentados, os participantes do workshop debateram sobre as definições, os parâmetros e condicionamentos necessários para a regulamentação das APPs urbanas e quais seriam os entes federativos responsáveis pela regulamentação e fiscalização. "Também recebemos nessa pesquisa muitas sugestões, entre elas a de dar incentivos para a proteção e recuperação das APPs nas cidades, pois só uma nova regulamentação não seria suficiente para garantir a preservação", conta Sandra. "Apesar de diferentes posições terem sido manifestadas durante o evento, é consenso entre todos que as APPs urbanas precisam ser requalificadas de forma a gradualmente terem recuperadas e garantidas suas funções ambientais e sociais. O desafio é como promover isso por meio de um instrumento regulatório mais adequado às diferentes realidades ambientais e socioeconômicas das nossas cidades", conclui Nelson.
As novas etapas da pesquisa incluem um café da manhã com a Frente Parlamentar Ambientalista do Congresso Nacional, um seminário e um policy paper sobre estratégias de regulamentação das APPs urbanas.
Fonte: FGV
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