O maior desafio da Rio 2016 é trazer o esporte para o domínio da cultura e democratizar o legado dos jogos, estendendo-o a todos os brasileiros, via escola, concluiu o 42º OsteRio
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Rio de Janeiro, 16 de setembro de 2010
Rosa Lima
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"Vamos ganhar mais medalhas em 2016?". Com essa pergunta como mote, o OsteRio convidou dois atletas olímpicos para compor a mesa da 42ª. rodada de debates sobre o futuro do Rio, realizada na noite de segunda-feira, 13 de setembro: Marcus Vinícius Freire, integrante da equipe de vôlei ganhadora da medalha de prata em Los Angeles (84) e atual Superintendente Executivo do Comitê Olímpico Brasileiro (COB), e o velejador Lars Grael, bronze em Seul (88) e Atlanta (96) e ex-Secretário Nacional de Esportes.
Se em dois eventos anteriores os Jogos Olímpicos do Rio e o que eles representam de legado para a cidade foram o tema central do debate, desta vez o que estava em discussão era o próprio esporte. A seis anos da realização da primeira Olimpíada em solo sul-americano, o encontro na Osteria Dell'Angolo expôs os avanços já conquistados, os obstáculos a serem enfrentados e o desafio maior na construção do sonho olímpico brasileiro: aproveitar a oportunidade trazida com a conquista da Rio 2016 e trazer o esporte para o domínio da cultura, democratizando seu legado para todos os brasileiros, através da escola. "É impossível termos sustentabilidade no processo de valorização do esporte sem que ele faça parte integralmente do processo de educação. Se não associarmos esporte e escola, nunca seremos uma potência esportiva, porque não seremos potência nenhuma, sem cidadãos integrais", afirmou o presidente da Associação Comercial do Rio de Janeiro, José Luís Alquéres, sintetizando o espírito da noite.
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Ponta do iceberg
Marcus Vinícius Freire, que - depois de jogar profissionalmente por 16 anos e atuar como voluntário do COB por 9 - assumiu há um ano o cargo de superintendente da entidade com objetivo de fazer do Brasil uma potência olímpica, deixou claro de saída que a meta é ambiciosa e envolve muito mais do que "apenas" ganhar medalhas.
Não que essa tarefa seja menor ou menos importante. Tanto não é, destacou, que a atual administração, à frente do COB desde 1996, trouxe 52 medalhas para o Brasil em quatro edições dos Jogos Olímpicos, enquanto em 13 jogos da fase anterior, iniciada em 1920, ganhamos 29 medalhas. Ou seja, passamos de uma média de pouco mais de 2, para 13 medalhas por Olimpíada.
"Ganhar medalhas é só a ponta de um enorme iceberg. Ainda assim, é um feito que não pode ser desprezado, pelo que carrega de símbolo. E não estamos fazendo feio. A nossa principal característica são os esportes coletivos, onde uma medalha é ganha pelo trabalho conjunto de uma equipe inteira. Com isso, deixamos a impressão de que ganhamos poucas. Nos Jogos de Pequim, em 2008, foram 15, mas dos nossos 277 atletas, 75 trouxeram medalhas e 106 disputaram a final, o que também precisa ser valorizado", ponderou o dirigente do COB.
Ele não quantificou o número de medalhas que o Brasil tem como meta ganhar em 2016, mas afirmou que o objetivo é entrar no seleto clube dos 10 Mais. "Ficamos em 17º lugar em Pequim. Treze medalhas nos separam da 10ª. posição. Chegar lá é difícil, mas não impossível. Temos que ganhar nas oito modalidades em que já ganhamos e passar a ganhar em pelo menos outras seis", disse Marcus.
Para isso, o COB se inspira na fórmula de sucesso de quatro potências olímpicas (Austrália, Alemanha, Grã-Bretanha e China) e trabalha com uma estratégia clara: investir pesado na preparação de atletas, na criação de centros de treinamento, na profissionalização da gestão, na promoção das modalidades mais promissoras e no trabalho na base desportiva. Com um orçamento muitas vezes menor do que dispõem nossas potências inspiradoras.
"A maior lição aprendida é que não fazemos nada sozinhos. Além do COB, dos clubes e das federações, muita gente faz parte dessa corrente. As Forças Armadas já incorporaram mais de 200 atletas, o Ministério da Ciência e Tecnologia doou R$ 6 milhões para a construção do laboratório de ciência do movimento, estamos negociando o apoio da Light, e precisamos de muito mais. Por isso, eventos como este aqui são tão importantes", finalizou Marcus.
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Visão estratégica
Com ele fez coro o velejador Lars Grael, lembrando que é preciso contermos tanto o entusiasmo exacerbado quanto uma visão derrotista e trabalharmos em cima de uma base real. "Não se faz uma potência olímpica em seis anos, mas podemos melhorar muito e chegar entre os dez primeiros se investirmos muito e corretamente. O legado dos Jogos não é só o quadro de medalhas, mas o que fica do espírito olímpico na melhoria da qualidade de vida da população, através de investimentos em saúde preventiva e educação de qualidade, fortalecendo o esporte na escola e gerando a sustentabilidade que irá se refletir em 2020", disse.
Para Lars Grael, o Brasil está trilhando o caminho correto na busca desse sonho. E mostrou o quanto se avançou desde o início dos anos 90, quando o país não passava de um mero coadjuvante no cenário do esporte internacional. Desde o aumento no número de medalhas, que saltou para 2 dígitos por cada edição dos Jogos; passando pelo enorme incremento em gestão - que fez o número de funcionários do COB pular de oito, alguns em regime de meio expediente, para os atuais 98, muitos executivos, dentre eles seis ex-atletas com formação no exterior; até a associação com os governos e a iniciativa privada, que resultou na profissionalização do setor.
Segundo Grael, hoje não temos ainda uma política nacional de esportes consolidada, mas conquistas importantes foram feitas, dentre as quais destacou a Lei Agnelo-Piva (que garante recursos para o COB com o repasse de 2% arrecadado pelas loterias), a lei de importação de material olímpico com isenção de impostos, o Código de Direitos do Torcedor, o programa Força do Esporte (de investimento das Forças Armadas no esporte), a lei de incentivo ao esporte (semelhante à lei Rouanet, da cultura), a lei do Bolsa-Atleta, o Ministério dos Esportes (que representou um aumento considerável do volume de investimentos para o setor), a realização dos Jogos Pan-Americanos e a conquista do direito de sediar grandes eventos como os Jogos Militares Mundiais, em 2011, a Copa do Mundo, em 2014 e o maior deles, a Rio 2016.
"O Brasil ainda não tem clareza de como pode aproveitar estrategicamente essas oportunidades para dar um salto de desenvolvimento. Precisamos nos mirar nos exemplos de Barcelona, no que deixou de legado econômico e urbanístico; de Sidney, que soube capitalizar seus avanços olímpicos e torná-los sustentáveis; e mesmo de Atenas, como um alerta do que deve ser evitado. Temos competência, o ambiente é favorável e ainda temos o tempo a nosso favor. Trata-se de mantermos a coerência, a seriedade, a união e o espírito otimista e chegaremos lá", disse o velejador.
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Esporte e educaçao
Concluídas as apresentações, foram muitas as questões levantadas pela plateia: "Os investimentos em esportes devem ser concentrados no Comitê Olímpico Brasileiro?", perguntou o economista Manuel Thedim, do Iets. "Qual a política do COB para o jovem no esporte?", quis saber Luciano Pessina, da Osteria Dell'Angolo. "Como o resto do Brasil pode se beneficiar da Rio 2016?", questionou João Rios. "Investir pesado, atrair treinadores e ganhar 60 medalhas. É delírio?", indagou José Luiz Alquéres. "É", respondeu prontamente Marcus Vinícius Freire. "Nossa meta é bem mais modesta", complementou. Quanto aos investimentos, ele disse que os recursos do COB são repassados às federações. Também cabe a elas em grande medida as diretrizes de formação dos nossos atletas, hoje com o reforço importante das Forças Armadas, seguindo o caminho trilhado pela Alemanha.
O pós-carreira, segundo o dirigente do COB, ainda é uma grande lacuna e preocupação. Grande parte dos atletas não conclui o Ensino Médio ou mesmo o Fundamental e se profissionaliza precocemente para se transformar em arrimo de família. "Estamos investindo em qualificação de forma a garantirmos uma transição menos traumática ao final da carreira", disse.
Respondendo a Paul Geiser, que, envolvido na criação do Retiro dos Atletas, sugeriu a aprovação de um projeto que lhes permitisse aposentar-se mais cedo, Marcus Vinícius lamentou que a luta ainda é anterior a essa, já que atleta no Brasil não tem direito a aposentadoria em idade alguma, porque não existe sequer como profissão. Mas a questão que mais mobilizou o público, evidenciou as distorções na política de esportes e se apresenta como entrave a um verdadeiro engajamento do país aos valores olímpicos é o absurdo divórcio estabelecido entre esporte e educação.
Segundo Lars Grael, apenas 46% dos jovens brasileiros têm algum acesso à educação física nas escolas públicas, o Ministério da Educação sequer participa da Olimpíada Escolar e no cardápio de livros didáticos não figura nem um único título dedicado a esportes. "Por conta desse divórcio, o Brasil ficou oito anos sem realizar os Jogos Estudantis e não existe hoje nenhuma política destinada aos esportes nas escolas. Falar em política esportiva é integrar esporte, saúde e educação. Cabe à sociedade cobrar das autoridades o fim desse equívoco histórico. Investir no esporte na escola é a maior contribuição que podemos dar à democratização do legado dos Jogos Olímpicos para o Brasil", defendeu Grael.
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