Até 2050, 3 bilhões de pessoas, a maior parte no sul global, estará vivendo em favelas. (Foto: dany13/Flickr-cc) |
By Paula Tanscheit
O futuro do planeta está nas mãos das cidades. Não é novidade que elas concentram mais da metade da população mundial e estima-se que esse índice cresça para 66% até 2050. Estamos falando de espaços urbanos que ocupam 2% do território da Terra. Essas áreas serão consequentemente as mais afetadas pelo aquecimento global e pelos efeitos de condições meteorológicas extremas. Diante desses fatos, a impressão é que muito pouco se fala sobre o assunto se pensarmos na relevância do tema. A ciência precisa estar gradativamente presente nos debates e ter um papel cada vez mais importante nas decisões políticas e ações urbanas. Para isso acontecer, um artigo publicado na revista Nature indica as seis pesquisas que devem ser priorizadas para que a ciência contribua para o planejamento de cidades e seja inserida no dia a dia urbano.
Planejadores urbanos e tomadores de decisões precisarão de constantes evidências que os ajudem a desenvolver estratégias para mitigação do clima e adaptação. Ao mesmo tempo, os cientistas passam a ver as cidades como sistemas complexos e a trabalhar mais próximos das comunidades. No entanto, a aplicação dessas pesquisas ainda é um problema, já que a falta de estudos de longo-prazo sobre o clima urbano e seus impactos dificulta o planejamento das próximas décadas. Além disso, ainda são poucas as plataformas de compartilhamento de informações entre cidades.
Segundo o artigo intitulado “Seis prioridades de pesquisa para cidades e mudanças climáticas“, as grandes lacunas de conhecimento dizem respeito a mitigação e adaptação às mudanças climáticas urbanas, o que exigirá trabalho em diversas áreas. Confira as seis necessidades apontadas pelos pesquisadores.
1) Expandir as observações. Pesquisadores e autoridades municipais precisam ampliar a quantidade e os tipos de dados urbanos coletados, especialmente em países do hemisfério sul. Dados sobre assentamentos informais são escassos ou inexistentes. Além de melhorar a disponibilidade, a cobertura, a qualidade, a resolução e a confiabilidade das informações, elas precisam ser aprimoradas e os relatórios devem ser padronizados. Os pesquisadores sugerem metodologias para sensoriamento remoto com satélites, drones e veículos autônomos para monitorar tecidos urbanos densos, inventários confiáveis sobre gases de efeito estufa e também métodos para a verificação dos mesmos. “É crucial monitorar as origens e tipos de poluentes do ar de efeitos climáticos – incluindo metano, ozônio, carbono negro e aerossóis – já que reduzir esses gases é benéfico para a saúde pública, bem como para a mitigação do clima”.
É necessária uma rede global de “observatórios urbanos” – diversas cidades que são pontos focais de pesquisa e monitoramento de longo prazo. Dados, pesquisa e prática devem ser compartilhados online. Para garantir a confiabilidade, dados sobre emissões, precipitações, fluxos de água e qualidade do ar precisam ser verificáveis e usados de forma transparente. Pesquisadores e profissionais precisam desenvolver mecanismos de governança, segurança, ética e engajamento.
2) Compreender as interações climáticas. De acordo com o artigo, processos climáticos são complexos, ainda mais em cidades. Por esta razão, são necessários estudos comparativos entre cidades de diferentes contextos para compreender múltiplos cenários e encontrar soluções. “Precisamos saber como as morfologias urbanas, os materiais de construção e as atividades humanas afetam a circulação atmosférica, o calor e a radiação luminosa, a energia urbana e os reservatórios de água”, afirma o texto. Simulações climáticas precisam ser consideradas para a urbanização e devem ser reduzidas para os níveis da cidade e do bairro. São necessárias ainda metodologias para avaliação de risco, de vulnerabilidades e de capacidades sociais locais.
3) Estudar assentamentos informais. Até 2050, 3 bilhões de pessoas, a maior parte no sul global, estará vivendo em favelas. Permitir que essas comunidades se adaptem é uma prioridade. Modelos e ferramentas de análise pensadas para essas comunidades precisam ser desenvolvidas, já que as abordagens utilizadas nas cidades no norte global não podem ser simplesmente transplantadas. A escassez de dados, os processos socioeconômicos informais e as capacidades locais limitadas devem ser considerados.
Assentamentos informais podem receber lições de sustentabilidade. Os moradores geralmente são eficientes na utilização de recursos escassos e na reutilização e reciclagem de resíduos. Os esforços de mitigação precisam apoiar, em vez de minar, os meios de subsistência e o bem-estar humano, bem como a economia informal.
4) Explorar as tecnologias disruptivas. Os pesquisadores acreditam que a revolução digital está transformando as cidades. Programas de mobilidade compartilhada irão melhorar a qualidade do ar e a inclusão social e reduzirão congestionamentos. A adoção global de veículos elétricos compartilhados e automatizados pode reduzir a frota global de veículos em até um terço, segundo o estudo. No entanto, esses benefícios poderiam ser reduzidos se a facilidade de uso dessas tecnologias resultasse em um aumento no uso do veículo. Os pesquisadores precisam entender o que desencadeia resultados positivos e negativos, bem como influenciá-los, possibilitando, por exemplo, mais viagens compartilhadas através de tecnologias de informação e comunicação.
Os autores do artigo dão sugestões de elementos a serem trabalhados nas cidades, como materiais e tecnologias acessíveis que podem reduzir a intensidade de carbono das infraestruturas; corredores de vegetação, parques verdes e zonas de baixas altitudes que absorvem água e reduzem os riscos de inundações e calor. É preciso maior conhecimento sobre o desempenho a longo prazo e o gerenciamento de tais recursos. Padrões de desenho e engenharia precisam ser desenvolvidos.
5) Apoiar as transformações. Estratégias mais ousadas são necessárias para alcançar cidades resilientes e de baixo-carbono. “É preciso dar mais orientações sobre como mudar o estilo de vida da população e os padrões de consumo através de políticas e incentivos para a criação de bairros e cidades com zero carbono”, diz o artigo.
Os pesquisadores sugerem encontrar e ampliar as inovações locais de sucesso. As estruturas de pesquisa e políticas precisam ser desenvolvidas para traduzir inovações locais bem-sucedidas nas cidades.
6) Reconhecer o contexto da sustentabilidade global. As cidades são sistemas abertos, complexos e dinâmicos com alcance global. Ações locais bem-intencionadas podem deslocar questões para outros setores ou para o futuro.
É necessária uma abordagem de sistemas para atender as mudanças climáticas globais, bem como a Nova Agenda Urbana e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas. É preciso explorar mais a fundi as interações, compensações e sinergias entre processos urbanos e seus impactos em outros lugares. Isso implica trabalhar em disciplinas e silos de governança. Vínculos entre sistemas de água, alimentos e energia devem ser estendidos a outros setores, para entender as relações entre provisão de infraestrutura, desigualdade e resiliência, por exemplo.
Próximos passos
O artigo lista ainda uma série de próximos passos que incluem:
– pesquisadores, formuladores de políticas e outros stakeholders de cidades precisam fortalecer parcerias e produzir conhecimento em conjunto;
– universidades devem apoiar plataformas de dados e programas de pesquisa de longo prazo em suas cidades, enquanto compartilham o conhecimento a nível nacional e internacional;
– cientistas devem se envolver mais nas redes de políticas e práticas, tais como Grupo C40 de Grandes Cidades para a Liderança Climática, ICLEI – Governos Locais pela Sustentabilidade e United Cities and Local Governments (UCLG);
– criação de conselhos consultivos científicos em cidades;
– agências de financiamento precisam fornecer subsídios para pesquisa interdisciplinar e estudos comparativos, especialmente no sul global;
– cidades podem exigir que as empresas que ofereçam projetos governamentais de grande escala em energia renovável ou transporte sustentável, por exemplo, contribuam com dinheiro para pesquisas universitárias relacionadas;
– cidades devem desenvolver modelos de negócios e parcerias para acelerar experiências bem-sucedidas e ampliar ideias e tecnologias;
– plataformas online devem ir além do compartilhamento de dados para ajudar pesquisadores, formuladores de políticas, profissionais e cidadãos a diagnosticar problemas, gerar soluções, testar e avaliar sua eficácia e incorporar a aprendizagem;
– pesquisas e a inovação para mitigar as mudanças climáticas urbanas e se adaptar a ela devem ser apoiadas em uma escala proporcional à magnitude do problema.
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