Comecei a minha militância ambientalista no final da década de 1970, quando pouca gente falava de meio ambiente. O termo "sustentabilidade" nem exista, só tendo surgido cerca de uma década depois. Eram tempos difíceis para o exercício da cidadania. Vivíamos tempos de ditadura militar, de repressão e de limitações de liberdade de expressão. Eram também tempos de forte crença no desenvolvimentismo (o crescimento a qualquer custo), do nacionalismo e de um "patriotismo" exacerbado e distorcido, muito bem expressos pela propaganda governamental da época, que pregava desde o ufanismo do "Esse é um país que vai para frente...", ao slogan da intolerância que continha a ameaça: "Brasil. Ame-o ou deixe-o". Muitos opositores foram exilados!
A minha primeira luta foi contra a poluição da Baía de Guanabara causada pelas "fábricas de sardinha" localizadas em Jurujuba. Também nos mobilizavam a defesa das florestas e patrimônio paisagístico da cidade, a criação do Parque Estadual da Serra da Tiririca (conquista alcançada em 1991), a solução para o precário saneamento, a recuperação das lagoas de Piratininga e Itaipu e depois passamos ainda a reivindicar ciclovias em Niterói.
No ambiente de polarização política daqueles tempos e pela total falta de compreensão da pauta ambiental, éramos vistos por alguns como "subversivos". Éramos verdes e queríamos sim subverter, mas subverter o modelo de desenvolvimento vigente. Procurávamos oferecer um novo olhar para a economia e para o social, incorporando o meio ambiente como um valor e uma oportunidade, em contraste como a velha concepção, que remonta aos tempos coloniais: a natureza como obstáculo, como algo a ser domado, conquistado e, se possível, eliminado. Apresentávamos, portanto, uma nova ideologia e uma nova proposta para o Brasil.
Ao longo de quatro décadas de militância, vi os passos iniciais do movimento ambientalista no Brasil e no RJ. Arregacei as mangas e iniciei a minha militância ambientalista em Niterói, com a fundação em 1980, do Movimento de Resistência Ecológica - MORE. Depois vieram outras organizações, como o Movimento Cidadania Ecológica - MCE, Instituto Baía de Guanabara - IBG e, posteriormente, em 1998, o Projeto Grael. Este último, incorporou um conteúdo social, educacional e esportivo às minhas lutas ambientais.
Em 1983, me formei em engenharia florestal, trabalhei Brasil afora, na Amazônia, Cerrado, Mata Atlântica e outras regiões do país. Tornei-me dirigente de órgãos públicos. Presidi o Instituto Estadual de Florestas - IEF, a Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente - FEEMA.
Ao longo desta longa trajetória participei ativamente do processo histórico da construção da política ambiental no país. Mesmo aos "trancos e barrancos", entre vitórias e derrotas, apesar do ritmo bem mais lento do que outros países, o Brasil foi avançando.
Vi surgirem nas décadas de 1970 e 1980, os primeiros órgãos ambientais no governo federal e nos estados. Depois, na década de 2000, os municípios também assumiram um maior protagonismo ambiental.
Vi o país criar um acervo de legislação ambiental, construído passo a passo, tese a tese, luta a luta. Algumas leis e suas regulamentações eram imperfeitas, pois eram o produto da negociação democrática e do enfrentamento dos lobbies contrários que sempre foram muito fortes, mas as conquistas ao longo dos anos foram inegáveis. A legislação foi aos poucos instrumentalizando a gestão ambiental pública e privada no país.
Vi o Brasil passar por um período de forte industrialização e, depois, regredir nos últimos anos, num dos maiores processos de desindustrialização no mundo. Na FEEMA, enfrentei as indústrias mais poluidoras, como a CSN que contaminava o Rio Paraíba do Sul e a REDUC que poluía a Baía de Guanabara. Tanto o crescimento da indústria, como o seu desmantelamento deixaram profundos impactos sociais, ambientais e urbanos no país.
Vi setores mais responsáveis do empresariado abraçar a questão ambiental por convicção, por imposição da legislação ambiental ou por mecanismos de mercado, ou seja, por exigência dos consumidores e dos importadores dos países desenvolvidos. O fato é que há um movimento empresarial importante pela sustentabilidade no mundo e que vem crescendo também no Brasil, a ponto de pressionar o governo federal contra a sua agenda antiambiental, que vem isolando o país e nos alijando de importantes mercados.
Vi o Brasil receber todos os principais chefes de estado do mundo na Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento - Rio 92, momento histórico que aprovou a Agenda 21, com uma agenda ambiental de consenso para o mundo, convenções e acordos com as bases para as discussões sobre as mudanças climáticas, biodiversidade etc. O Brasil e o Rio de Janeiro poderiam ter saído daquele evento como grandes protagonistas mundiais da sustentabilidade. Deixamos escapar a chance: o escritório da ONU responsável por monitorar a implementação das medidas da Rio 92, por omissão do governo brasileiro, acabou sendo instalado na Costa Rica.
Vi também, frustrado e angustiado, o Brasil se tornar o campeão mundial do desmatamento e o vilão das mudanças climáticas, fato que se agravou após 2019. As mudanças do uso do solo (desmatamento e queimadas) representam 44% das emissões de gases de efeito estufa no Brasil, principalmente na Amazônia. A agropecuária, principalmente a pecuária bovina, é responsável por 28% das emissões (fonte). Este fato é um absurdo escandaloso, pois ao mesmo tempo estamos desperdiçando a biodiversidade, a fertilidade dos solos e ameaçando a segurança climática do próprio Brasil e do mundo.
Vi crescer o protagonismo das crianças, que passaram a levar para os seus pais aquele conteúdo ambiental que aprenderam nas escolas.
Vi a questão ambiental se tornar "mainstream" nos espaços diplomáticos mundiais, com o crescimento da preocupação climática. A sustentabilidade e a economia limpa não são mais temas periféricos ou apenas retóricos, mas estão no centro das políticas anunciadas nos principais países para a retomada para um novo normal no período Pós-COVID. É o que estão fazendo a Alemanha, Grã-Bretanha, França e agora, também os EUA. Saiba mais aqui.
Mas, a história não segue uma linha reta, mas caminhos tortuosos. Vimos surgir, como se saíssem dos porões do passado, nuvens negras de retrocesso. Um presidente dos EUA forjado no submundo do marketing político e da manipulação das redes sociais, tentou reverter os avanços em direção à sustentabilidade. Vimos a chegada ao poder no Brasil de extemporâneas forças reacionárias. O Brasil elegeu um candidato a presidente que sempre defendeu a tortura, a ditadura, atacou a sociedade civil e mostrou-se negacionista diante da crise sanitária. Conforme prometeu como candidato, promoveu o desmatamento da Amazônia, reprime populações indígenas, causou o imobilismo dos órgãos ambientais e envergonhou o país nos debates climáticos mundiais. Nomeou um "antiministro do meio ambiente", que prometeu aproveitar para "passar a boiada" e promover o desmonte da legislação e dos órgãos ambientais. Tudo isso de forma sorrateira, enquanto as atenções da sociedade estavam para as mortes causadas pela pandemia, negligenciada por este governo. Em recente discurso num fórum de chefes de estado, o presidente Bolsonaro achou que conseguiria enganar líderes mundiais com promessas ambientais tão mentirosas que foram descartadas pelo seu próprio governo dias depois.
O avanço sinuoso da história imita outras ciências e também se move com: ação e reação e os pesos e contrapesos. Nos EUA, o governo negacionista e autoritário, foi sucedido por uma força renovadora de um líder de 78 anos que rejuvenesce a política do seu país, promovendo saltos adiante para a sustentabilidade. Fez uma campanha enfrentando as teses estapafúrdias do seu antecessor, vencendo-o com uma plataforma baseada na responsabilidade climática e na sustentabilidade.
Os novos ares planetários nos trazem esperanças de poder retomar o curso do bom senso que, mesmo com muita dificuldade, vínhamos avançando antes de 2018. Numa atmosfera esfumaçada pelas queimadas, vemos surgir consensos em torno dos rumos, bem diversos dos atuais, que o Brasil precisa seguir para acompanhar o mundo na direção da sustentabilidade. Mesmo a grande mídia, que no passado exaltou o desenvolvimentismo e até o autoritarismo do regime, hoje se posiciona de forma inovadora e cobra a sustentabilidade e a economia limpa como caminho para o Brasil.
É o que vemos no editorial do jornal O Globo de hoje. Um texto que clama pelo retorno de um protagonismo do Brasil nas agendas ambientais, um alinhamento com as principais tendências do novo modelo de desenvolvimento mundial e que o país retome políticas já iniciadas e abandonadas no governo federal, como a legislação de 2009 que criou a política nacional de mudanças climáticas, que "estipulou um mercado de carbono, regulado pela Comissão de Valores Mobiliários". Já existem 28 iniciativas como esta funcionando no mundo e, mais uma vez, o Brasil fica para trás numa agenda que poderia liderar. O editorial cobra uma economia de baixo carbono, o fim do desmatamento e das queimadas, energias limpas e a eletrificação da frota de veículos do país,
Enfim, o tempo de pregar no deserto como fazíamos há quatro décadas passou e hoje crescem ouvidos e vozes para defender a sustentabilidade como um caminho para o Brasil. Que se faça luz nas trevas e que o Brasil volte a seguir no caminho da responsabilidade socioambiental e, até mesmo, no compromisso intergeracional que temos o dever de ter. As gerações futuras conviverão com os erros e acertos das decisões e mudanças que formos capazes de produzir agora.
Em tempos de retrocessos bolsonaristas fantasiados de verde e amarelo, quero pegar emprestado o bordão da Fundação SOS Mata Atlântica: vamos salvar o verde da nossa bandeira!
Axel Grael
Brasil precisa andar mais rápido rumo à economia limpa
Editorial O Globo
O Brasil se comprometeu a reduzir a zero as emissões líquidas de gases causadores de efeito estufa até 2050. Em 2025, nossa meta é emitir 37% a menos que em 2005. Com o aumento da devastação da Amazônia no governo Bolsonaro, aquilo que era plenamente factível em 2015, quando foi firmado o Acordo de Paris, transformou-se num objetivo que vai se tornando a cada dia menos viável. Precisamos mudar isso — e o tempo é curto.
Quase metade das emissões brasileiras — equivalentes a 2 bilhões de toneladas de gás carbônico — resulta da devastação de florestas. Um quarto deriva de atividades agrícolas, em especial da pecuária (reses emitem metano, gás com potencial de aquecimento 30 vezes superior ao carbônico). Pouco mais de 20%, dos transportes e da energia, setor em que metade da matriz já é limpa.
Nosso maior problema para cumprir a meta é conhecido: desde 2017, o desmatamento interrompeu a trajetória de queda e voltou a quebrar recordes no governo Bolsonaro. Mas, além de cumprir a promessa de acabar com a devastação da Amazônia, a transição para a economia de baixo carbono também exigirá ação determinada nos demais setores. Sobretudo transportes, saneamento, siderurgia, metalurgia, petróleo e agropecuária. A boa notícia é que, na maior parte deles, será possível realizar a transição por meio de investimentos lucrativos em novas tecnologias.
É o caso da troca de frotas de caminhões e transporte urbano por veículos elétricos, da instalação de parques energéticos solares e eólicos, de geradores a partir do gás dos esgotos ou ainda da mudança no modelo de criação de gado, para revezar o pasto com áreas de plantio e compensar as emissões. Instituições financeiras não terão dificuldade em destinar crédito a projetos que demonstrarem capacidade consistente de gerar maior produtividade. Em geral, eles envolvem grande investimento inicial de capital para colher o resultado num prazo dilatado.
Há setores, contudo, em que zerar as emissões não será lucrativo. Em alguns, será impossível trazê-las a zero. Os mais problemáticos são siderurgia, indústria de cimento e aqueles que usam combustíveis fósseis. Para acelerar a adesão às tecnologias mais limpas, será preciso criar algum mecanismo por meio do qual alguns setores compensem as emissões dos outros. Enquanto aqueles terão incentivos para plantar árvores ou instalar dispositivos de captação dos gases, estes pagarão para continuar a produzir poluindo. Fazer isso de modo justo exige que se estabeleça um preço para o carbono emitido.
Há basicamente duas formas de implementá-lo: ou simplesmente criando novos impostos, ou então desenvolvendo um mecanismo mais sofisticado, conhecido como “mercado de carbono”. Já existem 28 iniciativas do tipo funcionando no mundo, de acordo com o Banco Mundial. As principais, na Califórnia e na União Europeia. O Brasil está atrasado. O que existe aqui é um mercado voluntário, dependente de empresas pioneiras ou projetos de natureza ambiental. É pouco para promover a transição para a economia limpa na velocidade exigida pelas nossas metas.
A lei de 2009 que criou a política nacional de mudança climática estipulou que fosse criado um mercado de carbono, regulado pela Comissão de Valores Mobiliários. A iniciativa não vingou. Desde então, o Ministério da Economia passou a estudar a implementação e produziu uma série de documentos para orientá-la.
No começo ano, a Câmara começou a analisar um projeto de lei, do deputado Marcelo Ramos (PL-AM), que transfere a responsabilidade pelo mercado de carbono da CVM a uma nova agência reguladora, batizada Instituto Nacional de Registro e Dados Climáticos (INRDC), fiscalizada e regulada pelo Ministério da Economia. O projeto reconhece o que já é negociado no mercado voluntário, dá alguma segurança jurídica aos contratos e, mais importante, estabelece um prazo de cinco anos para que tudo funcione como determina a lei de 2009. Vários pontos ainda precisam ser ajustados, mesmo assim trata-se de uma iniciativa essencial para as próximas décadas.
A criação de um mercado local de carbono obrigaria as empresas que ainda dão de ombros para a questão climática a prestar atenção aos riscos para seus negócios e também às oportunidades. Quem poluir terá de pagar; quem ajudar a despoluir terá a receber. Isso contribuirá para criar no país a cultura necessária à transição rumo à economia limpa.
Acelerar a iniciativa ajudaria a preparar o Brasil para a COP-26, a conferência ambiental da ONU marcada para novembro em Glasgow. A discussão central se dará em torno dos mecanismos de troca internacionais para os direitos de emissão, estabelecidos nos artigos 6.2 e 6.4 do Acordo de Paris. É um desafio gigantesco para o planeta criar um mercado de carbono global, ou ao menos uma governança capaz de monitorar com credibilidade a transição em todos os países signatários. Nossa diplomacia deveria ter uma estratégia para negociar propostas favoráveis no que diz respeito à preservação de florestas ou ao uso de biocombustíveis.
Talvez seja pedir demais do presidente Jair Bolsonaro e do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, que já deram inúmeras provas de não estar à altura da tarefa. Mas a transição precisa ser feita a despeito e à revelia deles. Acabando com a devastação da Amazônia, criando um mercado nacional de carbono e permitindo que recursos sejam destinados aos projetos e às oportunidades sem limites que a economia limpa oferece ao nosso país.
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