terça-feira, 12 de fevereiro de 2019

Em Roraima, cursos ajudam a preservar línguas indígenas







Desde 2009, cerca de 2 mil alunos foram certificados nos estudos das línguas macuxi e wapichana. “Esse foi um espaço para o meu reconhecimento, para valorizar a minha própria identidade”, diz Jama Perry, professora de wapichana.

Em 2019, a ONU comemora o Ano Internacional das Línguas Indígenas. Confira mais nesta reportagem especial em vídeo do Centro de Informação das Nações Unidas para o Brasil (UNIC Rio).




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Em 2019, a ONU comemora o Ano Internacional das Línguas Indígenas. No Brasil, há cerca de 300 povos e mais de 250 línguas indígenas.

Em Roraima, norte do país, idiomas indígenas ganham destaque no ambiente acadêmico. Fundado em 2009 para oferecer formação acadêmica e profissional aos indígenas, o Instituto Insikiran é um local de valorização das línguas e saberes, onde macuxi e wapichana, duas das nove línguas indígenas do estado, são ensinadas e aprofundadas nos cursos de extensão universitária.

O Centro de Informação das Nações Unidas para o Brasil (UNIC Rio) visitou a instituição para conversar com alunos e professores.

“Quando criamos o curso, o objetivo era valorizar esses conhecimentos porque percebemos que a transmissão das línguas macuxi e wapichana entre gerações estava fragilizada. É emocionante ver indígenas que não tiveram oportunidade de aprender em sua comunidade falando e escrevendo seu próprio idioma”, contou Ananda Machado, uma das coordenadoras do Programa de Valorização das Línguas e Culturas Macuxi e Wapichana.

Como o curso também é aberto aos não indígenas, Ananda disse que as aulas ministradas na Universidade Federal de Roraima (UFRR) também são eficazes para combater uma série de preconceitos e para conscientizar a sociedade sobre a diversidade desses povos.

“Certa vez, uma jovem indígena perguntou como poderia participar do nosso grupo porque ela tinha visto alunos não indígenas cantando e falando no idioma dela. Isso foi uma surpresa e muito gratificante para nós, professores”, lembrou a pesquisadora que agora faz estágio pós-doutoral no Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social do Museu Nacional da UFRJ.

Ananda avalia a evolução do trabalho de forma muito positiva, principalmente porque as atividades do curso mobilizam pessoas nas cidades e comunidades para aprofundar os conhecimentos.

Ela explica que a escolha pelas duas línguas partiu de estudos que apontaram que, dentro de 10 ou 20 anos, esses idiomas poderiam desaparecer. Diante dessa realidade, indígenas e não indígenas fizeram um esforço coletivo para aumentar a transmissão dessas línguas.

Formação intercultural

O nome Insikiran, em macuxi, provém da mitologia dos povos indígenas que habitam o Monte Roraima, e significa um dos irmãos de Makunaimî. O instituto, que faz parte da Universidade Federal de Roraima, atende aos povos indígenas do estado com o objetivo de viabilizar formação acadêmica e profissional de maneira intercultural.

Além do curso de Gestão Territorial Indígena, há também Licenciatura Intercultural e o Bacharelado de Gestão em Saúde Coletiva Indígena.

No departamento de Gestão Territorial, a pesquisadora e geógrafa Maria Bárbara de Magalhães estuda o cotidiano de diferentes povos indígenas. A partir do trabalho de campo feito de forma bilíngue ou trilíngue, ela cadastra atividades em suas respectivas línguas nativas.

Componente cultural

“A língua é um registro muito importante para as atividades dos indígenas. Aqui, nesse trabalho, a gente entende que a cultura se expressa também nesse cotidiano. A cultura tem o aspecto simbólico, mas tem um aspecto que é o mundo real: como eles vivem, como desenvolvem a vida, e para isso nós usamos muito a língua”, disse Maria Bárbara, que coordena o Programa de Valorização das Línguas e Culturas Macuxi e Wapichana com Ananda desde 2013.

Em todo o mundo, segundo a UNESCO, existem cerca de 7 mil idiomas indígenas, a grande maioria com enorme risco de desaparecer. Cerca de 97% da população mundial fala somente 4% dessas línguas, e somente 3% das pessoas do mundo falam 96% de todas as línguas indígenas existentes.

“O Insikiran foi um espaço para mim como indígena para valorizar a minha identidade. Aqui aprendi a escrever e a falar melhor a minha língua, mas também aprendi sobre a minha própria cultura, que não está dissociada”, disse Jama Perry, ex-aluna do curso Gestão Territorial Indígena e professora de wapichana.

As aulas contribuem para um maior entendimento sobre diferentes aspectos culturais, além de formarem os indígenas sobre a sua própria história.

Os cursos de línguas funcionam em módulos de 40 horas com níveis iniciante, intermediário e avançado. Depois que o aluno consegue escrever e falar, ele participa de oficinas de confecção de dicionário multimídia, teatro, histórias e música.

“Nós dividimos as turmas por nível de conhecimento para ensinar sobre a história, música, dança e religião dos macuxis. Essa política prioriza a conscientização dos alunos para preservar a sua identidade”, detalhou Celino Raposo, professor do curso Licenciatura Intercultural, mestre em educação e autor do dicionário da língua macuxi.

“A língua é importante porque ela é referência da identidade indígena”

Não apenas nas universidades, mas nas escolas, professores combatem o preconceito de alunos indígenas contra a sua própria cultura.

Esse esforço é parte do dia a dia do também antropólogo Eliandro de Souza, que conversa com os jovens sobre a importância de aprender a língua, já que ela é uma referência da identidade indígena.

“A forma como falamos e as palavras que usamos nos remetem a essa percepção. Quer conhecer a sua história, entenda um pouco a sua língua. Isso porque cada palavra está carregada de significados e esse significado é a realidade de interpretação que os povos fazem”, completou.

No site oficial do Ano Internacional, todos os envolvidos e interessados podem encontrar informações sobre os planos para celebrar o Ano Internacional, bem como as ações e as medidas a serem tomadas pelas agências das Nações Unidas, os governos, as organizações dos povos indígenas, a sociedade civil, a academia, os setores público e privado, e outras entidades interessadas. Acesse clicando aqui.

Veja também: “Índio, nome dado pelos europeus, não representa a nossa diversidade”, diz historiador


Fonte: ONU no Brasil




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