Seminário realizado em 24 de maio de 2012, em Brasília, abordou a necessidade de um novo marco regulatório para as relações entre governo federal e organizações da sociedade civil. |
Presidenta Dilma Rousseff analisa texto de projeto de lei para regularizar a relação das ONGs com o poder público
Por Paulo Itacarambi*
A reivindicação por um marco legal para regular as relações entre o Estado e as organizações da sociedade civil é bem antiga no país. Remonta aos anos 1980, quando o movimento ainda engatinhava e não se previa o seu crescimento e a relevância de sua atuação para o avanço dos direitos e da cidadania no país.
Ainda em 2002, foi levada a reivindicação de um marco regulatório para o setor ao então presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, que se dispôs a criá-lo, mas não foi adiante. Durante a campanha presidencial de 2010, um conjunto de movimentos sociais, entidades religiosas, institutos, fundações privadas e ONGs criou a Plataforma por um Novo Marco Regulatório para as Organizações da Sociedade Civil (OSCs), que foi apresentada aos dois candidatos no segundo turno da eleição presidencial, destacando a insegurança jurídica que a falta de regulação trazia ao setor.
Dilma Rousseff, como José Serra, comprometeu-se a promover esse marco regulatório, caso fosse eleita. Por isso, entre 2011 e 2012, foi constituído um grupo de trabalho, liderado pela Secretaria-Geral da Presidência da República, para consolidar o projeto de marco regulatório contido na plataforma, o qual sugere os parâmetros de como pode ser feito o repasse de recursos do governo para as entidades, por meio de chamada pública, com controle e sem burocratização.
Infelizmente, esse grupo de trabalho só foi criado depois dos escândalos envolvendo ONGs que mantinham contrato de parceria com o governo. As organizações já tinham presente há muito tempo essa situação de insegurança jurídica vivida não só por essas ONGs, mas também pelos os ministros envolvidos.
A plataforma apresentada promove, em resumo, um controle maior sobre o repasse de recursos, menor burocracia para ter acesso a ele e maior transparência na prestação de contas, com a parceria adquirindo a forma de “contrato” com o Estado. As regras também ajudam as organizações a buscar financiamento junto a outros mecanismos da sociedade.
As denúncias envolvendo justamente esse tipo de repasse de recursos aceleraram a elaboração do projeto de lei e o grupo de trabalho conseguiu mobilizar um conjunto relevante de gestores públicos, juristas e líderes sociais, que elaboraram propostas para melhorar a relação das entidades sem fins lucrativos com os órgãos do Estado.
O que diz o projeto
A grande conquista desse projeto de lei é criar um regime diferenciado para reger contratos entre o poder público e as organizações da sociedade civil. Até agora, a figura jurídica que rege essa relação é o convênio. Mas ele não é adequado, porque foi feito para regular a relação do governo federal com os Estados e municípios. Assim, as OSCs, nesse tipo de contrato, são obrigadas a cumprir as regras dos municípios, como licitar três fornecedores antes de qualquer compra e não poder usar a verba recebida para custeio.
Não reconhecendo que a natureza de uma OSC é diferente, o convênio não permite, por exemplo, o pagamento de pessoal com a verba recebida e nem mudança de rubrica, engessando suas ações. Com o marco legal específico, haverá regras próprias para esse tipo de contrato, as quais darão maior flexibilidade, bem como maior controle, o que resultará no fortalecimento dessas organizações.
Algumas regras constantes do PL as OSCs já precisam cumprir, como por exemplo: salários regulados pelo governo, não podendo ultrapassar o teto constitucional do serviço público, que é de R$ 26,7 mil; mudança nos estatutos das organizações que permitem distribuir entre a diretoria as sobras de caixa; para projetos acima de R$ 600 mil, auditoria externa e criação, no ministério que repassa a verba, de comissão para monitorar a parceria; o patrimônio da ONG não poderá ser distribuído a seus membros e, se ela fechar, esse patrimônio deverá ser repassado para outra instituição.
Entre as novas exigências estão a de a diretoria ser toda constituída por “fichas limpas”. Os dirigentes que já tenham alguma condenação não poderão receber o dinheiro até oito anos após cumprir a pena. Além disso, deverá haver uma auditoria externa para as contas e transparência na informação das ações e dos gastos ao público.
Aliás, essas medidas poderiam valer para todos os entes jurídicos que se utilizam de recursos públicos ou recebam concessões.
O PL já foi encaminhado à Presidência da República para assinatura. Vamos pressionar para que ele seja aprovado pelo Congresso Nacional ainda em 2013.
A importância do terceiro setor no país
De 2008 até hoje, as ONGs receberam do governo R$ 6 bilhões, distribuídos a mais de 8.000 convênios. Destes, 80% receberam valores abaixo de R$ 600 mil, mas representaram 20% dos repasses. Por outro lado, 20% dos convênios receberam quantias superiores a R$ 600 mil e representaram 80% dos repasses.
Segundo a Abong, existem no Brasil, atualmente, 290 mil organizações do terceiro setor, 70% das quais sem empregados registrados. Elas têm desempenhado um importante papel na história do país, seja na luta pela redemocratização ou na defesa da cidadania e dos direitos difusos, seja em experiências relevantes que resultaram em políticas públicas na área de saúde, educação, meio ambiente, consumo e outros mais, complementando a ação do Estado ou prestando serviços que ele não tem conseguido disponibilizar com eficiência. Assim, o PL vai trazer segurança jurídica para a relação entre as OSCs e o poder público.
Se queremos um desenvolvimento efetivamente sustentável para a sociedade e para o país, precisamos reconhecer o trabalho realizado pelas organizações da sociedade civil, permitindo distinguir as que fazem um trabalho realmente sério daquelas que não o fazem.
Existe um outro tipo de relação que também é importante para o desenvolvimento do país e que está fora desse marco legal: é a relação das OSCs com o setor privado.
Um próximo passo será, portanto, contribuir para a criação de incentivos fiscais que promovam o desenvolvimento de uma “cultura de doação” no setor privado, seja para sustentar um projeto de assistência social, seja para levar à frente a defesa de um direito de algum segmento da sociedade, seja para financiar atividades artísticas e culturais
A cultura de doação é muito forte nos países europeus e nos EUA. As grandes orquestras sinfônicas, os melhores museus do mundo, os centros mais avançados de pesquisa, as universidades e incontáveis projetos de assistência social são basicamente sustentados por doações da iniciativa privada.
* Paulo Itacarambi é vice-presidente executivo do Instituto Ethos
Fonte: Ethos
Concordo com grande parte do que está sendo proposto pelo Marco Regulatório. Porém, para que ele atinja o objetivo de ser o mais transparente possível, seria importante se houvessem audiências públicas, nas assembléias e câmaras municipais pelo país, para finalizá-lo antes de ir para assinatura presidencial
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