sábado, 31 de maio de 2025

ENTREVISTA INSPER: “A tecnologia precisa estar a serviço da melhoria da qualidade de vida das pessoas”

 


Ex-prefeito de Niterói, Axel Grael, que falou aos alunos de um curso da escola, compartilha a experiência do município como referência nacional em cidades inteligentes e políticas climáticas

O engenheiro florestal, ambientalista e gestor público Axel Grael foi prefeito de Niterói entre 2021 e 2024. Reconhecido por sua atuação em políticas públicas voltadas para inovação urbana, sustentabilidade e transformação digital, Grael também tem forte ligação com o mar: é irmão dos velejadores Torben e Lars Grael e tio de Martine Grael – todos medalhistas olímpicos e referências nessa modalidade no Brasil. Axel também é um praticante do esporte. “Velejo bem menos do que gostaria. Desde 2013, venho numa roda-viva – fui vice-prefeito, depois prefeito – e acabei deixando meu barquinho de lado. Mas já o reformei e pretendo voltar a velejar”, conta.

Durante sua gestão, Niterói consolidou-se como uma das cidades mais inteligentes do país, figurando em quinto lugar no ranking Connected Smart Cities 2024, que avalia diversos indicadores de desenvolvimento urbano, digitalização, mobilidade e meio ambiente. A cidade se tornou referência em boas práticas de planejamento urbano integrado com tecnologia, segurança pública, resiliência climática e participação cidadã.

Na penúltima semana de maio, Axel Grael foi um dos professores convidados do curso de educação executiva Cidades Inteligentes: Tecnologia, Transformação Digital e Inovação Urbana, promovido pelo Centro de Estudos das Cidades – Laboratório Arq.Futuro do Insper. A seguir, ele compartilha a experiência na Prefeitura de Niterói, os desafios encarados e suas reflexões sobre o papel das cidades no enfrentamento da crise climática global.

Durante sua gestão como prefeito, Niterói alcançou um lugar de destaque entre as cidades mais inteligentes do Brasil. Como o senhor define uma cidade inteligente e como essa visão foi aplicada no município?

Uma cidade inteligente, em nossa concepção, é aquela que utiliza a tecnologia e a inovação não como fins em si mesmos, mas como meios para melhorar a qualidade de vida das pessoas. É fundamental fazer a pergunta: “Inteligente para quem?”. O foco deve estar sempre no cidadão. Em Niterói, essa transformação se deu por duas frentes principais: a modernização da gestão pública e a aplicação de soluções tecnológicas no espaço urbano.

Do ponto de vista da administração municipal, digitalizamos completamente os processos internos. A Prefeitura de Niterói aboliu os trâmites em papel, o que reduziu prazos, aumentou a transparência e simplificou rotinas. Criamos um portal de serviços que permite ao cidadão resolver praticamente todas as demandas online. Também desenvolvemos a plataforma de Novos Negócios, que fornece dados demográficos, urbanísticos e econômicos – como número de estabelecimentos similares, linhas de transporte e perfil da vizinhança – para quem deseja abrir uma empresa na cidade. Esse aplicativo foi reconhecido internacionalmente em eventos nos Estados Unidos e na Europa.

Quais foram as principais ações voltadas diretamente para a cidade e a população?

Implantamos o Sistema de Gestão de Geoinformação de Niterói (SIGeo), que organiza e torna públicas, de forma gratuita, bases cartográficas e dados georreferenciados da cidade. Essa plataforma apoia o planejamento urbano e estimula desenvolvedores e pesquisadores, especialmente considerando que Niterói é uma cidade universitária, sede da Universidade Federal Fluminense (UFF), uma das maiores do país.

Com o apoio do governo da Coreia do Sul, desenvolvemos nosso Plano Diretor de Cidade Inteligente, alinhado às tendências globais de tecnologia e inovação. Essa parceria nos permitiu antecipar movimentos da transformação digital e fazer investimentos compatíveis com os rumos tecnológicos mais avançados.

Niterói também investiu fortemente em segurança pública e mobilidade urbana. Quais foram os destaques nessas áreas?

Na área da segurança, estruturamos o Centro Integrado de Segurança Pública (Cisp), que monitora a cidade por câmeras e por um sistema de leitura automática de placas de veículos, integrado ao banco de dados do Detran. Isso nos permite identificar veículos com irregularidades, rastrear deslocamentos suspeitos e apoiar investigações com grande eficiência. O sistema também tem um efeito preventivo importante, e Niterói passou a apresentar os melhores índices de segurança da região metropolitana do Rio de Janeiro.

No campo da mobilidade, investimos em semáforos inteligentes e criamos o Centro de Controle Operacional do Trânsito. Isso permite regular a fluidez do tráfego com base em dados em tempo real. O uso de bicicletas também foi promovido com grande êxito. Apesar de críticas iniciais – por causa do relevo e do clima –, a cidade hoje tem duas das ciclovias mais movimentadas do Brasil, com mais de 5 mil bicicletas circulando por dia em alguns trechos. Criamos também um sistema de bicicletas públicas monitorado por sensores, e um sistema de contagem para embasar o planejamento.

Como essas iniciativas se articularam com as ações de enfrentamento às mudanças climáticas?

Criamos a Secretaria do Clima, a primeira do país com esse foco, e estruturamos um Plano Climático Municipal com metas até 2035 e 2050. Niterói adotou uma abordagem abrangente: da adaptação às emissões. Investimos mais de R$ 1 bilhão em obras de contenção de encostas e quase R$ 500 milhões em drenagem. Implantamos um radar meteorológico com raio de 100 quilômetros, sensores de monitoramento de encostas e um sistema de resposta antecipada para eventos extremos. Desenvolvemos, em parceria com a UFF, tecnologias para detectar deslocamentos de massa que possam indicar risco de deslizamento.

Além disso, implantamos o Parque Orla Piratininga, maior projeto nacional em soluções baseadas na natureza. O parque reduz a carga de nutrientes e poluentes que chegam à lagoa e mitiga emissões de metano. Também demos início à transição energética com a aquisição de ônibus e veículos elétricos para uso da prefeitura, e buscamos recursos para o projeto de VLT da cidade.

A participação da população parece ter sido uma prioridade. Como o senhor estruturou essa dimensão participativa?

Criamos o programa “Niterói que Somos”, que realiza um censo municipal voltado para informações gerenciais. Utilizamos a moeda social Arariboia – que atende quase 40% das famílias de baixa renda – para incentivar práticas sustentáveis em comunidades, como economia de água, reciclagem e eficiência energética. Implantamos o programa Comunidade Resiliente, que atua em territórios vulneráveis com educação ambiental, metas climáticas e engajamento social.

Outro instrumento importante é o aplicativo Colab, que permite ao cidadão registrar problemas urbanos, como buracos, iluminação pública ou árvores por podar, com foto e georreferenciamento. A prefeitura recebe essas informações e pode responder de forma ágil e baseada em dados. Isso também gera mapas de calor que orientam o planejamento das ações.

Quais foram os maiores desafios enfrentados ao longo desse processo de transformação urbana?

Cada área teve seus obstáculos. Na mobilidade por bicicletas, enfrentamos ceticismo inicial da população. No campo da gestão, houve resistência à digitalização, especialmente entre servidores acostumados a processos manuais. Mas conseguimos demonstrar os ganhos em eficiência e transparência. O fim do trâmite físico, por exemplo, permitiu que etapas fossem realizadas simultaneamente, encurtando prazos de forma significativa.

Também enfrentamos dúvidas em relação a soluções inovadoras. No início, o Parque Orla de Piratininga foi alvo de desconfiança, por ser um projeto pioneiro no país. Mas hoje ele está consolidado e inspira outras cidades.

E no enfrentamento às emergências climáticas, quais lições poderia destacar para outras administrações municipais?

A principal lição é não esperar o desastre para agir. Fortalecemos a defesa civil de forma estruturada. Criamos 153 Núcleos Comunitários de Proteção e Defesa Civil (NUPDECs), presentes em 54 comunidades e com mais de 3 mil voluntários treinados. Essas pessoas atuam na prevenção e na resposta, identificando riscos, auxiliando em evacuações e ajudando na comunicação com a prefeitura.

Levei essa experiência para a Frente Nacional de Prefeitos, onde coordenei a comissão de cidades atingidas por eventos climáticos, e também para o ICLEI, rede mundial de cidades voltada para sustentabilidade, da qual faço parte do Comitê Global. Participei de várias COPs – conferências internacionais do clima – e defendo que as cidades tenham voz nesses fóruns, pois concentram mais de 70% das emissões e a maior parte das soluções.

Durante o curso Cidades Inteligentes, promovido pelo Insper, que temas foram abordados pelo senhor em sala de aula?

Fui convidado a tratar da interseção entre cidades e clima. Apresentei a experiência de Niterói na criação de estruturas de governança climática, como conselhos, comissões e programas integrados de adaptação e mitigação. Compartilhei cases como o Parque Orla, o uso de dados na defesa civil, a moeda social com metas climáticas e a digitalização da gestão pública. O curso proporcionou um ambiente muito rico de troca, com profissionais de diversas áreas interessados em aplicar inovação com impacto social e ambiental.

Por fim, que mensagem o senhor gostaria de deixar para os leitores da newsletter Insper Cidades, especialmente para os alunos em geral e os ex-alunos que acompanharam o curso?

Estamos diante de uma transição fundamental. Os eventos climáticos extremos, como os que vimos no Rio Grande do Sul, são cada vez mais frequentes. Não se trata mais de evitar a crise, mas de reduzir seu impacto e acelerar a adaptação. Por isso, além da cidadania, precisamos exercer a planetania – um senso de responsabilidade coletiva pelo planeta. Cidades são palco, causa e solução da crise climática. E cada cidadão, gestor ou empreendedor tem um papel nessa transformação, que precisa ocorrer com urgência.

Fonte: Centro de Estudos da Cidade, INSPER




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