segunda-feira, 9 de dezembro de 2019

Virgílio Viana: CAMINHOS PARA UMA AMAZÔNIA SUSTENTÁVEL



Texto do meu colega, o engenheiro florestal Virgílio Vianna, um dos mais reconhecidos estudiosos e militantes em defesa da Amazônia. 

Virgílio aponta sete medidas importantes para estancar os retrocessos atuais com relação a este grande patrimônio nacional. São medidas para evitar que o nível de destruição alcance o "ponto de não-retorno", que é o termo utilizado para expressar o colapso ambiental e climático que poderá advir do uso irresponsável e perdulário que temos tido com relação à Amazônia.

Axel Grael



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Se avançarmos nos sete caminhos aqui propostos, teremos chance de evitar que a Amazônia volte ao noticiário apenas com os dados das queimadas de 2020. Temos a responsabilidade e a obrigação de cuidar desse imenso patrimônio dos países amazônicos, onde vivem 34 milhões de pessoas

Por Virgilio Viana*


[Foto: Sebastien Goldberg/Unsplash]

A Amazônia vive um momento dual. De um lado, acentua-se a ameaça de colapso ecológico (tipping point), com o aumento das taxas de desmatamento e incêndios florestais. Isso é agravado pelos impactos da mudança climática global sobre os ecossistemas amazônicos. Por outro lado, o agravamento da crise ecológica, somado ao contexto político nacional, levou a um nível de interesse nacional e internacional sobre a Amazônia sem precedentes.

Os recentes dados de desmatamento da Amazônia, indicando um aumento de 29,5% em relação ao ano passado, reforçam a necessidade de construir uma agenda capaz de reverter o quadro atual. Como evitar o agravamento da crise ambiental e social da Amazônia no próximo ano? Quais são os caminhos para promover o desenvolvimento sustentável da Amazônia?

Primeiro, será muito importante recuperar o pleno funcionamento do Fundo Amazônia. Trata-se do principal mecanismo de financiamento internacional para uma agenda positiva para a Amazônia. O programa é muito bem gerenciado pelo BNDES, é bem avaliado tecnicamente e tem apoios políticos importantes, como é o caso do Consórcio Interestadual da Amazônia, que reúne os governadores da região.

A proposta de ajustes pontuais na sua governança, como o comitê assessor proposto pelo governo federal, pode até ser positivo, se resultar numa maior participação dos estados amazônicos, que são os principais protagonistas da agenda do desenvolvimento sustentável na região. A construção de uma convergência entre o governo federal e os principais doadores deve ser uma prioridade estratégica. Seria muito importante ter o anuncio desse entendimento antes da próxima Conferência do Clima, na Espanha, em dezembro.

Segundo, será muito importante buscar mecanismos financeiros inovadores para monetizar as reduções de emissões por desmatamento já verificadas pelo Brasil. O Brasil tem cerca de 6 bilhões de toneladas, cuja metodologia já é reconhecida pela ONU. Existem diferentes estudos para o desenho de novos mecanismos financeiros para transformar esses resultados em financiamento em larga escala para o alavancar o desenvolvimento sustentável da Amazônia. Esses mecanismos podem resultar em recursos financeiros expressivos para apoiar políticas estaduais capazes de reduzir o desmatamento e a degradação florestal e, ao mesmo tempo, eliminar a pobreza extrema e melhorar a qualidade de vida das populações amazônicas.

O governo federal precisa superar velhos paradigmas que norteiam nossa política externa e permitir o uso de parte desses resultados para a compensação de emissões em casos específicos, como o da aviação. Os estados amazônicos devem ampliar sua captação de recursos internacionais, adicionalmente ao Fundo Amazônia, aproveitando diversas janelas de oportunidade. Não podemos perder tempo e deixar essas janelas se fecharem: é necessário caminhar rápido!

Terceiro, será muito importante alinhar políticas federais, estaduais e municipais para fortalecer a bioeconomia amazônica. Fazer a floresta valer mais em pé do que derrubada é o principal desafio para construir caminhos para uma Amazônia sustentável. Para isso é necessário um Plano Estratégico para a Bioeconomia Amazônica, que envolva instituições de pesquisa, empresas, organizações não governamentais e instituições governamentais. Esse plano tem que ser de longo prazo, para embasar políticas de estado e não políticas de governos que, por sua natureza, são passageiros. Existem diversas iniciativas nesse sentido, destacando a Aliança para a Bioeconomia da Amazônia (ABio). É essencial evitar paralelismos e aquilo que a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) chama de “falhas de coordenação”.

Quarto, será muito importante ampliar a cooperação entre os países amazônicos. Existe uma relação direta, por meio dos ciclo hidrológico, que conecta todos os países pela chuva e pelos rios. Além disso, existem relações comerciais e culturais positivas e, infelizmente, relações negativas ligadas à migração desordenada e ao crime organizado; incluindo o narcotráfico e o garimpo ilegal. É necessário reformar a Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA) para torná-la uma instituição ágil e respeitável, capaz de liderar processos como a implementação do Pacto de Leticia, firmado recentemente entre os países amazônicos. É necessário fortalecer outros mecanismos de cooperação não governamentais, como a Rede de Soluções para o Desenvolvimento Sustentável (SDSN) para a Amazônia, que atualmente congrega 125 instituições dos nove países, promovendo o intercâmbio e a disseminação de soluções práticas.

Quinto, é necessário mobilizar a filantropia e o Investimento Social Privado dos países amazônicos. Apenas o Brasil possui, segundo a Forbes, mais de 200 bilionários. É essencial que esse segmento perceba que o futuro de todos está seriamente ameaçado pela mudança climática, na escala global, e pelo colapso da Amazônia, na escala regional. Apoiar a proteção da Amazônia é uma espécie de seguro para o futuro das suas empresas e investimentos contra o colapso da economia. É também um seguro para o futuro dos seus filhos e netos que, segundo a ciência, terão péssima qualidade de vida se a Amazônia entrar em colapso ecológico. Vale escutar as sábias palavras do Papa Francisco no recém concluído Sínodo da Amazônia.

Sexto, temos que eliminar o desmatamento das cadeias produtivas do agronegócio brasileiro, com especial atenção para o segmento exportador. Não podemos cometer o erro primário de fechar portas de mercados relevantes por uma percepção internacional de descuido ou incompetência. É essencial construir um grande pacto com diferentes segmentos da sociedade para um plano para alcançar o desmatamento líquido zero em 2025. Isso significa que qualquer hectare desmatado deverá ser compensado por uma igual área de reflorestamento ou restauração florestal. O setor empresarial está maduro e temos capacidade técnica e científica para isso. Melhor ainda: existem mecanismos financeiros para alcançar a meta de desmatamento líquido zero em 2025.

Sétimo, por fim, temos de atualizar o conceito de interesse nacional à luz da ciência. A maior ameaça ao interesse nacional é o risco do desmatamento da Amazônia resultar no colapso do regime de chuvas no Brasil, com seríssimos prejuízos para a produção agropecuária, geração de energia elétrica e abastecimento urbano de água. Não devemos defender o direito de desmatar como sendo o principal eixo de afirmação da nossa soberania. Devemos defender o direito de receber pelos serviços ambientais providos pelas nossas florestas para o planeta.

Cabe aos países desenvolvidos destinar pelo menos US$ 1 bilhão por ano para a Amazônia como parte dos seus compromissos no Acordo de Paris. Cabe às empresas e cidadãos ampliar a compensação de suas emissões, para triplicar as metas do Acordo de Paris, como nos orienta a ciência. Devemos fazer um sólido plano de desmatamento líquido zero e de proteção dos direitos dos povos indígenas e populações tradicionais.

Resumir soluções para o complexo desafio de promover o desenvolvimento sustentável da Amazônia em um breve artigo é tarefa mais do que ousada. Seguramente, muitos temas não foram abordados aqui pelas limitações de espaço: monitoramento & gestão ambiental, educação, ciência & tecnologia & inovação, empreendedorismo, grandes obras de infraestrutura etc. Possuo a certeza, porém, de que se avançarmos nos sete caminhos aqui propostos, teremos chance de evitar que a Amazônia volte ao noticiário apenas com os dados das queimadas de 2020. Temos a responsabilidade e a obrigação de cuidar desse imenso patrimônio dos países amazônicos, onde vivem 34 milhões de pessoas. O tempo urge.

*Engenheiro florestal pela Esalq, Ph.D. pela Universidade de Harvard, ex-secretário de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável do Amazonas e superintendente-geral da Fundação Amazonas Sustentável


Fonte: Página 22








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