terça-feira, 8 de outubro de 2019

Vozes pela Amazônia: “O Brasil está numa posição de ouro”, diz economista



Platais: “Precisamos saber mercadejar os serviços ambientais da floresta" (Arquivo Pessoal/Divulgação)


Segundo Gunars Platais, ex-economista ambiental do Banco Mundial, país deve "negociar" benefícios da biodiversidade e dos serviços ambientais da floresta


São Paulo – Durante mais de duas décadas em missões como economista ambiental sênior do Banco Mundial, o mineiro Gunars Platais rodou o mundo mostrando aos governos nacionais que as florestas valem mais de pé do que tombadas. Esta não é uma tarefa fácil.

“Precisamos falar na língua da tomada de decisão, que é uma língua econômico-financeira, e para isso precisamos trabalhar para transformar ciência em números capazes de demonstrar que descuidar do meio tem um custo alto”, defende.

Gunars falou ao site EXAME por telefone da Universidade do Colorado, onde atualmente pesquisa sobre mecanismos financeiros inovadores de conservação ambiental. O economista ambiental e membro da Rede de Especialistas de Conservação da Natureza (RECN) contou como é possível explorar economicamente o potencial da floresta, sem desrespeitar os povos tradicionais e o meio ambiente. Confira na íntegra abaixo:

EXAME: O governo brasileiro se declara um defensor do desenvolvimento econômico da Amazônia. Segundo o presidente Jair Bolsonaro, a região é a mais rica do planeta e pode se tornar a “alma econômica” para o crescimento do Brasil. Parte da estratégia passa pela extração de matéria prima e produção primária. A exploração de recurso natural é o caminho para um país alcançar o desenvolvimento sustentável?

Platais: Olha, isso é uma coisa tão triste de ouvir. Essa visão é daquele desenvolvimento dos anos 1970, nós já tentamos isso. Não funciona. Aonde isso vai nos levar? Vamos transformar a Amazônia num pasto gigante cheio de barragens? A concentração de florestas ali tem um impacto sobre o sistema climático planetário, como tem sido demonstrado há anos pelos cientistas do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, como o ecólogo Philip Fearnside [leia a entrevista com Fearnside aqui]. Temos maneiras tão mais razoáveis de usufruir do potencial da floresta.

A biodiversidade é ouro, uma coisa que o resto do mundo não tem. Do ponto de vista econômico, falando de forma bem grosseira, quando você tem um produto escasso, o valor aumenta. Para isso, precisamos de estadistas, pessoas de visão, que encaminhem o Brasil para o futuro por meio de políticas que coloquem o país num ponto em que possamos negociar todos os benefícios da biodiversidade e dos serviços ambientais da Amazônia. E isso não tem acontecido. Nós exploramos tão pouco o potencial da biodiversidade para gerar novos produtos e farmacologia. Nossa sorte é que temos o Inpa, que vem trabalhando paulatinamente mesmo com os cortes e abalos sofridos, e continua a fazer um trabalho de grande valor, reconhecido mundialmente.

A Amazônia tem um futuro, mas não é esse futuro desenvolvimentista, no qual se entra com tratores e correntes para botar tudo abaixo para exploração predatória. E aí, quando acabar a floresta, o que sobra? Vamos chorar as perdas que tivemos e as riquezas que poderíamos ter tido.

EXAME: Como é possível forjar um modelo de economia que respeite a floresta e as populações locais?

Platais: É uma questão de olharmos para a economia da biodiversidade, a chamada bioeconomia, e enxergarmos o valor da nossa biodiversidade que é fantástica, muito maior do que uma pedaço de madeira ou uma pepita de ouro. Em outras palavras, a soma das partes é maior do que partes individuais. Nossa floresta tem valor que vai além disso tudo. Agora, temos um trabalho importante de convencer e demonstrar esse valor.

Claro que todos os povos da Amazônia têm direito igualmente aos benefícios da cultura moderna, mas o governo pode garantir isso sem destruir essa maravilha que temos. Como se faz isso? Trabalhando primeiro com a valorização dessa biodiversidade e os recursos naturais. Há ainda alguns pontos conflituosos quanto à sustentabilidade da extração de produtos, que pode acabar sendo sobrepujada pela lógica econômica financeira tradicional a despeito do meio ambiente. Felizmente, existem esforços para entender melhor essa relação, de que maneira é possível explorar a bioeconomia.

Outro exemplo é a farmacologia, que tem um potencial significativo, e o turismo ecológico, um ramo que tem crescido significativamente mundo a fora. Outra atitude para minimizar impactos ambientais é ter um bom planejamento de uso da terra. Para isso, o Brasil precisa escutar seus cientistas. Nós sabemos que a devastação de florestas para práticas econômicas insustentáveis intensificarão a crise climática. Já preservá-la e reflorestá-la ajuda a frear esse processo.

Assim, temos que colocar nossas florestas na bandeja e dizer ao mundo ‘olha, isso aqui tem um valor significativo para vocês, cada quilômetro quadrado destruído impacta no aquecimento global’. Nós temos a Amazônia fornecendo um serviço mundial e então precisamos saber como mercadejar isso.

Internamente, o ecossistema amazônico em si é de imensa importância e significância para os padrões meteorológicos regionais. A floresta tem uma contribuição para as chuvas que chegam no Cerrado e abastecem a economia da região, muito baseada em plantação de soja e criação de gado. Daí a importância de trazer o agronegócio para esse processo de valorização do serviço ambiental. Vejo que o setor está atento a isso, mas muito em função da pressão internacional, já que o Brasil é o maior exportador de carne bovina do mundo e os países europeus se preocupam com a origem da carne.

EXAME: O sr. trabalhou muitos anos no Banco Mundial, que possui regras de compliance e orientações para incentivar ou obrigar empresas e fundos internacionais a obedecer a uma lógica global de respeito ao meio ambiente. Tudo indica que Brasil está quebrando essa lógica. Há riscos de se fazer isso?

Platais: Absolutamente. A partir do instante em que o consumidor chega e diz que não quer e não compra, acabou. Agora, como do ponto de vista da produção vamos poder certificar que o produto físico ou aquele quilo de carne vem de uma área que não foi desmatada, ou ao contrário, como o consumidor europeu vai poder identificar isso? Esse é um ponto importante que o Brasil tem olhar com cuidado para poder convencer o consumidor consciente de que o produto não vem de área desmatada.

Além disso, existe uma quantidade grande de fundos de pensão, como os escandinavos, com mais de um trilhão de dólares disponíveis para investimentos que sejam verdes. Há empresas de seguro e de resseguro que também buscam isso. Em toda minha carreira trabalhando com mecanismos de conservação ambiental, estamos buscando maneiras de demonstrar que tais investimentos são realmente verdes e sustentáveis. São pouquíssimos os projetos que conseguimos fazer isso. O Brasil com toda nossa criatividade, poderia fazer coisas maravilhosas nesse sentido, o que aumentaria ainda mais o investimento estrangeiro direto no país. Se pudermos demonstrar para esses fundos que temos projetos que atendem às preocupações quanto à sustentabilidade.

EXAME: Em julho, Alemanha e Noruega suspenderam os repasses de recurso para o Fundo Amazônia, maior mecanismo de cooperação internacional focado em floresta tropical e também um importante instrumento de preservação no Brasil. Na ocasião, o governo desdenhou das doações. O sr. considera esse tipo de atitude razoável?

Platais: Estamos falando em um valor de cerca de 280 milhões de dólares, não é um montante desprezível. Esse repasse beneficia ao menos 100 projetos de preservação ligados ao governo estadual, à sociedade civil e à programas de órgãos federais, como Ibama. Mas é um valor que o Brasil por si só teria capacidade de gerar e dedicar à Amazônia. Acontece que os recursos que são repassados para o Ministério de Ciência e Tecnologia e para o Ministério do Meio Ambiente, estão cada vez menores, principalmente sob o governo atual.

Então, qualquer recurso que tenhamos à disposição é muito importante, como é o caso dessas doações estrangeiras. No atual ambiente político do Brasil, não acredito que esse valor sairá de outro lugar. Então, é um montante absolutamente importante. E a significância que isso tem para conhecer melhor o bioma amazônico, as relações das comunidades locais com sua floresta, a possibilidade de trazer esses produtos da biodiversidade para o mercado, tudo isso são coisas apoiadas por esses projetos e fundamentais para evitar que a Amazônia vire pasto.

EXAME: Recentemente, um relatório da consultoria Fitch Solutions Macro Research sugeriu que no futuro a carne vermelha pode ser alvo de impostos mais altos devido às críticas ao papel do setor agropecuário na mudança climática e no desmatamento. Tributar a carne seria uma solução?

Platais: Isso me fez pensar na ideia do certificado de origem. Então, a gente estabelece um processo com certificado de origem geográfica fixa. Uma vez que uma área é certificada como sendo de não desmatamento, então você teria a possibilidade de isentar aquela carne de uma tributação ou aumentar as taxas cobradas em regiões que não tem certificação. Você coloca a etiqueta no produto discriminando a origem, e o consumidor pode decidir sobre comprar ou não. No final das contas, o consumidor é o rei. No sistema de mercado, é ele que manda. Se conseguimos chegar nesse consumidor e convencê-lo de que se trata de um produto de qualidade que não afetou o meio ambiente, é por aí que temos que caminhar.

EXAME: Há mais de 12 anos o Congresso discute o projeto de lei de regulamentação de pagamentos por serviços ambientais (PSA). Um dos principais obstáculos é a falta de dinheiro. Como é possível destravar isso?

Platais: Pagamento por serviço ambiental funciona basicamente assim: você dá incentivo financeiro para quem ajuda na conservação e manutenção dos serviços ambientais.

Você precisa ter alguém que está fornecendo um serviço e alguém que quer pagar por ele. Por exemplo, no estado do Espírito Santo tem um programa estadual de pagamento por serviço ambiental chamado Projeto Reflorestar, que é bastante exitoso. O Reflorestar trabalha com a ideia de diminuir a quantidade de pastagem degradada, que causa sedimentação no rio e carrega sedimentos até Vitória ao ponto de captura de água da Cesan [Companhia Espírito Santense de Saneamento]. Ao receber uma água cada vez mais túrbida, a Cesan precisa então aumentar a capacidade de filtragem da suas plantas de tratamento de água, já que as chuvas carregam mais lodo e sedimentos.

O pagamento por serviço ambiental faz todo sentido para a empresa, cujas plantas de tratamento estão rio abaixo. Então, a Cesan paga aqueles agricultores rio acima para que cuidem daquela pastagem de tal maneira que reduza a produção de sedimentos, afinal quanto menos sedimento chega na planta de tratamento, mais barato é para a concessionária tratar essa água que será servida aos capixabas. Ou seja, a Cesan em vez de estar pagando para aumentar sua capacidade de filtragem, através de plantas maiores, eles simplesmente alocam recurso para um esquema como o Reflorestar e fazem com que o agricultor, que é voluntário no programa, seja um parceiro na manutenção da qualidade da água. É uma relação de ganha-ganha. A concessionária gasta menos pagando o agricultor, e tem um resultado melhor, e o agricultor no final das contas tem um rendimento maior, e além disso tem o benefício de que as áreas reflorestadas aumentam a biodiversidade que acaba gerando uma produtividade maior, dado que gado ganha um pasto melhor e com mais sombra.

Ou seja, o dinheiro para destravar programas assim deveria vir a partir de um cálculo para medir justamente esse tipo de ganho pelo pagamento de serviços ambientais. Tipicamente, estamos falando de projetos locais, estaduais. A nível de Brasil, nacional, é complicado, porque cada região tem sua particularidade. Mas na ponta de lápis, é questão de sentar e analisar caso a caso, estabelecer bem as regras.

EXAME: É possível estabelecer um programa nacional de PSA?

Platais: Veja só, o México tem um programa de pagamento por serviços ambientais da floresta com abrangência nacional em curso há mais de 15 anos, que gira de 200 a 400 milhões de dólares ao ano. A China também está fazendo isso agora, com o maior pagamento por serviço ambiental do mundo. Obviamente, é um regime diferente com um governo central determinado a fazer isso, mas o Brasil também tem capacidade de fazer isso, só sentar e calcular os números, é uma questão de vontade mesmo. Também é preciso participação local, anuência da população envolvida no esquema. Você pode ver o exemplo do município de Extrema, em Minas Gerais, é impressionante o trabalho realizado com apoio da população. No Brasil, como temos essa mania de fazer tudo federal, tudo grande, às vezes demora para sair do papel um programa de PSA. Deveria ser uma lei marco, e pronto, se não nos perdemos em detalhes difíceis de serem resolvidos dada a infinidade de situações que você teria em diferentes contextos no país.

EXAME: Como angariar recurso financeiro para programas de PSA nesse momento de corte de gastos públicos que o País atravessa? Buscar dinheiro no setor privado e no mercado é um caminho possível? Ou um modelo de financiamento misto, com recursos públicos e privados?

Platais: Olha, temos financiamentos entrando para programas de PSA que vem de todos os lados. Lembro do programa na Costa Rica, onde fui gerente, tinha fonte que vinha de várias entidades privadas, como a companhia de cerveja local que repassava valores para a entidade que gerenciava PSA no local para garantir que a água tivesse um certo nível de qualidade, tinham hotéis que pagavam pela manutenção daquela beleza cênica, tinha a companhia de luz [que era do governo] contribuindo. As fontes podem ser diversas e dependem de quem está se beneficiando pelo serviço ambiental.

EXAME: O mercado internacional tem apresentado apetite por títulos verdes, ou green bonds, que são instrumentos de dívida emitidos por entidades em que os recursos captados são usados para financiar projetos e ativos sustentáveis. Como o Brasil pode surfar essa onda?

Platais: Há alguns anos, o Banco Mundial lançou os “forests bonds”, voltados ao financiamento de manejo sustentável em florestas tropicais. Foram 500 milhões de dólares lançados na bolsa de Londres e foi um sucesso. Isso indica o apetite que o mercado tem por esse tipo de oferta. A questão é demonstrar que o produto é realmente verde. Se o agronegócio entrar nessa onda, por exemplo, seria possível pensar em criar um bond da soja sustentável. Tem várias ONGs grandes, como a TNC, que está olhando isso com cuidado para ver como desenvolver os green bonds na floresta. Tem vários bancos e conglomerados atentos a esse movimento, pois o mercado demonstrou que tem interesse em investimentos verdes e sustentáveis. Seria muito sábio por parte do agronegócio e do próprio setor ambiental brasileiro aproveitar melhor esse instrumento. Tem muito dinheiro lá fora buscando projetos e não existem projetos suficientes.

Também temos que explorar os mecanismos da tecnologia a favor do meio ambiente. Hoje, temos uma geração de jovens empreendedores, com startups e projetos baseados em celular, fazendo tantas coisas atrativas. Imagina essa rede voltada para despertar a consciência das pessoas para a questão ambiental? Imagina que coisa mais linda se o brasileiro, que hoje não tem ideia da importância da sua biodiversidade, tivesse um orgulho dessa riqueza e passasse a valorizá-la mais. Essa valorização faz os bolsos se abrirem, as pessoas passam a apoiar porque acreditam naquilo.

Eu sou parte do laboratório de sustentabilidade e inovação, e justamente o que buscamos é como alcançar inovação para caminharmos para uma sustentabilidade real.

Precisamos ligar os pontos, conectar o consumidor ao financiador e à realidade local e fazer com que projetos fluam. Juntar quem oferece e quem demanda, e garantir institucionalidade, que é fundamental para se ter governança e transparência. As pessoas tem que saber que o dinheiro está vindo na direção certa. No México, que já citei anteriormente, nos primeiros projetos de PSAs, situados em comunidades ao redor de florestas, o dinheiro estava entrando no bolso de alguns líderes. Então, a gente modificou a institucionalidade e agora o dinheiro entra para a comunidade através de uma comissão, que decide sobre a distribuição do recurso. Temos que experimentar, ir em frente e fazer ajustes onde for necessário. Isso serve para os PSAs Brasil, não pode ficar tão amarrado com tanta regra, o negócio é simplificar.

EXAME: Pensando nos povos indígenas, que estão sob o holofote do governo, há um discurso sobre levar desenvolvimento para os povos da floresta. Que instrumentos existem para garantir a sobrevivência dessas populações, respeitando sua cultura, território e a biodiversidade que protegem?

Platais: O primeiro passo é respeitar a identidades desses povos, sua cultura, respeitar o direito que eles têm da terra, cumprir a legislação e não permitir que a grilagem avance sobre as terras indígenas. Tem que respeitar e ouvir. Eu trabalhei num projeto de saúde no México baseado na implementação de clínicas de saúde nas comunidades indígenas. Construíram clínicas modernas, tudo lindo, branco, claro, com cerâmica e tudo mais. Os grupos indígenas entraram só uma vez e saíram correndo. Afina era tudo branco, e branco para eles significa morte. Houve uma falta imensa de comunicação com aqueles povos. Redesenharam o projeto e agora adaptaram o espaço para melhor receber os indígenas, respeitando suas crenças e culturas. As maternidades têm espaço para as mulheres terem seus bebês de cócoras, tem espaço para receber a família inteira da grávida, não é uma coisa isolada.

Você tem que ouvir as populações para que as soluções apropriadas sejam tomadas dentro da mística e visão do povo. Isso retoma à questão do planejamento do uso da terra. Terras indígenas são terras indígenas. Já está marcada pela lei. Não sei como podem inventar de invadir terra indígena para abrir garimpo. Não vamos conseguir avançar se não for por um caminho sustentável. Nós precisamos encontrar esse meio da rua de tal maneira que possamos fazer isso sem devastar mais.

EXAME: Qual o desafio para estreitar a distancia entre o conhecimento gerado pelos cientistas e economistas ambientais como o sr., e mesa de decisão dos governantes?

Platais: Nós como ambientalistas e pessoas que defendem a ecologia e biodiversidade não temos feito um bom trabalho de realmente falar na língua da tomada de decisão, que é uma língua econômico-financeira. Precisamos trabalhar para transformar a ciência do ambiente em números, que possam demonstrar que descuidar do meio tem um custo significativo. Precisamos transmitir essas informações de forma que as pessoas possam se identificar e se mobilizar para fazer algo a respeito.

O Brasil agora em setembro teve a reunião bianual de economia ecológica, a Ecoeco, e a cada ano tem mais pessoas apresentando trabalhos e um público crescente. Isso indica o aumento do conhecimento e capacidade que temos de reconhecer o valor que tem o ambiente e a biodiversidade para a sociedade brasileira. Nós brasileiros lideramos esforços dessa natureza e precisamos avançar. A dificuldade é a seguinte e vou te dar um exemplo prático. Quando eu vou em missão onde trabalho com governos para implementar algum projeto ambiental, no final das contas nós tipicamente temos uma reunião com o ministro do meio ambiente, mas as reuniões mais importantes sempre são com o ministro de finanças, que é quem toma a decisão.

O ministro do ambiente é quem recebe o recurso do governo. Numa reunião de gabinete, com vários ministros, o do ambiente diz que precisa de 20 milhões de dólares para abrir uma reserva onde ocorre uma espécie endêmica que sem proteção pode ser extinta, chega o ministro da saúde e diz: me dá 20 milhões e eu vou salvar crianças de não terem eventos diarreicos evitando que tenham problemas de desenvolvimento cerebral no futuro. Quem ganha? O ministro da saúde. De um ponto de vista humanístico, faz todo sentido. Agora, se o ministro do meio ambiente diz assim: olha, eu preciso desse dinheiro porque vou proteger as bacias hidrográficas rio a cima e dessa forma vou garantir que a água que chega às cidades tenha uma tal qualidade que evitará a diarreia na população. Claramente, ele levará a melhor.

Nós como ambientalistas não temos sido tão exitosos em transformar nossa linguagem ambiental numa linguagem de tomada de decisão. No caso que contei, o ministro da saúde quer evitar que crianças bebam água contaminada, e o ministro do MMA está provendo uma solução para esse problema. Cada vez mais é possível demonstrar que a conservação da biodiversidade, das nossas florestas, realmente trazem benefícios para nossa sociedade. Mas precisamos botar isso na ponta do lápis e demonstrar pra sociedade esses benefícios. Transformar isso em coisas tangíveis para as pessoas e os tomadores de decisão. No final das contas, a linguagem de tomada de decisão é a linguagem econômico-financeira. E temos que conversar dessa forma. Eventualmente, chegaremos a um ponto daqui a cem, duzentos anos, em que as gerações vão dizer “meu deus do céu que brutos que não conservaram a biodiversidade”. Felizmente, ainda não estamos nesse ponto, mas em momento de evitar isso.

EXAME: O que todo brasileiro deveria saber sobre a Amazônia?

Platais: Como nossa conversa seguiu um viés econômico, eu diria que existe um potencial econômico gigantesco para o país. Além de toda beleza única da sua biodiversidade, a floresta amazônica tem um valor absurdo, mas só quando ela está de pé. Então, devemos cuidar desse tesouro que temos, e explorar de forma sustentável, com respeito ao meio ambiente, às comunidades locais e povos indígenas e que respeite o Brasil.

EXAME: O sr. pensa no futuro com otimismo ou pessimismo?

Platais: Para podermos continuar no planeta com os recursos que temos, precisamos buscar maneiras de ser menos agressivos no Planeta. Não tenho a menor dúvida de que nós somos uma espécie entre milhares de espécies e que a mãe natureza sabe o que faz. Quando alguma espécie está fora do eixo, ela dá um jeito. Essa lógica desperta meu lado pessimista quanto ao futuro da humanidade.

Mas o meu lado otimista vem da criatividade, da inteligência, da maneira pela qual buscamos soluções. Um dos nossos fortes é a capacidade de desenvolver empatia e amor. E acredito que isso pode nos levar pelo bom caminho. Mas às vezes só um desastre batendo na porta nos faz despertar. E o que o cientistas do IPCC estão falando há algum tempo é que o desastre está batendo na porta.

Outras duas coisas fundamentais em tudo isso é ter educação e saúde, essenciais para o desenvolvimento social. Temos que investir nessas frentes no Brasil. Ter um povo sano e educado não tem quem para. Volto a dizer: precisamos de estadista. Pessoas que tenham visão e capacidade de olhar para o futuro, pensar em quais mudanças precisam ser feitas agora para chegar lá, ter capacidade de negociação, de convencimento para enfiar no barco e realmente trilhar esse caminho.

Não vejo isso hoje. Atualmente, os ciclos políticos são curtos, com governantes de interesses particulares, e isso no mundo todo. Veja esse aumento do populismo em vários países. E isso está muito ligado à educação, ou falta dela. No Brasil, as pessoas votam porque são obrigadas a votar. Aqui nos EUA, não há obrigatoriedade e pouca gente vota. As pessoas tinham que ver a votação como uma responsabilidade civil e participar ativamente da sua comunidade. É importante que cada cidadão assuma esse papel. E com isso, enxergar a importância e significância que o meio ambiente tem para a sua boa vivência e das próximas gerações.

O Brasil está numa posição de ouro. Tem que agarrar essa posição, abraçar essa oportunidade e não deixá-la passar, aproveitá-la para impulsar o Brasil para a frente. É um país verde, que vai para frente abraçando essa identidade

Além disso temos um povo criativo, inteligente, precisamos de sair desse “descanso” e caminhar para frente. E a questão ambiental é a ponta de lança disso tudo. Nesse mundo em que estamos vivendo, o Brasil tem muita a oferecer e muito a ganhar com isso.
Fonte: Revista Exame 





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