Parte de tubulação de emissário submarino reaparece em Ipanema — Foto: Ricardo Gomes / Inst. Mar Urbano. Jornal Extra. |
Nos últimos dias, a imprensa deu destaque aos 50 anos do Emissário Submarino de Ipanema (veja o RJ2, da Rede Globo). O emissário foi inaugurado, em 1975, com o objetivo de dar destino final ao esgoto de toda a Zona Sul e Centro da cidade do Rio de Janeiro. O Emissário tem uma vazão de 6 mil litros por segundo, correspondendo ao esgoto produzido por 700 mil pessoas. Através de uma tubulação de 2,4 metros de diâmetro, o esgoto é lançado a 4,3 km do litoral.
Com a construção do emissário, houve também um grande investimento para a implantação de um interceptor que coletou pontos de lançamento de esgoto na orla, levando até o emissário. (Saiba mais aqui).
ENFRENTANDO O EPISÓDIO DO ROMPIMENTO DO EMISSÁRIO
Em janeiro de 1999, assumi a presidência da Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente - FEEMA, para a minha primeira gestão à frente do antigo órgão ambiental do RJ. Já na primeira semana, fomos surpreendidos com a notícia do rompimento da tubulação do emissário de Ipanema, notícia que nos chegou como "uma bomba". Imediatamente, comuniquei ao secretário estadual do Meio Ambiente, deputado André Corrêa, e ao governador, Anthony Garotinho. A decisão foi pela precaução e tomamos a iniciativa de interditar as praias da Zona Sul, do Leme ao Leblon. Decidimos também por um grande esforço de comunicação, mobilizando um grande efetivo de servidores da FEEMA para se posicionarem na orla, abordando cada pessoa e esclarecendo sobre os riscos do contato com o mar.
Estávamos numa crise ambiental que não era inédita. Com o rompimento, o volume de esgoto que iria ao final do emissário, acabou vazando mais próximo às praias, interferindo na balneabilidade e no risco à saúde das pessoas. É importante lembrar que pouco tempo antes, já havia acontecido um problema semelhante, mas sem comunicação com a população. Os usuários das praias estiveram expostos à poluição sem saber do risco que corriam.
Imaginem: a maioria das praias mais famosas do Rio de Janeiro fechadas ao banho em pleno verão?! Não foi fácil gerir aquela crise! Foi um bombardeio. Fomos muito pressionados pela população, pelo setor hoteleiro, pelo comércio, pela mídia etc. Até o famoso humorista Cláudio Besserman Vianna - conhecido na TV como Bussunda - pegou no nosso pé, dizendo em cadeia nacional que vivíamos no Rio o "Verão do Cocô". Foram muitos os conflitos: diante do problema da balneabilidade, tivemos até um bate-boca entre os secretários de Meio Ambiente do estado (André Corrêa) e do município (Maurício Lobo), ao vivo na TV. O episódio teve grande repercussão na época. Um atribuía ao outro "a responsabilidade pelo coliforme: se era estadual ou municipal"!
Enfim, tivemos uma difícil caminhada, mas resolvemos o problema de forma duradoura. Definimos a solução de engenharia, desenvolvemos o projeto para a solução, contratamos o serviço e resolvemos o problema. Anos antes, o problema não foi divulgado com transparência e acabou não contando com o investimento necessário para resolver o problema.
SOBRE O EMISSÁRIO DE IPANEMA
O Rio de Janeiro foi a segunda capital mundial a contar com um sistema de tratamento de esgotos, depois de Londres, de onde D. Pedro II trouxe a tecnologia para implantar o sistema do Rio de Janeiro, em meados do Século XIX (saiba mais aqui). Infelizmente, passado o nosso pioneirismo, o avanço do saneamento não seguiu o crescimento da cidade e o Rio de Janeiro conviveu com uma situação sanitária muito precária.
Elevatória da Glória, com máquina a vapor, que ainda existe na sede da Sociedade dos Engenheiros e Arquitetos do Estado do Rio de Janeiro - SEAERJ. Foto SEAERJ. |
O primeiro emissário submarino foi implantado no Canadá, em 1911, segundo publicaram os engenheiros sanitaristas Fernando Botafogo Gonçalves e Amarílio Pereira de Souza no livro "Disposição Oceânica de Esgotos Sanitários: história, teoria e prática" (publicado pela Multiservice Engenharia e ABES - Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental, Rio de Janeiro, 1997).
A opção por emissários vinha de uma lógica mantida há muito tempo e ainda defendida por muitos sanitaristas mundo a fora, baseada na expressão: "Dilution is the solution to polution". Os emissários têm a lógica de levar o esgoto para lugares de grande capacidade de dispersão, ou seja, de diluição. Até hoje, os parâmetros legais para o lançamento de efluentes são expressos em medidas como mg/l, ou seja de diluição. Com a crescente saturação dos corpos receptores, a crença no conceito da diluição passou a dar lugar ao conceito da efetiva carga poluidora: ou seja, o que importa é a atenção ao volume de poluente aportado ao corpo receptor e não a sua mistura em água.
A Região Metropolitana possui três emissários: Ipanema, Icaraí e Barra da Tijuca, e a grande polêmica é que o único a não ter um tratamento prévio para a redução de carga orgânica e retirada eficiente de sólidos (lixo) é o de Ipanema.
Em 1996, foi aprovada a Lei 2.661, que foi acrescida pela Lei nº 4692/2005, que estabeleceu que:
Art. 2° - Para lançamento de esgotos sanitários em corpos d’água, o tratamento primário completo deverá assegurar eficiências mínimas de remoção de demanda bioquímica de oxigênio dos materiais sedimentáveis, e garantir a ausência virtual de sólidos flutuantes, com redução mínima na faixa de 30% (trinta por cento) a 40% (quarenta por cento) da DBO - Demanda Bioquímica de Oxigênio.
O Emissário de Ipanema é anterior à legislação acima citada e, portanto, o esgoto de 700 mil pessoas, que até hoje escoa pelo emissário, não recebe qualquer tratamento e isso é muito corretamente contestado, embora não seja fácil encontrar um espaço disponível na Zona Sul do Rio para essa finalidade.
Com relação a isso, me chega uma outra lembrança curiosa: em 1997, organizei um debate em Niterói, realizado no Rio Yacht Club (Sailing), para o lançamento do livro de Fernando Botafogo e Amarílio, que citei acima.
Axel Grael
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Contribua. Deixe aqui a sua crítica, comentário ou complementação ao conteúdo da mensagem postada no Blog do Axel Grael. Obrigado.