Nos últimos dias, dois episódios ocorridos no Senado causaram indignação e grande preocupação: a agressão contra a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, e a aprovação do Projeto de Lei 2.159/2021.
AGRESSÃO À MINISTRA MARINA
Causou indignação a agressão contra a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, que no dia 27 de maio foi convidada a comparecer a uma audiência na Comissão de Infraestrutura do Senado, para tratar da criação de quatro unidades de conservação marinhas no Amapá. Marina foi questionada também sobre temas como a exploração de petróleo na Foz do Amazonas, o Projeto de Lei do Licenciamento Ambiental e a extensão da BR-319. A ministra foi rudemente ofendida por três senadores, sentiu-se desrespeitada e retirou-se da audiência.
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Ministra Marina Silva reage às ofensas dos senadores. |
Ao ouvir do senador Marcos Rogério (PL-RO), "ponha-se no seu lugar", Marina respondeu com altivez e sabedoria:
"...defender meio ambiente, este é o meu lugar. É um lugar que eu ocupo não por ser ministra, mas por ter compromisso com essa agenda desde que me entendo por gente. E talvez eu só esteja no ministério porque tenho esse compromisso e essa prática. Então, o meu lugar, em primeiro lugar, é o de defender o meio ambiente. E, ao defender o meio ambiente, eu estou defendendo o combate à pobreza; ao defender o meio ambiente, eu estou defendendo o agronegócio; ao defender o meio ambiente, eu estou defendendo a indústria; ao defender o meio ambiente, eu estou defendendo os interesses estratégicos do Brasil, porque, hoje, tudo passa pelo meio ambiente. Esse é o meu lugar.”
A iniciativa do Ministério e do ICMBio de criar quatro unidades de conservação que protegerão o litoral e o território marinho do Amapá é correta e necessária e não interfere com a eventual exploração de petróleo na Margem Equatorial, como mostra o mapa abaixo:
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Os limites das reservas Flamã, Bailique, Amapá-Sucuriju e Goiabal ficam entre 130 km e 447 km do Bloco FZA-M-59, na Margem Equatorial. |
O litoral do Amapá é um dos mais bem conservados, rico em biodiversidade e produtivo em toda a costa brasileira. Foi próximo a aquela região - Ilha do Marajó, na foz do Amazonas - que vi os mais pujantes manguezais, que se espalham também ao longo do litoral do Amapá e, certamente, dão o suporte a rica vida marinha da região. Independente do prosseguimento ou não do licenciamento da Margem Equatorial, a região precisa de ordenamento e proteção. Marina tem razão.
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Manguezal na Ilha do Marajó, próximo a Soure. Os manguezais da Foz do Amazonas impressionam pela exuberância. Foto Axel Grael. |
Os senadores detratores de Marina não estavam interessados verdadeiramente em conhecer a sua proposta para a área, mas sim armar uma arapuca para constranger a ministra e ganhar alguma repercussão em seus currais eleitorais, notórios pela incidência de crimes ambientais. Que erro de avaliação, que desrespeito, que falta de civilidade, que falta de decoro!
A nossa solidariedade à ministra, mulher de luta e com inegável história na militância, na gestão e política ambiental no país. A agressão contra Marina agride a toda a sociedade. É inaceitável.
Licenciamento Ambiental
Outro
episódio de agressão aconteceu contra a política ambiental do país, com a aprovação pelo Senado, no dia 21 de maio - 54 votos a favor e 13 contra - do
PL 2.159/21, que propõe a Lei Geral do Licenciamento Ambiental, ou seja, estabelece um novo marco legal para o licenciamento ambiental no Brasil, com alguns ganhos, mas com sérios retrocessos.
Com origem na Câmara de Deputados, o PL 3.729/04, de autoria do ex-deputado federal Luciano Zica (PT-SP), foi aprovado em 2021 e encaminhado ao Senado. Portanto,
já tramita há 21 anos, tendo ficado em discussão na Câmara por 17 anos e mais quatro anos no Senado. No Senado, recebeu 141 emendas nas comissões de Meio Ambiente (CMA) e Agricultura (CRA) e, depois, mais 56 em Plenário. Agora, o projeto volta para a Câmara dos Deputados, que poderá aceitar ou não as emendas do Senado e, depois, segue para a sanção do presidente Lula.
O Projeto de Lei (PL) tem o apoio da oposição, da bancada ruralista e segmentos empresariais. Seus defensores criticam a demora e o rigor do licenciamento ambiental e argumentam que a lei vai "destravar" e agilizar o licenciamento, acusando os órgãos ambientais de serem "responsáveis por obras paradas no país" (!)
Por
outro lado, ambientalistas, profissionais do setor ambiental, cientistas e ativistas ambientais, contrários ao PL, chamam a iniciativa de "
PL da Devastação” e a “mãe de todas as boiadas", pois consideram um retrocesso que implodirá toda a lógica vigente para o licenciamento e poderá permitir muitos danos ao meio ambiente e à população do país.
Licenciamento ambientalConheço o licenciamento ambiental sob diversas perspectivas, o que me permite avaliar o Projeto de Lei com olhares bem variados.
Presidi por duas vezes (1999-2000 e 2007-2008) a
Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente - FEEMA, primeiro órgão ambiental do país, fundado em 1975 no estado do RJ. Através do Decreto nº 1.633 de 21.12.77, a FEEMA instituiu o
Sistema de Licenciamento de Atividades Poluidoras - SLAP, com um procedimento escalonado, contando com as etapas da Licença Prévia - LP, Licença de Instalação - LI e Licença de Operação - LO. A experiência fluminense inspirou a legislação federal e de outros estados. No âmbito nacional, o licenciamento ambiental foi instituído através da
Lei 6.938, de 31 de agosto de 1981.
Hoje, é uma responsabilidade compartilhada pelos órgãos ambientais da União, estados e municípios, de acordo com a magnitude e abrangência dos impactos ambientais. Em 2007, houve a fusão da FEEMA, do IEF-RJ (gestão de florestas e biodiversidade) e a SERLA (responsável por rios e lagoas), dando origem ao Instituto Estadual do Ambiente - INEA.
Como presidente do órgão ambiental, representei o Estado do Rio de Janeiro como conselheiro do CONAMA, fui vice-presidente da Associação Brasileira das Entidades Estaduais de Meio Ambiente - ABEMA e da Frente Nacional de Prefeitas e Prefeitos - FNP, através dos quais pude debater as políticas ambientais do país.
Também trabalhei como consultor em licenciamento e projetos ambientais na Amazônia (Pará, Amazonas, Amapá, Rondônia, Tocantins e Roraima), Caatinga, Cerrado e Mata Atlântica, versando sobre projetos na área de energia (hidrelétricas), mineração (Projeto de Recuperação de Áreas Mineradas - PRAD), remediação de áreas contaminadas (a mais importante foi a área da antiga Indústria Ingá, no Porto de Itaguaí - RJ, recuperado para a implantação de empreendimento da USIMINAS), instalações portuárias e grandes projetos lineares, como rodovias, dutos, linhas de transmissão etc.
Também tive a oportunidade de viajar e conhecer as práticas de licenciamento ambiental em outros países, como EUA e Alemanha.
Críticas
Ao defender o PL, a senadora Tereza Cristina (PP-MS), ex-ministra da Agricultura no governo Bolsonaro e que foi a relatora da matéria na Comissão de Agricultura, afirmou que o licenciamento ambiental é "
um cipoal normativo com mais de 27 mil normas ambientais". Não sei se o número está correto, mas
é claro que o número de normas tem que ser elevado! Um país de dimensões continentais, de configuração federativa, dividido entre 26 estados (um distrito federal), 5.569 municípios, tão diverso culturalmente, ecologicamente e geograficamente como o Brasil, conseguiria ter uma regra única? Ainda mais para regulamentar uma atividade tão ampla e complexa como a politica ambiental? Como estabelecer procedimentos do Pampa à Amazônia, de norte-a-sul, de leste-a-oeste no nosso país? O modelo gerencial da política ambiental brasileira é federalista e consolidada no Sistema Nacional do Meio Ambiente - SISNAMA, portanto é compartilhado pelas três instâncias de governo.
Os detratores de Marina na Comissão de Infraestrutura do Senado, assim como outros parlamentares que defendem o PL, acusam os órgãos ambientais de lentidão, de rigor excessivo e de ideologização do processo de licenciamento e, por esse motivo, pretendem mudar as regras.
Demora?
Quando fui presidente da FEEMA, considerei que o tempo de tramitação dos processos de licenciamento eram realmente excessivos e tomei medidas para a simplificação de vários procedimentos e celebramos uma parceria com a FIRJAN, para resolver o passivo de licenças ambientais que existia no órgão. Mas, o problema tinha também outras dimensões. Determinei uma avaliação dos processos de licenciamentos mais importantes para entender o motivo dos atrasos. Verificamos que 80% dos processos com tempo de tramitação acima da média tinha baixa qualidade de projeto o que inviabilizava a análise. Nesse caso, a equipe da FEEMA solicitava a complementação de informação ou a revisão de projetos. Também havia conflitos com a legislação, o que acabava causando a judicialização dos processos, com a ação dos ministérios públicos e outras reações.
Outro motivo que agrava a percepção de demora dos órgãos ambientais é um erro recorrente no próprio planejamento dos empreendimentos. Normalmente, providencia-se a licença ambiental no final do cronograma do projeto, quando é premente começar a implantação. Isso gera uma pressão por celeridade no licenciamento.
Check list de políticas públicas
O licenciamento ambiental tem história. O SLAP surgiu como uma grande inovação cidadã e democrática, quando o Brasil ainda vivia sob a ditadura militar. Mesmo naquele contexto, o procedimento já previa audiências públicas e a tomada de decisão acontecia em uma instância colegiada, no caso, na Comissão Estadual de Controle Ambiental - CECA. Era revolucionário para aquele momento!
Ainda hoje, diferente de outras práticas autorizativas governamentais, o processo decisório ambiental não é "na canetada", mas de forma mais transparente, participativa e democrática. Essa característica, fez com que a expectativa social em torno do licenciamento ambiental fosse muito acima do previsto originalmente. A demanda da sociedade, do Ministério Público e outros atores sociais, passaram a cobrar do licenciamento ambiental um papel de "check-list" de políticas públicas. Ou seja, o órgão ambiental passou a ser obrigado a exigir pareceres de outras instâncias, como por exemplo: certidões de zoneamentos municipais, pareceres de órgãos de patrimônio (IPHAN, INEPAC) e outros. Portanto, o licenciamento ambiental assumiu a responsabilidade de ser uma mediação entre os empreendedores e a sociedade, analisando a pertinência da intervenção, a eficiência da tecnologia adotada, garantindo assim o cumprimento da legislação, além da segurança da população, da biodiversidade e do meio ambiente. Este procedimento passou a ser uma salvaguarda para sociedade, mas sobrecarregou ainda mais os órgãos ambientais.
Ideologia nas emissões das licenças ambientais?
Eu sou um ser ideológico! Tenho as minhas convicções e por isto estou na vida pública. A grande maioria dos servidores é como eu: cada um com a sua ideologia e compreensão da sua responsabilidade social e visão de mundo. Mas, acima de tudo, o servidor público é regido pelas leis e regras da administração pública. Na área ambiental, há um rigor legal que difere de outras áreas da administração pública. Trata-se da
Lei de Crimes Ambientais. Uma lei dura!, que responsabiliza criminalmente (vai preso!) tanto o poluidor (ou degradador ambiental), o agente financeiro que apoia atividades em desacordo com a legislação ambiental, bem como a autoridade pública que se omite ou prevarica.
E, no caso do servidor público, caso seja questionado perante a legislação criminal, dificilmente será defendido pelo estado. Ou seja, responderá "com o seu CPF"! Por isso, o servidor precisa se proteger e ser protegido contra as pressões políticas e administrativas para que decida com respaldo na legislação e de acordo com a sua convicção.
LEI GERAL DO LICENCIAMENTO AMBIENTAL - O QUE PROPÕE?
O PL apresenta algumas modalidades de licenças ambientais, mas sem grandes novidades, uma vez que já são praticadas por órgãos ambientais:
Tipos de licenciamento
- Licenciamento ordinário: será feito pela modalidade trifásica, ou seja, com LP, LI e LO. Conforme procedimento vigente atualmente, o EIA será exigido na fase de LP.
- Licenciamento simplificado: será feito pela modalidade bifásica, unindo LP e LI, ou LI e LO, a critério do órgão ambiental licenciador. Também prevê a licença única, ou seja numa única etapa.
Tipos de licenças
- Licença de Operação Corretiva - LOC: regulariza atividade ou empreendimento que esteja operando sem licença ambiental, por meio da fixação de condicionantes que viabilizam sua continuidade em conformidade com as normas ambientais;
- Licença por Adesão e Compromisso - LAC: a lei estabelece o procedimento autodeclaratório para empreendimentos de pequeno ou médio porte e de baixo ou médio potencial poluidor. Eu já vi essa modalidade em execução nos EUA, adotei na FEEMA e defendo a ideia. Mas, a declaração não pode ser um mero ato burocrático. Para funcionar, o compromisso - caderno de encargos, deve ser muito bem detalhado e a penalidade para o descumprimento deve ser rigorosa. Nos EUA a penalidade pelo descumprimento é tão grave que os empreendedores evitam essa opção.
- Licença Ambiental Única - LAU: licença que, em uma única etapa, atesta a viabilidade da instalação, da ampliação e da operação de atividade ou de empreendimento, aprova as ações de controle e monitoramento ambiental e estabelece condicionantes ambientais para a sua instalação e operação e, quando necessário, para a sua desativação.
- Licença Ambiental Especial - LAE: trata-se de um "jabuti", casuístico e oportunista, motivado a criar atalhos e enfraquecer o licenciamento da polêmica exploração do petróleo na margem equatorial do Rio Amazonas.
CONSIDERAÇÕES SOBRE FRAGILIDADES DO PL
Em artigo intitulado "
Projeto de licenciamento ambiental é grande retrocesso, diz ministério", publicado no dia 14/05/2025 (portanto antes da aprovação pelo Senado) pela Agência Brasil, da Empresa Brasil de Comunicação - EBC, uma empresa pública federal, o secretário executivo do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, João Paulo Capobianco, apresenta as suas preocupações sobre o PL:
Para o secretário executivo do MMA, o texto fragiliza os licenciamentos e traz retrocessos ambientais já rejeitados pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
"A possibilidade de autolicenciamento ambiental para obras de médio porte, o fim da responsabilização por impactos ambientais indiretos e a redução da participação social nos processos de licenciamento foram alguns dos retrocessos do Projeto de Lei (PL) 2159/2021 citados, nesta quarta-feira (14), pelo secretário executivo do Ministério do Meio Ambiente (MMA), João Paulo Capobianco.
"
Para o secretário do MMA, o projeto de lei trará insegurança jurídica porque os licenciamentos via LAC serão judicializados. “Temos vários casos em estados que o Supremo já derrubou leis estaduais que estabeleceram LACs, declarando essas legislações inconstitucionais”, acrescentou.
Capobianco disse ainda que é “absolutamente incompreensível” que o projeto inclua a possibilidade de licenças via LAC para empreendimentos de médios portes e impactos. Ele criticou ainda a ausência de regulação para o setor da mineração.
“Vai ficar um vácuo legal. Terá que haver uma outra lei para regulamentar a mineração. Enquanto isso, nós vamos ter um vácuo legal”, disse.
Outro ponto do projeto de lei “absolutamente gravíssimo”, segundo Capobianco, é o que exclui da responsabilidade do empreendimento pelos impactos ambientais indiretos.
“O empreendedor que fará uma obra que irá provocar impactos indiretos conhecidos, demonstrados ao longo da história, não terá nenhuma responsabilidade de adotar medidas ou investir recursos para minimizar esses impactos indiretos. Nós vamos transferir para o Estado, para o poder público, o custo total de se fazer as medidas mitigatórias”, destacou.
Acrescento outras preocupações sobre o disposto no PL:
Certamente, preocupado em agilizar os procedimentos, o legislador pretende estabelecer prazos para as etapas. Por exemplo, no Art. 24°, sobre a elaboração do Termo de Referência - TR para o EIA, estabelece o prazo de 30 dias (§ 4°), "prorrogável por igual período". É um prazo razoável para muitos casos, mas não para licenciamentos mais complexos como os que realizei quando presidi a FEEMA, como empreendimentos como o Comperj, Arco Metropolitano, polidutos etc. São licenças que deliberam sobre atividades de impactos regionais. A qualidade do TR é fundamental para o resultado do estudo, que permitirá uma correta tomada de decisão do órgão ambiental quanto à licença e poderá evitar conflitos e a posterior judialização. O Artigo prevê ainda que o TR seja apresentado ao empreendedor que poderá contestá-lo, ganhando prazo para a sua manifestação (§ 2°). Surpreendentemente, a lei federal fixaria ainda o que está disposto no: "§ 5º - Extrapolado o prazo fixado no § 4º deste artigo, faculta-se ao empreendedor o protocolo dos estudos para análise de mérito com base no termo de referência padrão da respectiva tipologia, disponibilizado pela autoridade licenciadora".
Isenções do Licenciamento AmbientalOs artigos 8° e 9° listam várias atividades isentas do licenciamento ambiental, sendo que muitas são impactantes e poderão oferecer riscos ao meio ambiente e à saúde pública:
Art. 8º Não estão sujeitos a licenciamento ambiental as seguintes atividades ou empreendimentos:
I – de caráter militar previstos no preparo e no emprego das Forças Armadas, conforme disposto na Lei Complementar nº 97, de 9 de junho de 1999, nos termos de ato do Poder Executivo;
II – considerados de porte insignificante pela autoridade licenciadora;
III – não incluídos nas listas de atividades ou de empreendimentos sujeitos a licenciamento ambiental estabelecidas na forma do § 1º do art. 4º desta Lei;
IV – obras e intervenções emergenciais de resposta a colapso de obras de infraestrutura, a acidentes ou a desastres;
V – obras e intervenções urgentes que tenham como finalidade prevenir a ocorrência de dano ambiental iminente ou interromper situação que gere risco à vida;
VI – obras de serviço público de distribuição de energia elétrica até o nível de tensão de 69 Kv (sessenta e nove quilovolts), realizadas em área urbana ou rural;
VII – sistemas e estações de tratamento de água e de esgoto sanitário, exigível neste último caso outorga de direito de uso de recursos hídricos para o lançamento do efluente tratado, o qual deverá atender aos padrões de lançamento de efluentes estabelecidos na legislação vigente;
VIII – serviços e obras direcionados à manutenção e ao melhoramento da infraestrutura em instalações preexistentes ou em faixas de domínio e de servidão, incluídas dragagens de manutenção;
IX – pontos de entrega voluntária ou similares abrangidos por sistemas de logística reversa, nos termos da Lei nº 12.305, de 2 de agosto de 2010;
X – usinas de triagem de resíduos sólidos, mecanizadas ou não, cujos resíduos devem ser encaminhados para destinação final ambientalmente adequada, nos termos da Lei nº 12.305, de 2 de agosto de 2010;
XI – pátios, estruturas e equipamentos para compostagem de resíduos orgânicos, cujos resíduos devem ser encaminhados para destinação final ambientalmente adequada, nos termos da Lei nº 12.305, de 2 de agosto de 2010;
XII – usinas de reciclagem de resíduos da construção civil, cujos resíduos devem ser encaminhados para destinação final ambientalmente adequada, nos termos da Lei nº 12.305, de 2 de agosto de 2010; e
XIII – ecopontos e ecocentros, compreendidos como locais de entrega voluntária de resíduos de origem domiciliar ou equiparados, de forma segregada e ordenada em baias, caçambas e similares, com vistas à reciclagem e a outras formas de destinação final ambientalmente adequada.No artigo seguinte (Artigo 9°) o PL acrescenta mais atividades, evidentemente atendendo demandas ruralistas::
Art. 9º Quando atendido ao previsto neste artigo, não são sujeitos a licenciamento ambiental as seguintes atividades e empreendimentos:
I – cultivo de espécies de interesse agrícola, temporárias, semiperenes e perenes;
II – pecuária extensiva e semi-intensiva;
III – pecuária intensiva de pequeno porte, nos termos do § 1º do art. 4º desta Lei;
IV – pesquisa de natureza agropecuária, que não implique risco biológico, desde que haja autorização prévia dos órgãos competentes e ressalvado o disposto na Lei nº 11.105, de 24 de março de 2005.
Licença Ambiental Especial - LAE
É a mais grave "inovação" do PL. A emenda foi apresentada pelo presidente do Senado Davi Alcolumbre, com o objetivo explícito de facilitar o licenciamento da exploração de petróleo na Margem Equatorial, no seu estado do Amapá. A modalidade de licença é voltada para empreendimentos considerados estratégicos pelo
Conselho de Governo, composto pelos ministros que compõem a equipe do próprio governo. A LAE será "monofásica", ou seja, feita em apenas uma fase e terá o prazo máximo de 12 meses para a análise da emissão da licença. Na justificativa, Alcolumbre argumentou que a lentidão no licenciamento ambiental gera entraves ao desenvolvimento e que a emenda busca “eficiência, celeridade e sustentabilidade”. Segundo ele, o modelo atual é burocrático e desestimula investimentos.
A LAE, portanto, é prevista para politizar o licenciamento dos projetos mais significativos e pressionar a autoridade ambiental. Quem já dirigiu um órgão ambiental sabe que o maior desafio é licenciar justamente os projetos dos colegas de governo.
Importante lembrar que as obras que mais causaram impactos ambientais na história do país foram de iniciativa governamentais e eram consideradas estratégicas. Muitas foram feitas antes da existência dos procedimentos do licenciamento ambiental que, caso tivesse sido submetido a este processo poderiam ter sido evitados muitos dos seus impactos. Exemplos destes projetos são: a TransAmazônica, o Polo Noroeste (Rondônia), Hidrelétrica de Itaipu etc.
Atividades licenciáveis através da Licença de Adesão e Compromisso
A senadora Tereza Cristina, relatora, acatou emenda que autoriza que os empreendimentos de saneamento básico sejam objeto de Licença Ambiental por Adesão e Compromisso (LAC) e um Relatório de Caracterização do Empreendimento (RCE). Esse é um ponto de atenção, pois mesmo tendo função ambiental relevante, estas atividades precisam de cuidados quanto aos seus efluentes e corpos receptores e é bom lembrar que a sua implantação costuma dar conflitos de vizinhança.
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Desmatamento na Floresta Amazônica ao longo de estrada próximo ao Rio Madeira, Rondônia. Foto Axel Grael. |
Pelo texto, a LAC também poderá ser utilizada em obras de ampliação de capacidade e à pavimentação em instalações preexistentes. Importante lembrar que as estradas são os principais vetores de desmatamento e degradação na Amazônia e outras regiões e a pavimentação, quando realizada sem os devidos cuidados, potencializa os problemas. Imagina o que poderá acontecer com procedimentos autodeclaratórios para esses casos?
O que os parlamentares não se preocuparam
O PL não faz qualquer alusão às mudanças climáticas. Também chama a atenção que a ênfase é toda na simplificação e no estabelecimento de prazos buscando a celeridade do licenciamento. Os parlamentares poderiam se inspirar num dos princípios constitucionais dos EUA que estabelece a regra "Law and Enforcement", ou seja, a Lei e a sua Aplicação. O que se preconiza é que estabelecida uma obrigação deve ficar claro quem vai proceder e fiscalizar aquela política pública e, principalmente, definir de onde viráo orçamento para que aquela politica funcione. O nosso PL, que deseja agilidade no licenciamento, não faz qualquer referência a necessidade de fortalecimento dos órgãos ambientais, por meio de meios e equipes, para cumprir o objetivo de um licenciamento ambiental mais eficiente e rápido. O Congresso nunca se preocupou em dar um orçamento adequado para estruturar a politica ambiental.
NEGACIONISMO AMBIENTAL E OS EMBATES NO CONGRESSO
Estamos acompanhando as discussões no Congresso Nacional e vemos que a legislação ambiental, assim como as políticas de meio ambiente e clima estão na mira dos setores mais conservadores da oposição e até mesmo da própria base do governo.
Vivemos um momento de extrema radicalização ideológica no pais e no mundo, em todos os sentidos. O Congresso Nacional brasileiro espelha essa realidade, mas com um agravante: a representação da postura ideológica conservadora, negacionista climática e ambiental está superdimensionada. Não é proporcional ao tamanho desse segmento ideológico na sociedade brasileira e chegou lá inflado pela conturbada conjuntura política e eleitoral de 2022.
A polarização ideológica também se expressa com relação aos temas ambientais, da sustentabilidade e climáticos. São visões de mundo antagônicos e excludentes, dificilmente conciliáveis. A ética da sustentabilidade é conflitiva com a visão antropocêntrica exacerbada e a atitude meramente utilitarista da natureza que encontramos no "pragmatismo desenvolvimentista (?)" que hoje tem grande força no parlamento.
Até há pouco tempo, essa visão estava no poder. No governo Bolsonaro, o então ministro do Meio Ambiente era um negacionista que pregava "aproveitar o momento das atenções voltadas para a COVID-19 e abrir a porteira para passar a boiada" ou seja, promover o desmonte da legislação ambiental. Ambientalistas, técnicos, cientistas e profissionais do meio ambiente eram execrados e enfrentados como inimigos do desenvolvimento.
Essa visão extemporânea teve o seu auge por volta da década de 1970 e perdurou até 1992. Naquele ano, o Rio de Janeiro sediou a segunda grande conferência do meio ambiente: a Rio-92. Interessante observar que o nome oficial era Conferência da ONU para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento. O próprio nome expressava a dicotomia entre os dois objetivos. O termo "sustentabilidade" surgiu às vésperas da Rio-92. Portanto, setores da sociedade, um grande número de parlamentares e tomadores de decisão sobre políticas públicas ainda estão apegados a conceitos e visão de mundo de quatro décadas atrás.
Hoje, diante das evidências das mudanças climáticas e suas consequências, o mundo se mobiliza para promover a transição para a sustentabilidade, passando pela transição energética, a construção de uma nova economia descarbonizada ou de baixa emissão de carbono. O Brasil sediará a COP30 em Belém, em novembro de 2025 e as principais lideranças mundiais estarão entre nós debatendo os caminhos para essa transição. Algumas pessoas seguem na contramão da história, mas o mundo cada vez se engaja mais com essas mudanças que garantirão a qualidade de vida das futuras gerações.
A transição é inexorável e temos que seguir perseverando. O futuro será sustentável ou não teremos futuro!
Axel Grael
Engenheiro florestal
Prefeito de Niterói (2021-2024)
Presidente da FEEMA (1999-2000 e 2007-2008)
Ex-vice-presidente da Frente Nacional de Prefeitas e Prefeitos - FNP
Ex-vice-presidente da Associação Brasileira de Entidades Estaduais de Meio Ambiente - ABEMA